O governo francês, liderado por Michel Barnier, foi ontem destituído por uma moção de censura com 331 votos favoráveis da coligação de esquerda Nova Frente Popular e da extrema-direita, União Nacional. O presidente, Emmanuel Macron, falará aos franceses esta quinta-feira, às 20h00 locais (19h00 em Portugal Continental), sendo que, de acordo com a imprensa francesa, já estará a preparar o sucessor do primeiro-ministro.
Agora, Michel Barnier, de centro-direita, terá de apresentar a sua demissão ao presidente. Este, por seu turno, terá de nomear um novo chefe de governo, já que está impossibilitado de convocar novas eleições legislativas, uma vez que a Constituição estabelece que a Assembleia Nacional não pode ser dissolvida antes de ter decorrido pelo menos um ano desde as eleições anteriores, ou seja, em julho de 2025.
A partir da Arábia Saudita, onde se encontrava em visita de Estado, o presidente francês havia dito que "não podia acreditar num voto de desconfiança" no governo. Já de volta a Paris, o responsável estará a refletir sobre as medidas a tomar após a queda do executivo, bem como a nomeação de um novo primeiro-ministro.
A votação da moção de censura, que decorreu por volta das 19h00 (menos uma hora em Lisboa), foi aprovada com uma larga margem graças aos blocos da esquerda radical e da extrema-direita União Nacional (RN, sigla em francês). Isto porque, recorde-se, como a Assembleia Nacional tem 577 lugares, era necessária a aprovação por pelo menos 289 deputados. A Nova Frente Popular conta com 182 deputados na câmara baixa francesa, enquanto a União Nacional tem 143 eleitos.
Os líderes desta aliança salientaram, de forma clara, que não visavam apenas o atual governo, mas também Emmanuel Macron, ainda que o seu futuro, cujo mandato termina em 2027, não esteja legalmente ligado ao do governo.
A líder da extrema-direita francesa, Marine Le Pen, afirmou que o governo de Michel Barnier caiu por perpetuar "as escolhas tecnocráticas" do presidente Macron, eleito em 2017 e em 2022, após a sua candidatura à reeleição.
Le Pen, três vezes derrotada nas eleições presidenciais, incluindo duas vezes contra Macron, acrescentou que o presidente francês tinha "ele próprio de concluir se [estava] em condições de permanecer [presidente da República] ou não".
Eric Coquerel apelou também, em nome das forças de esquerda da coligação Nova Frente Popular (NFP), para que "soasse o toque de morte de um mandato: o do presidente" Macron.
A líder do partido de esquerda França Insubmissa, Mathilde Panot, pediu a demissão de Macron imediatamente após a aprovação da moção de censura ao governo.
O partido França Insubmissa, que lidera a coligação de esquerda Nova Frente Popular (NFP), apelou a que "Emmanuel Macron se vá embora" e pediu "eleições presidenciais antecipadas".
Barnier estava a governar em minoria até agora e, perante a dificuldade de aprovar o orçamento, recorreu na segunda-feira ao artigo 49.3 da Constituição francesa, que prevê a possibilidade de aprovar leis evitando uma votação parlamentar, em troca de ter de se submeter a uma moção de censura.
A queda do executivo agrava a crise política criada pela dissolução da Assembleia Nacional pelo presidente, em junho, na sequência da vitória da extrema-direita nas eleições europeias.
As eleições legislativas no mês seguinte deram origem a uma Assembleia Nacional muito fragmentada e Barnier só tomou posse como primeiro-ministro em 5 de setembro, sucedendo a Gabriel Attal, após 60 dias de impasse. Assim, a queda do executivo, após apenas três meses em funções, é a mais rápida desde a adoção da Constituição francesa em 1958.
Embora nenhum dos dois blocos consiga uma maioria sozinho, a fragmentação parlamentar resultante das eleições de julho deu origem à possibilidade de uma aliança entre os grupos da oposição.
Ao contrário de outros sistemas parlamentares, em França a moção de censura não é utilizada como um instrumento construtivo, pelo que os seus proponentes não têm de apresentar um candidato alternativo à chefia do Governo.
O único objetivo da moção passa por derrubar o governo atual, razão pela qual, neste caso, não foi apresentado qualquer potencial substituto para Barnier.
Com o atual cenário, o país corre o risco de uma crise financeira ligada ao nível de confiança dos mercados na capacidade das autoridades públicas de contrair empréstimos a taxas baixas.
A esquerda, sob a bandeira da NFP, é o grupo com mais deputados, mas após as eleições o presidente descartou a possibilidade de propor um primeiro-ministro deste bloco, argumentando que não receberia apoio de outras famílias políticas.
Nos últimos dias, vários nomes têm surgido nos meios de comunicação social, sem que haja um favorito claro e com a possibilidade de um Governo de tecnocratas, uma situação a que a França nunca teve de recorrer.
Leia Também: Conciliador Barnier tornou-se no primeiro-ministro mais efémero de França