Frank Sharry, antigo consultor da campanha de Kamala Harris e fundador da organização America's Voice, acredita que os membros do Partido Democrata norte-americano têm de aprender a falar sobre imigração sem serem arrogantes e de forma mais empática com os eleitores.
"Os democratas têm dificuldade em não falar de forma altiva com as pessoas e dizer basicamente: 'Seus idiotas, porque é que não percebem?', em vez de 'nós percebemos'", lamentou o fundador da organização que defende um sistema de imigração mais liberal.
Segundo este ativista, "os americanos não são contra os imigrantes, são contra o caos".
Uma sondagem desenvolvida pelo Pew Research Center publicada em novembro, depois das eleições presidenciais, revelou que 64% dos inquiridos norte-americanos eram a favor da concessão de cidadania a imigrantes sem documentos, sob certas condições.
"A maioria quer ordem e quer imigrantes", explicou, alegando que os eleitores "estavam apenas zangados com o facto de o governo (...) parecer indiferente e incompetente".
O consultor falava durante o webinar "O regresso de Trump: o que a polarização americana nos pode ensinar sobre sociedades divididas", organizado pela universidade britânica King's College London na quinta-feira.
Antes uma área favorável aos democratas, a imigração é atualmente uma fraqueza perante a retórica e as propostas radicais de Trump, que se apresentou como alguém que levou o problema a sério, entende Sharry.
Donald Trump defende expulsões em massa de imigrantes, o que pode ter um impacto negativo importante na economia, uma vez que muitos setores dependem desta mão de obra.
É o caso, nomeadamente, da agricultura e da construção, que empregam centenas de milhares de imigrantes.
As autoridades norte-americanas estimam que um total de 11 milhões de pessoas vivem nos Estados Unidos sem documentos, a grande maioria delas provenientes do México, e, de acordo com o Pew Research Center, estavam a trabalhar em 2022 cerca de 8,3 milhões, 5% da força de trabalho da maior economia do mundo.
"A imigração é um assunto difícil de comunicar racionalmente, porque as pessoas são tribais. [É preciso mostrar] que existe uma forma de a gerir, de falar sobre ela e, mais importante ainda, de a governar, que tem em conta os aspectos positivos e negativos", argumentou Sharry.
Chocados pela derrota, os democratas estão a discutir a estratégia para o futuro.
Sharry resume que "o cenário é de um maior populismo económico, talvez um pouco menos de questões de identidade sem sacrificar os valores fundamentais e pouca conversa (...) em torno da imigração, que continua a ser um tema quente".
O problema não é exclusivo dos Estados Unidos, admitiu o diretor do centro de estudos British Future, Sunder Katwala, perante a polarização existente no Reino Unido.
"Temos mais fragmentação. Não somos a América, mas isso será testado como nunca o foi nos próximos quatro anos. Por isso, não podemos cruzar os dedos e dizer que não somos a América", alertou no mesmo evento.
Tando Katwala como Sharry receiam que um fracasso em gerir esta matéria por parte do atual governo trabalhista, eleito em julho, pode abrir espaço para avanços dos populistas de direita.
Sondagens recentes apontam para uma crescente popularidade do Partido Reformista liderado pelo eurocético Nigel Farage, um admirador de Donald Trump que considera que o Reino Unido tem excesso de imigrantes.
"Se os trabalhistas conseguirem fazê-lo corretamente, penso que será um modelo, tanto para nós, nos Estados Unidos, como talvez para outros na Europa, para que possamos dizer que o centro-esquerda pode gerir a migração de uma forma que seja simultaneamente justa e ordenada, humana e controlada", afirmou Sharry.
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