"As pessoas que vivem nos apartamentos no centro de Istambul não podem sequer ficar nas suas próprias casas, porque, quando abrem as janelas, o gás entra. Estão a gasear a cidade toda. A polícia está a atacar pessoas com intenção de matar", relata Mehmet Karli, em declarações à Lusa, via telefone, a partir de Istambul.
Mehmet Karli é professor de Direito Internacional na Universidade de Galatasaray, mas também integra o movimento cívico "Solidariedade com Taksim", que, adiantou, vai voltar a emitir um comunicado, a meio da tarde de hoje, na Praça Taksim, centro nevrálgico de Istambul, apelando aos manifestantes "para se manterem pacíficos o mais possível", porque não quer lembrada pelas "imagens de confrontos".
Porém, admite o professor e ativista pelos direitos humanos, "é difícil adivinhar o que vai acontecer".
Se o primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, tivesse respondido com um pedido de desculpas pela repressão violenta das pessoas que contestavam, na sexta-feira, um projeto urbanístico que colocará um centro comercial no lugar do Parque Gezi, "a desmobilização teria sido imediata", acredita Karli.
Mas, em vez disso, classificou-as de "marginais e lunáticas, provocando a multidão", e agora "ninguém pode antecipar o que irá acontecer".
O fim anunciado do Parque Gezi foi "a gota de água", que "levou as pessoas dizerem 'basta'", considera, reconhecendo que não previa "manifestações tão grandes", mas que "era visível que as pessoas estavam a atingir o limite".
"Há feridos graves, alguns em coma. Se as pessoas começarem a morrer, as coisas vão atingir um nível que não vamos conseguir parar. Não podemos controlar toda a gente", alerta, frisando que o movimento "não está sob o controlo" de ninguém.
"Nenhum partido teria conseguido começar algo deste género na Turquia, porque há uma desconfiança generalizada em relação à política institucional", assinala o professor, sublinhando que esta é "a força e também a fraqueza do movimento", pois a falta de coordenação política torna "difícil elaborar uma estratégia".
Dentro da "revolta" cabe "um grupo extraordinariamente diverso", cheio de "pessoas normais" e não apenas "jovens militantes clássicos", e "aberto a todos". Partilham "uma preocupação comum", assumindo "divergências sobre como o país deve ser governado", mas com "a certeza de que esta não é a forma de governar o país".
Fixaram "exigências simples": o Governo tem de pedir desculpas "públicas"; retirar a polícia das ruas; respeitar o direito de manifestação; cancelar o projeto urbanístico no Parque Gezi; apurar os responsáveis pelos ataques com gás; e demitir o ministro do Interior, o governador de Istambul e o chefe da polícia da cidade.
Os sindicatos declararam greve nas universidades para hoje e terça-feira e na quarta-feira as centrais sindicais deverão convocar uma greve geral.
Agradecendo aos jornalistas estrangeiros, que "estão a fazer o que os jornalistas turcos não conseguem fazer", ainda que por pressões dos patrões, Karli diz que "as pessoas perderam totalmente a confiança na comunicação social" local.
"É inacreditável o que se vê na televisão... estão a passar documentários sobre a vida dos pinguins quando as pessoas estão a ser gaseadas", critica. À falta de jornais livres, os turcos recorrem a "sites independentes e Twitter".
Da comunidade internacional esperam "há muito uma mensagem firme" contra Erdogan. "Sim, ele ganhou eleições, mas Putin [primeiro-ministro russo] também. (...) Erdogan é um líder autoritário, não é um democrata", distingue.
"Ainda não ouvimos a voz da União Europeia", critica. "É tempo de dizerem, alto e bom som, que Erdogan é um líder autoritário e que, se ele continuar assim, vão suspender as negociações [de adesão] com a Turquia", defende.