"Israel atacou a ONU, a Assembleia Geral, o Conselho dos Direitos Humanos, criticando-os por apoiarem o terrorismo e o antissemitismo, espalhando antissemitismo. Acusou o TPI [Tribunal Penal Internacional] e o seu procurador. Agrediu todo e qualquer um. E não é a primeira vez que critica o secretário-geral quando este fala a verdade", sustentou Francesca Albanese.
"Para o secretário-geral, o seu mandato será marcado por este genocídio", nos territórios palestinianos, adiantou a relatora da ONU, que se encontra em Portugal para uma visita de cariz académico de quatro dias, em que poderá encontrar-se com representantes do Governo português.
A retórica das ofensas de Israel, adiantou, "faz parte da intenção de destruir o povo palestiniano, com o que está a acontecer em Gaza".
"Este ano, a linguagem depreciativa, as calúnias, os rótulos que foram usados, os ataques, os ataques físicos que foram dirigidos à ONU por parte de Israel são seriamente sem precedentes. Pensemos na UNRWA [Agência das ONU de Assistência aos Refugiados da Palestina no Médio Oriente], que fornece uma tábua de salvação para milhões de pessoas na região e é uma subsidiária da Assembleia Geral, que se transformou [para Telavive] numa espécie de manto para terroristas. E Israel destruiu ou danificou gravemente cerca de 70% das infraestruturas da agência", frisou.
Para Albanese, que falava numa conferência de imprensa em Lisboa e respondia a uma questão da agência Lusa, o secretário-geral da ONU tem sido "muito corajoso", pois "soube criticar fortemente o ataque do Hamas" a Israel, a 07 de outubro de 2023, mas que, mais tarde, criticou também o excesso de força israelita utilizada na retaliação nos territórios palestinianos.
"Agora, a situação é mais extrema. Israel está mais isolado na Assembleia Geral. Ainda é o aliado mais protegido dos Estados Unidos. Então, é difícil sair desse impasse. O facto de ter sido declarado 'persona non grata' faz dois de nós nas Nações Unidas", sublinhou Albanese, que, no relatório apresentado na ONU, em março deste ano, acusou Israel de cometer um "genocídio" na Palestina.
Albanese, igualmente questionada pela Lusa, também desdramatizou o caso do navio com bandeira portuguesa - que entretanto pediu para retirar na sequência das diligências do Governo português - e que transporta material explosivo com destino a fabricantes de armas em Israel, Polónia e Eslováquia.
"Acho que foi muito importante retirar a bandeira [portuguesa] do navio e acho que deve atracar num qualquer porto e proibido de navegar até que sejam descarregadas as armas que tinham Israel como destino", afirmou a relatora, que se disse "satisfeita" com essa decisão do Governo português.
"Estou feliz por o governo [português] ter decidido manifestar-se, porque o princípio evocado não era exato. O direito europeu não substitui o direito internacional. O direito internacional prevalece ainda mais no momento em que, como o TIJ [Tribunal Internacional de Justiça) reconheceu de forma plausível, está a ser cometido um genocídio" em Israel, argumentou.
No entanto, insistiu, este momento deveria ser aproveitado por Portugal para se envolver mais na defesa do direito internacional, coliderando todo um processo.
"Vejo a forma como Portugal vota nas Nações Unidas, as palavras que Portugal pronuncia nas Nações Unidas. Portugal defendeu realmente a primazia do direito internacional. Mas não está sozinho. A Irlanda fez o mesmo. Mas esta é a hora de fazer o que dizem", defendeu a relatora, natural de Itália.
"É importante ter belas palavras, mas olhem para a Europa, para o que ela está a fazer. Todos concordam que deveria haver uma solução de dois Estados. Obrigado. Mas onde está o reconhecimento do Estado palestiniano? Qual é a coerência em dizer, sim, os palestinianos têm o direito à autodeterminação. Eles deveriam existir como um Estado, mas não o reconhecemos. Isso só mostra falta de coerência, falta da bússola moral que os países europeus possuem", sustentou.
Por isso, acrescentou Albanese, a situação do navio com bandeira portuguesa "não é a questão mais premente".
"A questão mais premente é o que Portugal vai fazer para garantir que não tenha quaisquer relações, financeiras, políticas, diplomáticas, com Israel que possam prejudicar os palestinianos. Significa cumprir o Tribunal Internacional de Justiça. [Se me reunir com as autoridades portuguesas] vou perguntar: o que o Governo vai fazer em relação ao reconhecimento do Estado da Palestina? O que é preciso?", frisou.
"E depois vou perguntar o que é que Portugal vai fazer pela justiça internacional e por uma verdadeira resolução do conflito, e também se Portugal está confortável, se Portugal vê e está confortável, com os padrões duplos que os Estados ocidentais carregam. É terrível que, face ao que está a acontecer na região, haja uma forma diferente de reagir ao assassínio de civis com base na sua nacionalidade ou religião. Isto está realmente a fazer-nos retroceder séculos e é inaceitável", concluiu.
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