A conclusão, tornada hoje pela Comissão Africana dos Direitos do Homem e dos Povos (CADHP), é a primeira do género a reconhecer o papel central que as populações nativas desempenham na proteção da biodiversidade.
O povo Batwa vivia como caçador e coletor nas zonas florestais do Uganda, Ruanda e RDCongo. Em 1970, um fotógrafo e conservacionista belga fundou o agora famoso Parque Nacional Kahuzi-Biega, perto da margem ocidental do Lago Kivu, num território tradicionalmente utilizado pelo povo Batwa.
Na sequência da expansão do parque em 1975, cerca de 13.000 pessoas da etnia Batwa foram expulsas das suas casas, em nome da proteção da biodiversidade, num processo que evoca o que foi hoje denunciado pela organização Human Rights Watch (HRW) no relatório "É como matar a cultura", relativamente ao povo Maasai na área de conservação de Ngorongoro, na Tanzânia.
A maioria do povo Batwa continua hoje a viver à margem do parque, em aldeias improvisadas, lutando pelo acesso à terra e aos cuidados de saúde.
A CADHP apelou ao governo congolês para que permita o regresso em segurança do povo Batwa, lhes conceda a propriedade das terras ancestrais localizadas dentro do parque nacional, emita um pedido de desculpas público reconhecendo os abusos sofridos e pague uma indemnização aos indígenas depois de os reconhecer como cidadãos.
A comissão criticou o modelo de conservação que defende que a melhor forma de proteger a biodiversidade é isolando os ecossistemas e expulsando as comunidades locais que dependem dessas áreas para a sua subsistência.
"A decisão nega a ideia de que, para resolver a crise climática, é necessário deslocar as comunidades indígenas e confiscar as suas terras", afirmou Samuel Ade Ndasi, responsável pelo gabinete de advocacia e litígios da UA em declarações no Grupo de Direitos das Minorias, uma instituição de caridade que representou o povo Batwa ao longo processo que decorre na União Africana desde 2015.
"A partir deste momento, nenhuma comunidade indígena deve ser despejada em nome da conservação em qualquer lugar de África", acrescentou.
A decisão da CADHP foi tomada em 2022, mas só agora foi tornada pública, devido a erros na versão em francês, segundo os advogados, que sublinham o facto de o governo congolês ainda não ter tomado medidas para a implementar.
Se o governo congolês optar por não aplicar a decisão, os grupos de defesa dos direitos do povo Batwa poderão levar o caso ao Tribunal Africano dos Direitos do Homem e dos Povos, o principal órgão judicial do continente encarregado da proteção dos direitos humanos.
De acordo com o relator especial da ONU para os direitos dos povos indígenas, desde 1990 cerca de 250.000 pessoas em todo o mundo foram expulsas à força dos locais onde viviam desde sempre para dar lugar a projetos de conservação.
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