Num debate aberto do Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU) sobre o conflito na Ucrânia, Guterres indicou que foram recolhidas por agências da ONU provas de violência sexual, de detenções arbitrárias e execuções sumárias - "maioritariamente pela Federação Russa" -, assim como foi registada a transferência forçada de civis ucranianos, incluindo crianças, para território sob controlo russo ou para a Federação Russa.
"Esta documentação é vital para uma responsabilização. A responsabilização por todas as violações dos direitos humanos é crucial, em conformidade com as normas e padrões internacionais", frisou Guterres, na presença do Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.
O debate de hoje, presidido pelo primeiro-ministro albanês, Edi Rama, marca a primeira intervenção presencial de Zelensky no Conselho de Segurança.
O representante permanente da Rússia na ONU, Vasily Nebenzya, criticou o facto de a Albânia ter atribuído a Zelensky precedência no discurso em relação aos membros permanentes do Conselho de Segurança, advogando tratar-se de uma violação dos procedimentos do órgão.
"Temos aqui uma solução para isso: vocês param a guerra e o Presidente Zelensky já não precisa de falar aqui", respondeu Edi Rama, após uma troca de palavras com Nebenzya.
Provocando risos na câmara do órgão de segurança da ONU, Rama assegurou ainda a Nebenzya que o facto de Zelensky falar em primeiro lugar "não é uma operação especial" por parte da Albânia.
A Rússia designa oficialmente a invasão da Ucrânia, que iniciou em 24 de fevereiro de 2022, como uma "operação militar especial".
O secretário-geral aproveitou a ocasião para afirmar, mais uma vez, que a invasão da Ucrânia pela Rússia é uma "clara violação da Carta da ONU e do direito internacional", além de "agravar as tensões e divisões geopolíticas, ameaçar a estabilidade regional, aumentar a ameaça nuclear e criar fissuras profundas no nosso mundo cada vez mais multipolar".
O ex-primeiro-ministro português sublinhou que as Nações Unidas foram claras na condenação desta guerra, referindo duas resoluções aprovadas pela esmagadora maioria da Assembleia Geral da ONU que exigiam que a Rússia abandonasse a Ucrânia e que rejeitavam os esforços de Moscovo para anexar o território ucraniano.
Fazendo um balanço daquilo que tem sido esta guerra, Guterres destacou os ataques "implacáveis e sistemáticos" contra civis e contra instalações de saúde e educação, mas também as dezenas de milhares de mortos, a destruição de meios de subsistência, o trauma infligido a toda uma geração de crianças, as famílias e comunidades destruídas, assim como a economia devastada.
"Os ataques a civis e a infraestruturas civis devem parar imediatamente", instou.
Guterres não deixou de fora o Acordo dos Cereais do Mar Negro, iniciativa na qual tem dedicado um esforço pessoal para restabelecer, apesar da recusa de Moscovo.
"Lamentamos profundamente que a Rússia tenha terminado a sua participação no Acordo do Mar Negro em julho deste ano. E que, imediatamente após a sua saída, a Rússia tenha lançado um bombardeamento aos portos ucranianos e às instalações de armazenamento de cereais no Mar Negro e no rio Danúbio. Os ataques contra terminais e armazéns de cereais são inaceitáveis. Esses ataques devem acabar", enfatizou.
Segundo o líder das Nações Unidas, esses ataques russos ameaçam também a navegação civil no Mar Negro, e uma nova escalada poderá afetar instantaneamente os mercados globais e desestabilizar a região.
Guterres disse também que os bombardeamentos estão a "minar os esforços" da ONU para a implementação do Memorando de Entendimento com Moscovo, que visava a exportação de alimentos e fertilizantes russos e que foi assinado aquando do Acordo dos Cereais do Mar Negro.
Os bombardeamentos levaram "muitos daqueles cuja boa vontade é necessária, nomeadamente no setor privado, a questionar se existe algum interesse real em voltar a aderir à Iniciativa do Mar Negro", observou.
Virando-se para o impacto na guerra no multilateralismo, o secretário-geral afirmou que a Carta das Nações Unidas é o roteiro para um mundo mais pacífico e que os seus princípios são "um manual de instruções" para resolver conflitos.
Apesar de defender a "diplomacia preventiva" e de advogar que o multilateralismo é "essencial e eficaz", o ex-primeiro-ministro português admitiu que as "ferramentas e mecanismos multilaterais estão a enfraquecer" e alguns estão mesmo a "falhar".
"Exorto os Governos a irem mais longe e a fazerem melhor para reafirmarem as suas obrigações ao abrigo da Carta das Nações Unidas", instou, dirigindo-se aos líderes presentes na sala.
Guterres terminou a sua intervenção reforçando que a ONU está "totalmente empenhada na soberania, independência e integridade territorial da Ucrânia" e "dentro das suas fronteiras internacionalmente reconhecidas".
"Esta guerra já está a causar sofrimento ilimitado. A sua continuação corre o risco de uma escalada ainda mais perigosa. Não há alternativa ao diálogo, à diplomacia e a uma paz justa", concluiu.
A reunião de hoje, intitulada "Defender os propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas através do multilateralismo eficaz: Manutenção da paz e da segurança da Ucrânia", foi convocada pela Albânia, país que detém a presidência mensal do Conselho de Segurança e que, juntamente com os Estados Unidos, detém o dossiê sobre a Ucrânia.
Entre os participantes esperados neste debate está o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
[Notícia atualizada às 17h14]
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