Natural de Hong Kong, onde nasceu em 1978, Chu é alvo de um mandado de detenção desde 2020, emitido pelas autoridades da antiga colónia britânica ao abrigo da nova lei de segurança nacional, que a China impôs nesse ano.
A lei, aprovada na sequência das manifestações pró-democracia em Hong Kong em 2019, prevê prisão perpétua para casos de secessão, terrorismo ou conluio com forças estrangeiras, tendo já sido usada para deter e julgar dezenas de pessoas.
Em entrevista à Lusa em Lisboa, onde participou num debate sobre democracia, na quinta-feira, Samuel Chu admitiu que a lei em causa "marcou definitivamente um dos desmembramentos finais" do acordo sino-britânico sobre Hong Kong.
Chu lembrou que cinco anos antes, "o governo chinês já tinha dito publicamente que a declaração conjunta era um documento histórico que já não tinha qualquer efeito real".
A declaração conjunta sino-britânica, de 1984, regulou a devolução de Hong Kong à China, concretizada em 01 de julho de 1997, quando a antiga colónia do Reino Unido se tornou uma região administrativa especial chinesa.
A integração da capitalista Hong Kong na China comunista foi feita com base no princípio "um país, dois sistemas", que previa a manutenção do modo de vida local durante 50 anos, incluindo as liberdades e direitos individuais.
O território vizinho de Macau, administrado por Portugal, também passou a ser uma região administrativa especial da China, em 20 de dezembro de 1999, com base no mesmo princípio e igualmente por 50 anos.
"Há um limite temporal e um limite legal efetivo para a liberdade que se pode ter" nos acordos sobre Hong Kong e Macau, disse Samuel Chu, presidente da organização Campaign for Hong Kong (Campanha por Hong Kong), com sede nos Estados Unidos.
"O que aconteceu nos últimos três anos [com a lei de segurança nacional] é que se tornou claro que não se pode ser 50 por cento livre ou 75% livre ou livre apenas durante 50 anos", afirmou.
Chu atribuiu os acordos a "uma certa ingenuidade" da comunidade internacional em relação à evolução da China, que tinha iniciado um processo de abertura e desenvolvimento no início da década de 1980.
Martin Lee, considerado o "pai da democracia" em Hong Kong, explicou a Chu que o prazo de 50 anos era visto, na altura, como o período necessário para que a China "pudesse recuperar o atraso em relação a Hong Kong e, em menor grau, a Macau".
"Era este o pensamento mágico de que se devolvêssemos Hong Kong à China, o país avançaria exponencialmente e, como país livre, se lhe déssemos acesso à Internet, tornar-se-ia livre como nós", disse.
Chu disse que, pelo contrário, se permitiu que Hong Kong e Macau "caíssem num regime autoritário".
"Quando permitimos incondicionalmente que a China se juntasse à comunidade internacional sem tratar de algumas questões verdadeiramente óbvias em matéria de direitos humanos, sabíamos o que a China era em 1989", disse.
Em 04 de junho de 1989, o exército chinês esmagou o movimento pró-democracia no centro de Pequim, no que ficou conhecido como o massacre de Tiananmen, com um balanço que varia entre centenas e milhares de vítimas.
"Sabíamos como o governo [chinês] se comportava contra o seu próprio povo. Não deveríamos ficar surpreendidos por, 30 anos mais tarde, estar a fazer o mesmo com os habitantes de Hong Kong", disse Chu.
O ativista admitiu ter havido ingenuidade na altura, mas considerou que houve "uma ignorância intencional", nas últimas três décadas, dos que lucraram com os negócios na China.
Chu considerou que a lei de segurança nacional fez Hong Kong recuar a 1989, quando um milhão de pessoas, incluindo ele próprio, marcharam pelas vítimas de Tiananmen, numa homenagem anual que foi suprimida pela nova legislação.
"A nossa marcha era a favor de uma China livre e democrática, e não apenas de uma Hong Kong livre", afirmou.
O pai do ativista, Chu Yiu-ming, organizou a fuga de alguns líderes dos protestos em Tiananmen, através da colónia britânica, e foi recentemente condenado a uma pena suspensa pelo seu papel nas manifestações em Hong Kong em 2014.
Chu disse que o povo de Hong Kong experimentou a liberdade e isso fará com que não deixe de lutar, apesar da lei de segurança nacional chinesa.
"Já trabalhei com dissidentes, ativistas e pessoas da China e de Hong Kong durante tempo suficiente para compreender que o desejo de ser livre é inato às pessoas", disse.
"Temos de ter liberdade na China para que haja uma Hong Kong livre", afirmou.
Sobre o mandado de detenção de que é alvo, disse que revela que a repressão em Hong Kong, em Macau e na China "não se limita a essas fronteiras".
"Não estou a ser processado pelo que estou a fazer em Hong Kong. Estou a ser processado por falar sobre Hong Kong e a China nos Estados Unidos, como cidadão norte-americano", afirmou.
"E isso significa que ninguém em Portugal ou em qualquer parte do mundo está a salvo disso", acrescentou.
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