Numa análise publicada hoje pelo 'think tank' com sede em Bruxelas, Oleg Ignatov considerou que o documento divulgado pelo chefe da diplomacia russa, Serguei Lavrov, "diz em voz alta todas as partes silenciosas" do que tem sido o discurso de Moscovo.
Ignatov argumentou que "a inimizade crescente contra Washington e a esperança de que os países não alinhados com o Ocidente se juntassem à Rússia na luta contra os Estados Unidos - está agora escrito a preto e branco".
"Realista ou não, o novo conceito da Rússia pretende transmitir que Moscovo espera continuar o confronto com o Ocidente a longo prazo, e não apenas na Ucrânia", concluiu o analista sénior sobre assuntos russos.
No novo conceito de política externa, divulgado na véspera de a Rússia assumir a presidência rotativa do Conselho de Segurança da ONU, Moscovo declarou os Estados Unidos e o Ocidente como a fonte de ameaças à existência do país.
Lavrov declarou, na altura, os Estados Unidos como "o principal instigador e líder da linha antirrussa".
Ignatov considerou que a Rússia está empenhada em atrair outros países para a disputa com o Ocidente, embora sem definir os pormenores dessa estratégia do Presidente Vladimir Putin.
"A falta de definição pode ser um mau presságio para os seus planos", segundo Ignatov.
O analista qualificou o novo conceito como preocupante, "sobretudo devido aos danos que o Estado russo pode causar ao tentar pôr em prática as palavras do Kremlin", a Presidência russa.
Defendeu, por isso, que tanto os adversários designados por Moscovo no Ocidente como aqueles que espera envolver devem estar preparados para mais desinformação e mais atividades secretas.
Devem esperar "mais esforços para aproveitar todas as oportunidades que se apresentem para fazer avançar" a agenda de Moscovo, prosseguiu o analista.
Segundo Ignatov, o novo conceito define como objetivo "privar o Ocidente da capacidade de prosseguir" o desígnio de pôr em causa a existência da Rússia.
"Esta posição representa uma rutura com o passado", defendeu, referindo que os anteriores documentos políticos russos "falavam da construção de um espaço de segurança comum com os países europeus".
"Para os ocidentais que há muito argumentam que a Rússia está determinada a minar a ordem global liderada pelo Ocidente, a nova linguagem deste conceito oferece provas novas e convincentes das intenções de Moscovo", afirmou.
Ignatov considerou também que o novo conceito apresenta falhas que "podem refletir a natureza ainda incipiente da abordagem evolutiva da Rússia às relações internacionais".
"Talvez sem surpresa, dado o desejo de Putin de projetar força e confiança, o documento ignora os verdadeiros desafios militares e económicos da Rússia, incluindo os danos financeiros, políticos e militares causados pela sua decisão de invadir a Ucrânia", notou.
O documento também nada diz "sobre a correspondente perda de influência de Moscovo a nível global e local", segundo o analista do International Crisis Group.
No novo documento, Moscovo privilegia a Eurásia, mas não reconhece que os países mais próximos das fronteiras russas "parecem ver o Kremlin cada vez mais como perigoso e pouco fiável", escreveu.
O analista considerou ainda que o documento "representa um afastamento radical" do anterior conceito de política externa, de 2016.
"Confirma o que muitos analistas há muito consideram ser a ambição subjacente à visão do mundo de Moscovo, estabelecendo objetivos abrangentes para o seu papel como potência euro-asiática", argumentou.
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