Psicólogos pedem resiliência perante claustrofobia de um país inquieto

Manter rotinas, criar tempo a sós evitando o isolamento, esquecer perfecionismos, não ter medo de ter medo e conversar, que ajuda a arrumar a mente num país em isolamento e inquietação devido à Covid-19, recomendam psicólogos ouvidos pela Lusa.

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Lusa
23/03/2020 12:42 ‧ 23/03/2020 por Lusa

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Covid-19

 

A situação é "brutal" e "tem todos os ingredientes" para criar dificuldades se faltar resiliência, ou seja, a "capacidade de nos adaptarmos a vivências difíceis", descreve Miguel Ricou, presidente da Comissão de Ética da Ordem dos Psicólogos, professor e psicólogo no Porto, referindo-se à "mudança radical imposta por um agente externo" e invisível, um vírus responsável por uma pandemia, que "mandou" países inteiros para casa, deixando-os "a trabalhar sem prazo", por estar ainda indefinido o horizonte de regresso à normalidade.

Perante o cenário de uma certa claustrofobia, face ao encerramento de escolas, o teletrabalho, o confinamento voluntário de uns e a obrigatoriedade de sair para trabalhar de outros, o psicólogo espera que "não se exija perfeição, nem perto disso", porque tudo isto é "muito de uma só vez" e "vamos todos falhar".

"A situação é difícil. Ninguém espera que as pessoas façam tudo bem. É muito de uma vez: gerir as crianças, os trabalhos à distância, o medo, a falta de convívio, entre tantas outras complexidades particulares da vida de cada um. Vamos todos falhar muito e é importante que sejamos tolerantes a isso mesmo", esclarece.

O especialista antecipa o surgimento de "síndromes agudos de stress, muito ligados à ansiedade" e que podem assumir-se como "reações de raiva contra alguém, atitudes de negação ou disfunção, como crises ansiosas, grande angustia, pessoas que explodem ao mínimo rastilho".

O conselho são "coisas simples": manter as rotinas e o tempo esquematizados, sem deixar espaço para vazios de angustia; mediar o acesso às notícias e não estar sempre ligado, nem à televisão nem às redes sociais; fazer muitos contactos com os outros, pelo telefone, porque "é muito importante que as pessoas não se isolem, e isso pode acontecer mesmo às que não vivem sozinhas".

Falar também "é importante", para organizar a cabeça e dar sentido aos sentimentos.

"Quando estou a contar o que sinto, tenho de estruturar um discurso que faça sentido para quem está a ouvir, e, com isso, estou a dar significado às coisas, conseguindo compreendê-las melhor", descreve o profissional, que mantém uma "agenda cheia", pois manteve "80 a 90% das consultas", realizando-as agora por videochamada.

Ricou nota ainda que "é normal o medo, a tristeza ou a angustia".

"A forma como reagimos a essas emoções é que é fundamental. Importa aceitar que é normal e fugir delas. Distrairmo-nos dessas emoções. Fazer algo de que gostamos, ver um bom filme. Tentar que as emoções fluam em vez de nos focarmos demasiado naquela emoção para não a potenciar", descreve.

O psicólogo clínico Jorge Ascensão defende que "será agora altura de sermos o que gostávamos de ver no outro, mais do que exigir perfeição no próximo".

Com muitas famílias em casa, "os dias são mais lentos, mais intensos, e por isso as emoções provavelmente também o serão".

"É importante que se criem horários e novas rotinas adaptadas à nova realidade temporária mas relativamente longa em que entramos", defende.

A sugestão é fixar "horário de trabalho, de trabalho de casa para os pequenos, de tarefas de casa para todos", mas também "de lazer em comum e de cada um, porque nem todos gostam do mesmo".

"Precisamos do convívio, mas também precisamos de privacidade", alerta.

Recomendando também que os membros de uma família criem "tempo a sós dentro de casa", a psicóloga Inês Guimarães alerta que "mesmo em família podem surgir vivências de solidão relativamente a outros afetos -- de amigos, por exemplo".

A especialista destaca que, nesta altura, podem surgir, e são normais, "muitos sintomas relacionados com o stress",  nomeadamente "ansiedade, preocupação, pensamentos acelerados, desinteresse pelas atividades, sensações de prostração, irritabilidade, distúrbios de sono ou gastrointestinais".

"A questão é como vamos gerir estes sentimentos, que se poderão manter mesmo após a pandemia, devido aos seus efeitos socioeconómicos", afirma, explicando que, se os sintomas persistirem durante "semanas ou meses", ou resultarem "em sofrimento e incapacidade", será "necessário procurar apoio psicoterapêutico".

Os conselhos de Inês Guimarães são "manter as rotinas e ter o tempo estruturado", com "horários de levantar, comer e deitar".

Deve, ainda, haver na família "flexibilidade e disponibilidade para negociação mediante os temperamentos e preferências de cada um".

Sair para "apanhar ar" pode ajudar a "equilibrar a balança", acrescenta.

"Sair para trabalhar, no caso de quem tem de o fazer, ou ir ao supermercado, tem fatores [psicológicos] acrescidos, porque todas as medidas necessárias para prevenir o contágio recordam o contexto atual", descreve.

Por isso, "o passeio higiénico pode ser um grande recurso" para contornar "os constantes lembretes" da pandemia e "contrabalançar este sentimento quase claustrofóbico" de evitar contactos, manter distâncias, não tocar, limpar, lavar, desinfetar, ficar em casa.

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