"Os jornalistas sofrem pressões e têm de estar preparados para isso"

É especialista em assuntos económicos, passou por vários meios de comunicação ao longo dos quase 40 anos de carreira como jornalista e assumiu agora a presidência da maior agência de notícias portuguesa, a Agência Lusa. Nicolau Santos é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto.

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Sara Gouveia
31/07/2018 09:20 ‧ 31/07/2018 por Sara Gouveia

País

Nicolau Santos

Quando saiu da universidade, onde estudou Economia, e disse à mãe que ia fazer jornalismo esta nem queria acreditar e “quase desmaiou”, mas certo é que se tornou num jornalista especialista em assuntos económicos, tendo passado por vários meios de comunicação ao longo dos praticamente 40 anos de carreira.

Começou como jornalista no Jornal de Notícias, trabalhou para a ANOP (a antecessora do que se veio a tornar a Agência Lusa), foi diretor do Diário Económico e do Semanário Económico, dirigiu o Público, e durante cerca de 20 anos assumiu o cargo de diretor-adjunto do Expresso, sendo que em 13 dos quais apresentou o ‘Expresso da Meia-Noite’ na SIC. Foi comentador de economia e faz as ‘Contas do Dia’ na Antena 1. A 21 de março deste ano assumiu aquela que é para si “uma comissão cívica, de serviço público” ao aceitar o cargo de presidente da agência Lusa.

Com o Notícias ao Minuto, Nicolau Santos, partilhou o que pretende para o futuro da maior agência de notícias portuguesa, bem como a sua visão sobre o estado em que se encontra o jornalismo.

O trabalho de agência é muito importante mas muitas vezes invisível. Considera que isso é o verdadeiro serviço público?

Não tenho nenhuma dúvida de que é um enorme serviço público e não tenho nenhuma dúvida de que a comunicação social portuguesa, neste momento, quer a nível nacional, quer a nível local depende muitíssimo do serviço público que a Lusa presta aos órgãos de comunicação social.

Tomou posse a 21 de março deste ano. Até agora quem é Nicolau Santos à frente da Lusa?

Bom, um jornalista que está a aprender a ser gestor. É evidente que suponho que compreendo bem o que os jornalistas pretendem para desempenharem o seu serviço. Temos vários problemas aqui que nas minhas anteriores funções, enquanto jornalista, nunca poderia decidir resolver, porque são coisas ligadas ao edifício e a melhoramentos do edifício, por exemplo, contratos que são preciso fazer para aumentar as receitas próprias da Lusa, etc. Enquanto jornalista nunca poderia decidir sobre isso, enquanto gestor à frente da empresa posso fazê-lo, tenho luz verde. Tenho tentado melhorar as condições dos profissionais daqui. Tanto quanto possível e com as limitações inerentes ao facto de sermos equiparados, em matéria salarial, à Função Pública, estou a tentar aumentar o rendimento das pessoas por várias formas não diretas. No essencial, tornar mais agradável a vida neste edifício em que se trabalha 365 dias por ano, 24 horas por dia.

O que traz das experiências anteriores para o novo cargo?

Trago essencialmente o conhecimento do que uma redação necessita para trabalhar. Precisa, seguramente, de ter estabilidade, condições, quer do ponto de vista técnico quer do ponto de vista da orientação editorial, precisa de ter confiança na administração, precisa de saber que é independente, que pode exercer as suas funções sem receber orientações de ninguém a não ser da direção editorial.

Como é fazer grande parte da carreira no setor privado e passar agora para o setor público? As dificuldades e os desafios são os mesmos?

Apesar de tudo, já tinha estado, há muito, muito tempo, dois anos na ANOP, que era uma das antecessoras da Lusa e na altura em que estive no Jornal de Notícias os jornais eram todos nacionalizados. Mas na minha experiência nos últimos 20 anos, mais de 20 anos, estive sempre no setor privado. A grande diferença é a capacidade de decisão. As decisões no setor privado são mais ágeis, mais rápidas, mais eficazes, dependem menos de entidades fora da empresa. Ao contrário do que acontece aqui [Lusa] em que temos duas tutelas, o Ministério da Cultura e o Ministério das Finanças, e onde, sobretudo em matéria orçamental, temos de dar satisfações. Temos de elaborar um orçamento, esse orçamento tem de ser aprovado pelas tutelas e mesmo após a aprovação tudo o que seja, por exemplo, contratação de pessoas ou valorização salarial têm de ir de novo às tutelas para serem aprovadas.

Para contratar uma pessoa à peça, para escrever um artigo, temos de fazer um contrato. No privado isso obviamente não existe, paga-se a peça e acabou. A relação contratual extingue-se aí. Mas, de acordo com as regras da contratação pública, nós temos efetivamente de fazer um contrato com a pessoa para esse ato, mesmo que esse seja único.

As únicas coisas que estão a crescer são os vetores do vídeo e dos projetos online. Tudo o resto está a cairNa nota em que comunicava que ia aceitar este novo desafio disse esperar poder “contribuir para tornar a Lusa numa agência noticiosa adaptada aos grandes desafios que se colocam aos media no séc. XXI.”. De que forma pretende fazer isso?

Olhando para o que se está a passar a nível de agências em todo o mundo, mas seguramente em outros meios de comunicação social, as únicas coisas que estão a crescer são os vetores do vídeo e dos projetos online. Tudo o resto está a cair. Seja papel, televisões generalistas, rádio, tudo está a cair. A publicidade nesses meio está a cair e o número de espetadores, de audiências, de compradores de jornais, de ouvintes está a cair. Portanto, temos de nos adaptar a isso. Eu sou um jornalista do papel, nasci no papel e gosto muito do papel, mas há coisas contra as quais não se pode lutar.

Então, mas tendo em conta que a Lusa tem uma concorrência tão feroz por parte das agências estrangeiras - como a France Presse ou a Reuters - como é que se pode reinventar para competir ao mesmo nível?

A Lusa tem algumas especificidades como têm normalmente as agências públicas e uma delas é que não vendemos ao consumidor final. Nós vendemos àqueles que depois estarão em contacto com os espetadores, leitores, ouvintes. Produzimos maioritariamente texto para os nossos clientes e depois é que são disponibilizados.

Não temos nenhuma ilusão de competir com elas na cobertura de grandes eventos como um G7 ou como o salvamento dos miúdos na gruta da Tailândia, embora tenhamos mandado pessoas para lá, mas a nossa cobertura tem uma ótica nacional. Não abdicamos, no entanto, de ter o nosso ponto de vista, mas somos quase esmagados pela quantidade de informação que é divulgada pelas grandes agências.

Apesar de tudo, temos uma mais-valia em relação às grandes agências internacionais, que é África. Estamos presentes em África, nos países que falam português, mas também nos outros. As grandes agências não estão. Compram o nosso serviço para ter acesso a notícias sobre esses países e estamos a pensar aumentar a nossa produção nesse campo, em particular em Angola, Moçambique, São Tomé, entre outros, mas também na África do Sul e nos países limítrofes. Estamos a fazer uma grande aposta em África e vamos, por exemplo, optar por traduzir quer as notícias escritas, quer os vídeos que possamos fazer, para inglês, para vender aos grandes operadores internacionais.

Sendo uma das maiores agências de notícias portuguesa não seria essencial ser uma ‘porta’ do mundo para Portugal? Ter a possibilidade de cobrir com a mesma amplitude qualquer evento, especialmente numa altura em que não só o país, mas figuras importantes portuguesas, estão no topo do mundo?

Eu falei-lhe de África, mas assinámos há dias, por exemplo, um acordo com o Fórum da Diáspora Portuguesa, porque temos pessoas de nacionalidade portuguesa em posições importantes em muitos pontos do mundo e portanto queremos estar junto dessas pessoas, ter informação sobre elas e divulgá-la, bem como fazer chegar a informação que produzimos.

Outra área muito importante são as comunidades portuguesas. Estamos perto das comunidades onde quer que elas existam e disponibilizamos o nosso serviço gratuitamente para as comunidades portuguesas de forma a que possam ter acesso à informação produzida cá. O que temos de melhorar é ter mais informação deles para divulgar. Hoje em dia, por dificuldades que a agência passou durante o período de crise, sobretudo entre 2011 e 2015, a nossa rede nacional e internacional de correspondentes e delegados ficou bastante depauperada, mas felizmente conseguimos agora contratar uma série de pessoas e recompô-la e achamos por isso que o nosso noticiário vai aumentar muito.

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Há vários trabalhadores da agência inscritos no PREVPAP, tem alguma ‘luz’ de quando é que vai resolver-se a questão dos trabalhadores precários da Lusa?

Não, de todo. Tinham-nos dito que ia haver uma reunião no dia 20 de junho com as partes que estão a negociar. Mas a administração não é ouvida se não no final do processo. A reunião foi adiada e não tem data marcada, portanto não sabemos. Há 47 pessoas envolvidas neste processo e estamos na expetativa para saber no final quantas é que efetivamente virão a integrar os quadros da empresa.

Considera que os recursos humanos que têm são suficientes para o trabalho diário da agência?

Eu não conheço nenhuma redação onde não haja um chefe de redação ou um jornalista que não diga que tem falta de jornalistas, de fotógrafos, não conheço. Nós queremos sempre mais e a Lusa não é obviamente alheia a essa situação, até porque ao contrário de outras redações, acontece à Lusa uma coisa que não acontece nas outras, que é se houver algum organismo público que queira um jornalista para assessoria de imprensa ou algum serviço dessa área e o requisite, a Lusa não pode rejeitar o pedido. Mas ao fazer isso não o podemos depois substituir imediatamente, temos de apresentar um pedido de substituição que demora meses e que não se sabe se vai ser aceite ou não. Portanto temos perdido muitas pessoas nos últimos anos para este tipo de situações o que reduz a redação.

Outra das questões é que penso que estamos numa fase de grande transformação e os projetos que estão a crescer obrigam-nos a precisar de mais jornalistas multimédia e menos jornalistas ‘tradicionais’, formados apenas numa área. Têm de ser pessoas que dominem as novas tecnologias, que consigam trabalhar em várias plataformas, que estejam preparadas para filmar, para gravar e não só escrever, um jornalista adaptável. Diria que, se calhar, temos alguma carência de pessoas com essas características e eventualmente temos pessoas muito importantes noutras áreas, mas que respondem a isso. De qualquer forma estou muito contente com o trabalho da agência.

Diria que os entraves financeiros são mais sentidos onde? Nas contratações?

Não diria que é aí que se sentem mais, diria é que há um tempo, do meu ponto e vista, excessivo para se autorizar substituições de pessoas que são requisitadas. Há trâmites que têm de ser cumpridos e analisados pelas duas tutelas e isso demora tempo. Ainda por cima são autorizações que caducam a cada 31 de dezembro. Quando estava para vir para cá tinham-me dito que havia um grupo de seis pessoas que tinham sido autorizadas, cinco jornalistas e um comercial, e quando entrei em funções em março disse para tratarmos disso e disseram-me que tinha caducado e que o processo tinha de ser feito todo de novo e apresentado à lei do novo quadro do Orçamento de Estado e depois tendo em conta o orçamento da empresa, portanto é um processo que demora bastante. Diria que temos meios financeiros para ter uma redação de cerca 250 pessoas operacional, acho que conseguimos cumprir razoavelmente o nosso trabalho com os recursos de que dispomos. Mas é uma situação que não tem tanto a ver com os recursos financeiros, que estão estáveis, recebemos 15 milhões de euros por ano, com IVA, até ao final de 2019, temos cerca de 4 milhões de receitas que nos permite ter um horizonte de funcionamento, mas o problema é depois esta questão das substituições e dos períodos arrastados.

Essas substituições e “períodos arrastados” são o que motiva a contratação de recibos verdes que acabam por ser recibos verdes ‘falsos’?

No caso da Lusa suponho que não é assim. Nós, por exemplo, damos todos os resultados do campeonato nacional, da segunda divisão incluída, e precisamos de ter uma pessoa que nos mande isso de 15 em 15 dias, algures do meio de Portugal. Como é evidente, não faz nenhum sentido que essa pessoa pertença aos quadros da Lusa, precisamos de dois serviços por mês. Essas pessoas têm de ter um vínculo à empresa diferente de uma pessoa que trabalha 365 dias por ano, tirando férias e fins de semana. Na Lusa a contratação a prazo não é tanto para contornar as dificuldades de contratação, é porque efetivamente o nosso trabalho em relação em algumas áreas de atividade não justifica uma integração nos quadros. 

Qual é o papel do jornalismo na democracia, em particular na portuguesa?

Penso que é fundamental. Há uma frase atribuída a um antigo presidente dos Estados Unidos, mas que suscita dúvidas sobre quem a terá dito, e que é interessante: “Se me dissessem se prefiro ter um país com governo e sem imprensa ou com imprensa mas sem governo eu prefiro a segunda hipótese”. Penso que a comunicação social em geral, a informação livre, é fundamental para uma democracia, é fundamental para limitar as tentações da excessiva concentração do poder. Para limitar a existência de casos em que eventualmente os poderes judiciais, os poderes que atuam na sociedade em termos de criminalização, não detetem e que acabam por ser alertados pela comunicação social para os factos. Considero que se nós perdermos, como temos vindo a perder, órgãos de comunicação social privados que não têm capacidade para sobreviver no mercado, penso que o papel das agências noticiosas, e em particular da Lusa, será cada vez maior e cada vez mais relevante e só pode crescer, infelizmente, neste quadro. Gostaria muito que houvesse órgãos de comunicação social pujantes, desenvolvidos, que fossem nossos clientes e nos pagassem boas avenças [risos], mas o que temos assistido nos últimos anos da parte de quem nos procura é à necessidade de mais informação, mas sempre pedindo que a avença seja mais reduzida e isso mostra bem as dificuldades que se fazem sentir no setor privado.

Não sou daqueles que subscreve a ideia de que hoje temos pior jornalismo do que tínhamos há 40 anosQue resposta se pode dar a todos os profissionais deste país que entraram na profissão nos últimos anos com condições abaixo da média? Como é que se garante a qualidade?

Isso é uma questão complicada. Devo dizer que quando entrei no jornalismo profissional, no dia 1 de outubro de 1980, tinha acabado de fazer um curso de Economia e a minha mãe quase que desmaiou quando lhe disse que agora ia fazer jornalismo, porque na altura o jornalismo era uma profissão marginal, claramente olhada de lado. Era uma profissão em que era preciso ter dois empregos, tinha vários colegas que trabalhavam em dois jornais, um de manhã e um à tarde. Depois nos anos 90 com a abertura das televisões à iniciativa privada, com o aparecimento de projetos privados como a TSF ou o Independente, e com a melhoria da situação económica do país houve uma explosão quer de escolas de comunicação social, quer de projetos editoriais, e portanto os salários aumentaram e os jornalistas passaram a ter um outro peso na sociedade, ganharam um estatuto de protagonismo. Agora, que estou em fim de carreira, estamos a assistir outra vez ao declínio das condições de trabalho na profissão.

Não sou daqueles que subscreve a ideia de que hoje temos pior jornalismo do que tínhamos há 40 anos. Acho que as pessoas que entram no mercado de trabalho vêm hoje com uma capacidade de lidar com as múltiplas plataformas que os antigos jornalistas não tinham, vêm com outro tipo de interesses como é o caso das questões ambientais, por exemplo. Ou seja, não acho que seja pior, é jornalismo diferente. Houve uma emergência de fenómenos que não conhecíamos, mas que aconteceram por todo o mundo como é o caso dos jornais populares, os jornais onde os casos sociais dramáticos ocupam um peso crescente em relação à informação que considero ser a importante para o país, mas isso é o que é.

Acho muito irónico que os jornalistas de repente tenham descoberto o fenómeno do político que telefona aos gritos. Quem ama verdadeiramente o jornalismo não tem de andar a fazer queixinhas sobre se A ou B andou, ou não, a pressionar, tem é de saber resistir a elas

É uma imagem da nossa sociedade?

Não é só da nossa sociedade, se formos a Inglaterra, por exemplo, o The Sun é dos jornais mais vendidos. Por todas as partes em todo o mundo existe este tipo de fenómeno e as redes sociais potenciaram ainda mais essas situações, porque passou a entender-se como jornalismo qualquer coisa que uma pessoa ponha numa rede social. Isso não é jornalismo, ponto final parágrafo. Jornalismo é aquilo que é produzido segundo regras deontológicas da profissão, segundo um quadro deontológico e no quadro de uma marca que existe, uma marca de um jornal. Agora é um facto que os salários voltaram a degradar-se nesta profissão, é um facto que há nas redações uma tendência para substituir pessoas mais velhas com alguma experiência e com memória por pessoas mais novas com outras capacidades, mas sem memória. Estamos a viver uma situação de grande transformação no setor e não gostaria de dizer que vamos pior, mas será seguramente diferente e com outros interesses.

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Essa instabilidade da profissão poderá influenciar a disponibilidade do jornalista fazer perguntas por medo de represálias, por exemplo?

Acho que quem vem para esta profissão não pode ter medo de duas coisas: De fazer perguntas, a curiosidade é a alavanca de um jornalista, um jornalista que não faz perguntas não existe. Quem vem para esta profissão tem de ter um sentido natural de curiosidade, de se querer informar. A outra é de pressões. Um jornalista tem de estar consciente de que a profissão traz pressões, de todos os sítios. Acho muito irónico que os jornalistas, ao longo dos últimos anos, de repente tenham descoberto o fenómeno do político que telefona aos gritos, ou sem ser aos gritos, a dizer qualquer coisa e que acham que isso é uma grande pressão. Não, não é. Pressão são os jornalistas que cobrem áreas de guerra e que morrem aos 200 por ano, isso sim, é risco de morte, e isso é que é verdadeiramente arriscar a vida para dar notícias.

Acrescento ainda que as pressões não vêm só dos políticos, nem de perto nem de longe. Trabalhei muitos anos na área económica e sei o que são as pressões que vêm desse lado, mas também há pressões na área cultural, na área desportiva. Todos os jornalistas sofrem pressões e têm de estar preparados para isso. Se não querem, há bons empregos onde até se deve ganhar, eventualmente, melhor e que não trazem esses problemas. Quem ama verdadeiramente o jornalismo tem de conviver com isso e não tem de andar a fazer queixinhas sobre se A ou B andou, ou não, a pressionar, tem é de saber resistir a elas e produzir as suas notícias, independentemente da pressão.

Considera que o jornalismo ainda é, ou ainda consegue ser, um ‘guardião’ do poder, um agente responsabilizador?

Não tenho dúvidas sobre isso. Temos tido sistematicamente exemplos disso, quer nacionais quer internacionais, de que há tentativas de controlo da informação, de manipulação, mas isso é uma história quase tão velha como Adão e Eva. A partir do momento em que houve imprensa, quem dá a informação quer controlá-la, quer que saia como querem. Só aquela informação que não nos está a ser dada pelo informador é que eventualmente pode ser incómoda. Em relação a uma pessoa, a uma empresa ou a uma entidade qualquer só aquela que conseguimos captar, sem estar com objetivos escondidos, só essa é que pode colocar em causa a instituição e portanto temos de lutar por isso. Tentar aceder a esse tipo de informações sabendo que há manipulação e pressões, tentativas de que as coisas não sejam publicadas, mas isso faz parte da nossa profissão.

Quando decidiu aceitar o cargo como presidente da administração da Lusa, comunicou-o através de uma nota, em que dizia ter ponderado muito porque “o impedia de continuar a escrever para o jornal ou a comentar na Antena 1”, mas nos últimos tempos tem continuado como comentador de assuntos económicos da Antena 1 e continua a fazer ‘As contas do dia’. Porquê?

Porque consultei a Comissão da Carteira de Jornalista, duas vezes oralmente e depois pedi um parecer por escrito, e disseram-me que não era incompatível estar como presidente da Lusa e continuar a fazer os comentários ou ir à televisão de vez em quando falar sobre qualquer assunto. Apresentei o papel aos editores desta casa para terem a ideia de que eu sou jornalista, estou presidente da agência, são coisas diferentes. A minha profissão é ser jornalista, quando preencho um papel nunca ponho na profissão ‘presidente da Lusa’, isso não é profissão, isso é uma comissão cívica, de serviço público, que estou a cumprir [risos].

Estamos a entregar a quem devia ser controlado pela comunicação social o poder de decidir os temas de debateAcha que há demasiados comentadores em Portugal?

Sim. Acho que o espaço público onde os jornalistas deviam atuar foi completamente contaminado sobretudo por políticos. Não compreendo porque é que nós, jornalistas, entregamos o comentário, a análise das situações, a pessoas que na maior parte dos casos estão elas próprias envolvidas nas situações. Se pedimos a políticos para comentar situações políticas, obviamente esses políticos têm algum interesse no que se está a passar e sem tirar mérito às pessoas que aparecem a comentar, isso não me parece ser uma missão nem um função dos políticos. Devem ser convidados para debates, não para comentar assuntos, isso somos nós a demitirmo-nos daquilo que é a nossa profissão. É evidente que eu percebo que se se convidar dois ou quatro políticos e os meter num estúdio é uma emissão baratíssima, não custa nada, não se paga nada e ocupa-se a antena uma hora, só que isso, na minha opinião, não é das situações mais esclarecedoras e não honra a profissão. Estamos a entregar a quem devia ser controlado pela comunicação social o poder de decidir os temas de debate, o que dizem. Na maior parte desses debates os moderadores, na prática, estão a distribuir jogo porque já combinaram os temas com as pessoas de antemão, não há perguntas não combinadas.

Não me orgulho obviamente de ter sido enganado, orgulho-me muito como respondi a isso. Porquê? Porque fui o únicoEm 2012 chamou ao programa que fazia na altura, o Expresso da Meia Noite, um especialista da ONU que se revelou afinal não ser quem dizia ser. Como é que um jornalista lida com essa situação, depois de se expor dessa forma?

Com muita frontalidade e fazendo o que eu fiz, do meu ponto de vista. A partir do momento em que foi óbvio que o senhor era um burlão pedi desculpa na SIC onde ele tinha ido, pedi desculpa no Expresso, escrevendo na minha página e na rádio onde tinha falado sobre isso. Não me orgulho obviamente de ter sido enganado, orgulho-me muito como respondi a isso. Porquê? Porque fui o único. O sr. Batista da Silva não foi só recebido por mim, nem foi só entrevistado por mim ou pelos meus colegas, foi recebido pelas duas centrais sindicais, foi recebido por três partidos de Esquerda, foi entrevistado durante uma hora pela TSF e tinha uma entrevista preparada para sair num órgão nacional. Mais ninguém apareceu para dar a cara. Eu dei a cara e defendi os meus jornalistas, parece que fui o único enganado pelo Batista Silva, não fui. Não me orgulho do que se passou, apesar de isso já ter acontecido noutros sítios, mas orgulho-me muito e continuarei a fazê-lo sempre, por respeito pelos meus leitores, espetadores e ouvintes, de ter dado a cara e de ter pedido desculpa pelo que tinha acontecido.

O problema das redes sociais é que não são escrutinadas, guiam-se pelo politicamente correto, lincham qualquer pessoa com base em informações que não são fidedignas  

Sente que as redes sociais potenciaram a nova vaga de comentadores?

Claro. As redes sociais do meu ponto de vista serão, por um lado, aparentemente muito úteis para as pessoas poderem expressar tudo o que lhes vai na alma e podem ser inclusive um escape social, mas são também muito perversas. São dominadas pelo politicamente correto, reagem epidermicamente a qualquer notícia que apareça e sem aprofundarem nada conseguem linchar uma pessoa por alguma coisa que aconteça ou que possa até nem ter acontecido.

Um exemplo muito recente: O doutor Rui Gomes da Silva que participa no programa de desporto da SIC, veio dizer que o Bruno Fernandes, o jogador do Sporting, que agora renovou o contrato só tinha aceitado renovar porque tinha duplicado o salário ou qualquer coisa do género. Ora bem, o esclarecimento já saiu e o agente do Bruno Fernandes efetivamente disse que voltava a assinar pelo Sporting aumentando o salário, mas o Bruno Fernandes disse que não aceitava, que mantinha as condições em que estava e que um futuro presidente, quando for empossado, se quisesse aumentava-lhe o salário. Isto é um gesto de uma enorme dignidade que devia ser enaltecido por toda a gente, mas o primeiro comentário que apareceu e que se espalhou como fogo nas redes sociais era que o malandro do Bruno Fernandes tinha assinado e tinha aproveitado isso para aumentar o salário. É inaceitável e inacreditável. O doutor Rui Gomes da Silva, obviamente, não terá feito por mal, mas não tinha todas as informações, achou que as que tinha eram suficientes e andou com aquilo para a frente. As redes sociais tomaram por adquirido e vai de linchar o Bruno Fernandes.

Qual é o papel das redes sociais no jornalismo, nesse caso?

O problema das redes sociais é este, não são escrutinadas, guiam-se pelo politicamente correto, lincham qualquer pessoa com base em informações que não são fidedignas, que não são contrastadas, checkadas e portanto se têm algumas coisas boas, têm coisas muito más e têm feito muito mal à comunicação social, porque, por vezes, e não são tão poucas vezes assim, os órgãos de comunicação social passaram a seguir o que está a dar nas redes sociais. Mas o que está a dar não é necessariamente o que é importante em matéria noticiosa, o que é importante para o país ou para a sociedade. E isso está a acontecer cada vez com mais regularidade, porque depois vê-se quantos likes tem e quantas visualizações tem e para mim isso não é jornalismo. É irmos a reboque de coisas que não fazem nenhum sentido, é perdermos o nosso sentido crítico de olhar para a realidade do país e decidirmos o que queremos fazer. Mas é o que está a acontecer.

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A onda dos meios de comunicação irem todos atrás da mesma história, praticamente sem acrescentar nada de novo continua a acontecer?

Claro, acontece em todos os sítios. Vê-se por exemplo nas televisões por cabo, programas de horas e horas sobre desporto, porquê? Porque descobriu-se que davam audiência e portanto toda a gente fala de desporto, alguns dos programas até são sem imagens, é só debate, debate, debate, e quanto mais gritos e insultos houver mais audiência dá e portanto toda a gente dá aquilo. E o que é que aquilo acrescenta em matéria de esclarecimento para o desporto nacional? Já nem digo para o país em geral. Eu adoro desporto e futebol, mas aquilo não acrescenta nada. Que sentido faz dar uma conferência de imprensa do meu anterior presidente, falo do meu clube que é o Sporting, de uma hora e meia. Do ponto de vista editorial aquilo não devia ter ido para o ar, ponto final.

Costuma usar laço e apesar de no dia em que esta entrevista foi feita não o ter trazido, qual é a história por trás dessa imagem de marca?

Eu nasci em Angola, vim para cá quando tinha 20 anos, e depois de ter estado quatro anos na filial de Lisboa do Jornal de Notícias fui convidado pelo Jaime Antunes para ser editor de Economia da agência ANOP, uma das mães da Lusa. Quando a ANOP foi extinta e houve a fusão com a NP e nasceu a Lusa, aí o Jaime Antunes e um grupo de outros sete jornalistas decidiram sair da Lusa para criar o Semanário Económico, que nasceu em janeiro de 1987, e o Diário Económico, em junho de 1989. Um ou dois anos depois, éramos sete jornalistas com pouco dinheiro, tínhamos investido no projeto e uma sede pequenina com renda reduzida. Mas passado dois ou três anos desta aventura ter começado houve um grupo francês que entrou em negociações connosco e decidiu comprar 50% do nosso grupo, o Grupo Económico e o Jaime Antunes decidiu vender. O presidente desse grupo era o senhor Jean-Louis Servan-Schreiber, irmão de um antigo primeiro-ministro francês, que veio várias vezes a Portugal e vinha sempre muito bem vestido. E eu que nunca tinha usado gravata comecei a achar que me devia apresentar melhor nessas reuniões, em que também tinha de estar porque era diretor do Semanário e do Diário Económico. Para não andar todo o dia de gravata, punha a gravata no bolso, mas estando no bolso todo o dia ficava amarrotada, o laço tornava a coisa muito mais fácil, porque não ficava engelhado. Passei a usar laço a partir daí e tornou-se imagem de marca. Mas atenção, não uso laços por fazer, uso já feitos.

Tem um favorito?

Não tenho um preferido, os meus laços vão variando ao longo do tempo. Lembro-me que há muitos anos, ainda antes da crise, fomos a uma ação de formação a Bruxelas e comprei um laço a que achei muita graça porque era com fundo preto e era cheio do símbolo do euro. Tenho outro com fundo branco e que tem várias notas de música. Mas não tenho assim nenhum favorito, é consoante os assuntos dos dias, consoante a roupa.

A quem ofereceria um?

Há muitos muitos anos o doutor Mário Soares disse-me assim: “Gostava muito de usar laços, mas acho que não tenho pescoço para laços. Mas gostava muito de usar laços como você”, portanto se calhar oferecia-lhe um a ele, mas infelizmente agora já não posso. Mas é uma das pessoas que acho que até ficava muito bem de laço, ainda o vi algumas vezes com um preto. Mas é um adorno que é meu, é próprio, houve várias pessoas na área da comunicação social que usaram, como o Miguel Esteves Cardoso, o Batista Bastos também usava, não há muitas pessoas a usar, apesar de no estrangeiro ser muito comum. Além de que cá também não é muito fácil comprar.

Espero que os próximos governos, quaisquer que sejam, entendam a importância que hoje a Lusa tem para o bom funcionamento da democracia portuguesa

O futuro é risonho para a Lusa?

Penso que sim, penso que se está a preparar para ser uma agência de notícias do século XXI, continuando a fazer muito bem aquilo que já faz e passando a fazer melhor aquilo que não faz tão bem, aumentar a produção de áudio, de vídeo, de tradução para inglês, ter uma maior presença em África, sobretudo nos países de língua oficial portuguesa. Espero que os próximos governos, quaisquer que sejam, entendam a importância que hoje a Lusa tem para o bom funcionamento da democracia portuguesa e que nos continuem a garantir uma indemnização compensatória por aquilo que fazemos, quer em termos das nossas comunidades, quer em termos de interior do país, para manter a coesão social informativa do país, e que nos reconheçam essa importância. Não tenho nenhuma ilusão de que se o Estado não apoiar uma agência pública com estas características ela não existirá ou existindo será de uma maneira muito mais reduzida e prestando um serviço muito inferior.

E para o jornalismo português?

Acho que o jornalismo não vai acabar e que tem futuro. Quando cheguei à profissão não havia escolas de comunicação social, portanto toda a gente que chegava vinha das universidades e podiam escrever melhor ou pior, mas não tinham as técnicas jornalísticas. Hoje em dia os jornalistas estão muito mais bem preparados do que nós estávamos, do ponto de vista técnico e hão-de acabar por ganhar memória sobre os factos, hão-de interessar-se e de se cultivar.

Há uma coisa que me preocupa, às vezes dou uma ou duas aulas de jornalismo e quando se pergunta se lêem jornais ou se ouvem noticiários na rádio, a maior parte das pessoas que está a estudar para ser jornalista não o faz. Eu fico um pouco surpreendido, porque a nossa matéria prima é a informação e por isso temos de estar informados. Podemos gostar só de cinema, mas precisamos de saber se o ministro da Cultura de repente decidiu financiar algum filme ou cortar todo o subsídio para o cinema. Quando acordo de manhã a primeira coisa que faço é ligar o rádio ou a televisão e ver as capas dos jornais, acho que é elementar na nossa profissão. Mas acho que são coisas ultrapassáveis, provavelmente hoje em dia informam-se muito mais pelas redes sociais e hão-de fazer o seu caminho.

O jornalismo vai continuar a existir, agora os produtos jornalísticos esses sim vão ser diferentes, provavelmente vão ser mais caros, vão ser vistos por menos pessoas. Mas penso que as pessoas querem continuar a ter jornalismo feito por jornalistas e com regras deontológicas do jornalismo, por isso tenho grande esperança no futuro.

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