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Chile. 50.º aniversário do golpe militar "é marca dolorosa" na sociedade

O historiador brasileiro Alberto Aggio considera que o 50.º aniversário do golpe militar no Chile expõe as fraturas sociais no país, polarizado e ainda assombrado pela figura do ditador Augusto Pinochet.

Chile. 50.º aniversário do golpe militar "é marca dolorosa" na sociedade
Notícias ao Minuto

08:14 - 04/09/23 por Lusa

Mundo Chile/50 anos

"O 11 de setembro, além de ser uma marca dolorosa, é uma marca presente na sociedade chilena. Estamos a isso ver neste momento, quando o golpe de Estado completa 50 anos", disse à Lusa o professor titular de História da América Contemporânea na Universidade Estadual Paulista (UNESP).

Encabeçado pelo general Augusto Pinochet, o golpe de Estado de 11 de setembro de 1973 derrubou o governo democraticamente eleito do Presidente Salvador Allende, que venceu o sufrágio presidencial em 1970 apoiado pela coligação de esquerda Unidade Popular (UP).

O cinquentenário do golpe mostrou as divisões existentes no Chile, especialmente depois de o Presidente esquerdista do país, Gabriel Boric, ter anunciado em junho a sua intenção de convocar os diversos representantes políticos para assinarem uma declaração conjunta a condenar o golpe de Estado de 1973.

"A direita e extrema-direita, de maneira geral, apoiaram e ainda continuam a apoiar tudo aquilo que foi feito no contexto de crise do Governo Allende, que desembocou no golpe de Estado em 11 de setembro de 1973", referiu Aggio.

Em 22 de agosto, a Câmara dos Deputados do Chile viveu momentos de tensão após a leitura, a pedido dos partidos de direita e extrema-direita, de uma resolução parlamentar assinada há 50 anos que declarou inconstitucional o governo democrático de Salvador Allende e abriu caminho ao golpe de Estado militar duas semanas depois.

O 'fantasma' de Pinochet continua a assombrar o país, visto que o ditador não enfrentou a justiça no Chile pelas atrocidades cometidas nos anos do seu regime.

Em julho deste ano, numa votação apertada, a Câmara dos Deputados aprovou uma moção para que Pinochet não figure mais nos registos da Biblioteca do Congresso como "Presidente".

"Pinochet não enfrentou os relatos dos crimes nem a sua responsabilidade foi determinada por uma sentença judicial. Isso afeta a maneira como processámos a sua figura. Se isso tivesse acontecido, seria muito mais difícil que ainda houvesse vozes que o aprovassem", declarou a socióloga chilena Oriana Bernasconi, numa recente entrevista ao 'media' alemão Deutsche Welle.

Alberto Aggio referiu que, como em todo o mundo, as formações de extrema-direita tem crescido e o Chile não fica fora desta tendência, levando a um maior enaltecimento da figura de Pinochet e do "pinochetismo", acrescentando ainda que há atualmente uma grande polarização política na sociedade chilena.

"Existe muita divisão no seio da esquerda porque a fatia liderada pelo Partido Comunista não aceita uma reflexão histórica sobre o período, nem críticas a Unidade Popular (UP) e ao próprio Allende", sublinhou Aggio, especialista em América Latina e tem obras divulgadas sobre o Chile.

Em 05 de julho, o Partido Comunista - que faz parte do Governo de Boric -, juntamente com 160 organizações, exigiu a renúncia do coordenador para as comemorações dos 50 anos, o escritor Patricio Fernández, acusando-o de relativizar o golpe de Estado durante uma entrevista. Fernández acabou por renunciar ao cargo.

Em 27 de agosto, o ministro da Justiça e Direitos Humanos do Chile, Luis Cordero, referiu que as comemorações "fazem parte da reflexão que exige ou necessita o sistema político".

Segundo Cordero, "não se pode ter medo de discordar, desde que seja com respeito, com lealdade e desde que se sustentem as instituições e a amizade cívica", referindo-se, nomeadamente, às quezílias com o Partido Comunista.

"O Governo de Boric deveria ter pensado nos 50 anos do golpe de uma maneira diferente", declarou Aggio, sublinhando que o Executivo acabou por promover mais a divisão política ao invés de estabelecer "a construção de uma visão comum deste passado dorido".

A ex-Presidente chilena Michelle Bachelet (2014-2018), num artigo recente publicado no jornal El País, afirmou que no Chile "é preciso garantir que haja plena verdade, plena justiça e um compromisso de todos para cuidar da democracia", sublinhando "a importância do plano de procura dos detidos desaparecidos anunciado pelo atual Governo".

Gabriel Boric assinou em 30 de agosto um decreto que visa promover a procura de todas as vítimas de desaparecimento forçado durante a ditadura de Augusto Pinochet, um processo inédito no país, que as estimativas apontam para cerca de 1.469 pessoas.

A ditadura no Chile durou 17 anos (1973-1990) e fez mais de 40 mil vítimas entre mortos, desaparecidos e presos políticos, segundo os números da comissão oficial que realizou um trabalho de levantamento através de depoimentos de vítimas e dos familiares. Mais de 3.200 chilenos morreram nas mãos dos agentes de segurança do regime de Pinochet, segundo esta comissão.

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