Nações Unidas, União Europeia, Reino Unido, Alemanha, Jordânia, Qatar, Rússia, China e Emirados Árabes Unidos, reuniram-se no sábado no Cairo para discutir a entrada de ajuda humanitária na faixa de Gaza, um possível cessar-fogo entre o Hamas e Israel e ainda o futuro da "solução de dois Estados".
Mohanad Hage Ali, vice-director de pesquisas no Malcom H. Kerr Carnegie Middle East Center, um centro de pesquisas baseado em Beirute, não considera que um cessar-fogo possa acontecer "nos próximos tempos".
"O que está a acontecer agora é uma guerra que Israel lançou para destruir o Hamas. Portanto, mesmo que o Hamas decida atenuar a situação, os Israelitas vão continuar a tentar atingir os seus objetivos", diz à Lusa Hage Ali.
"Não acredito [num cessar-fogo], não nesta fase. Isto é uma fase de vingança", diz.
Poucos minutos após o início da reunião, a passagem de Rafah, entre o Egito e a Faixa de Gaza, foi aberta e os 20 camiões das Nações Unidas com ajuda humanitária começaram a entrar no território palestiniano para grande alívio dos palestinianos.
No entanto a expectativa que a reunião possa produzir avanços para um cessar-fogo é baixa, especialmente por causa da notável ausência da reunião de oficiais norte-americanos, os principais aliados de Israel.
Durante a cimeira no Cairo, o primeiro-ministro grego Kyriakos Mitsotaki disse que "a intervenção militar não pode substituir uma solução política viável", um apelo que foi repetido por outros líderes europeus como a primeira-ministra italiana e o Presidente de Chipre.
Entre os participantes da reunião de sábado, o presidente Egípcio, Abdel Fattah al-Sisi, recebeu o ministro dos negócios estrangeiros da Turquia, Hakan Fidan. Tanto o Egipo como a Turquia apoiam a causa palestiniana e têm sido mediadores entre o Hamas e Israel por várias vezes ao longo dos anos.
Na Turquia, onde vivem vários membros do Hamas, as autoridades têm estado em negociações com o movimento islamita palestiniano para a libertação de reféns. Mohanad Hage Ali considera estas negociações um "primeiro passo", mas diz que o trabalho dos mediadores ainda é "muito difícil".
Também tem crescido a pressão sobre os países do Golfo, nomeadamente o Qatar, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos. Estes países estão estrategicamente posicionados: por um lado são históricos apoiantes da causa palestiniana, por outro são parceiros económicos dos Estados Unidos e, como os maiores produtores de petróleo do mundo, têm um poder de influência a nível global.
O Emir do Qatar, Sheikh Tamim bin Hamad al-Thani, foi um dos participantes da cimeira, para além do Presidente da Palestina, dos Emirados Árabes Unidos, o primeiro-ministro Iraquiano e ainda o Rei da Jordânia e o príncipe herdeiro do Kuwait.
O Qatar financia há vários anos o governo do Hamas e é onde vivem vários líderes do partido que controla Gaza. No entanto estes países árabes têm pouca influência sobre o Hamas e pouco poder de dissuasão neste conflito, defende Mohanad Hage Ali.
"O Hamas tem aliados mais pequenos, mais fracos, e podemos ver este balanço de poderes no número de mortes no terreno - que é muito maior em Gaza", diz à Lusa Hage Ali.
O analista diz que apesar do Qatar financiar o Hamas e de alojar parte da sua liderança, este apoio é "calibrado com os Estados Unidos e Israel" - dado que Doha tem relações fortes com Washington: as forças norte-americanas têm neste país a maior base militar na região.
Contudo, os Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita encontram-se numa situação diferente. Os Emirados Árabes Unidos, com o Bahrain e Marrocos, têm até desde 2020 um acordo económico com Israel, os chamados "acordos de Abraão", que foram mediados pelos Estados Unidos. Era sabido que a Arábia Saudita também se preparava para se juntar aos acordos, apesar de alguma resistência das populações muçulmanas da região, que veem esta normalização de relações com Israel como uma traição ao povo palestiniano. No entanto, a 20 de setembro deste ano o príncipe herdeiro Saudita reconheceu que um acordo estava "todos os dias mais perto".
Após o ataque do Hamas a 07 de outubro, tanto os Emirados como os sauditas mostraram o seu apoio aos palestinianos e apesar de não haver uma declaração formal, os acordos económicos com Israel consideram-se "congelados".
No entanto, os dois países - sobretudo a Arábia Saudita - continuam numa posição estrategicamente mais próxima de Israel e podem ter alguma influência no futuro do conflito, defende Kristian Coates Ulrichsen, investigador para o Médio Oriente no Baker Institute, um centro de pesquisas norte-americano.
"Por detrás do apoio público à Palestina, há provas que os Sauditas estão a tentar liderar esforços diplomáticos para prevenir que a guerra entre Israel e o Hamas degenere num confronto mais largo que possa sugar o Líbano, Irão e outros", diz Ulrichsen.
O especialista em países do Golfo diz que a Arábia Saudita pode ter uma "maior vantagem" no plano geopolítico porque "Israel e os Estados Unidos não vão querer que o conflito atual descarrile completamente" o processo de negociações de acordos económicos com Riade.
"Portanto pausar o processo faz sentido estrategicamente para a Arábia Saudita, por causa da demonstração de raiva no mundo islâmico sobre o que está a acontecer em Gaza - e dá à liderança saudita uma oportunidade para controlar a próxima fase daquilo que permanece um acontecimento extremamente delicado", diz o analista.
Apesar da Arábia Saudita não ter marcado presença na cimeira de sábado, o seu papel nos esforços diplomáticos tem sido ativo: o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman falou ao telefone com o Presidente iraniano Ebrahim Raisi - a primeira ligação entre os dois países desde que as relações entre Teerão e Riade foram restabelecidas em março após vários anos.
Poucos dias depois bin Salman também recebeu o secretário de Estado norte-americano Antony Blinken.
Desde o início do conflito, o Irão anunciou o seu apoio incondicional ao Hamas, grupo que financia com milhões de euros anualmente. Teerão tem ainda atiçado o grupo xiita libanês Hezbollah contra Israel, através do lançamento de dezenas de mísseis que já provocaram mortes entre os israelitas e lançaram ondas de preocupação pelo mundo inteiro de que o Líbano possa ser sugado para o conflito.
Rapidamente, os Estados Unidos cancelaram um acordo prévio com o Irão, que visava o descongelar e dar acesso a quase 6 mil milhões de euros de fundos iranianos "presos" num banco do Qatar, como parte de um acordo para a troca de prisioneiros norte-americanos.
Esta semana, o embaixador iraniano no Líbano disse que a "entrada de outros nesta guerra" e a "abertura de uma nova frente" depende das ações de Israel, nomeadamente de uma operação terrestre israelita dentro da faixa de Gaza.
Teerão ameaça atacar não só do Líbano, de onde têm chovido mísseis há vários dias, mas também da Síria, de onde já foram lançados 'rockets' para dentro de Israel, e ainda do Iraque, onde bases norte-americanas foram atacadas por 'drones', e também do Iémen, de onde foram lançados 'drones' em direção a Israel na sexta-feira.
"Eles podem lançar uns foguetes aqui e ali, mas isto são atores muito pequenos", diz à Lusa Mohanad Hage Ali. "Não são de todo o tipo de atores que vão fazer a diferença".
"No terreno, estamos a falar de Israel que tem tecnologia de ponta e uma força maciça e um grande número de aliados, contra um grupo muito fraco a viver nas áreas mais empobrecidas do mundo e sem aliados", diz o analista.
A 07 de outubro, membros do Hamas mataram mais de 1.400 israelitas. Em retaliação, as forças israelitas lançaram uma ofensiva aérea contra a Faixa de Gaza e mataram 4,385 palestinianos na Faixa de Gaza, segundo números do Hamas.
Os ataques israelitas a civis e organizações humanitárias e o bloqueio da Faixa de Gaza geraram críticas da comunidade internacional.
Os protestos pro-palestinianos em todo o mundo, e especificamente as críticas ao ataque a um hospital em Gaza, de que Israel e Hamas se acusam mutuamente, criaram alguma pressão nas forças israelitas.
"Mas o ataque do Hamas aos civis Israelitas basicamente levou a Europa e os Estados Unidos a mostrar a sua aceitação de um alto número de mortes de civis no lado palestiniano. Portanto, não há uma pressão real contra Israel de momento", diz o analista Mohanad Hage Ali.
"Eu suponho que quanto mais mortes de palestinianos, mais pressão, mais protestos que poderão levar a alguma mudança, mas não vejo isso a acontecer nos próximos tempos", diz.
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