Numa nota hoje divulgada, a OM afirma que os indicadores de que teve conhecimento sobre o excesso de morbilidade e mortalidade, assim como algumas situações concretas de doentes, mostram que os doentes não covid-19, "por falta de estratégia e organização da tutela, estão a ser relegados para segundo plano em patologias que não podem esperar".
Como exemplo, a Ordem aponta o diagnóstico, tratamento e/ou seguimento com exames complementares de doentes oncológicos, de transplantados ou a aguardar transplante, de doenças neurológicas e outras doenças crónicas como as autoimunes, a insuficiência cardíaca, a diabetes, a insuficiência renal ou a doença pulmonar obstrutiva crónica.
Sublinha que estas doenças "podem descompensar rapidamente" em doentes que, por medo de contaminação com covid-19 não recorrem às urgências e não têm "alternativa fácil a cuidados de saúde".
A OM aponta ainda alguns dados vindos a público esta semana que indicam que houve um crescimento sustentado da mortalidade ao longo do mês de março.
Os dados da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e do Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (CINTESIS) indicam "uma subida de uma média de 297 mortes por dia nos primeiros sete dias de março, para uma média de 352 mortes por dia nos últimos sete dias".
"O ano de 2020 teve por isso os últimos 10 dias de março com mais mortes dos últimos 12 anos --- 3.471", recorda a Ordem dos Médicos, que aponta igualmente os números do Portal do SNS, que indicam "uma quebra muito significativa" na ida às urgências.
"Só em março, registaram-se menos 246 mil episódios de urgência em relação ao mesmo mês do ano passado e menos 181 mil do que em fevereiro", frisa.
"Temos noção de que numa pandemia como a que estamos a viver é impossível conseguirmos manter toda a atividade normal e responder aos doentes com covid-19 no SNS", reconhece a estrutura representativa dos médicos.
Contudo, citado no documento, o bastonário afirma: "também não podemos aceitar que se esteja a fazer uma gestão meramente política desta pasta, em que parece que só os números da pandemia importam e todas as outras doenças e mortes deixaram de existir".
Miguel Guimarães lembra que muitos dos exames complementares de doentes do SNS, fundamentais para diagnóstico, estadiamento e tratamento de várias doenças, "eram feitos através de convenções com os setores privado e social, que também viram a sua atividade reduzida com encerramento total ou parcial de várias unidades de saúde (hospitais e clínicas) e, com o próprio SNS a requisitar profissionais que acumulavam atividade pública e privada, impedindo os médicos de exercer fora do serviço público".
"Isto significa que nos próximos meses podemos também ser confrontados com diagnósticos tardios, por exemplo de casos oncológicos, com impacto na possibilidade de tratamento e de cura", alerta.
O bastonário sublinha a "quebra colossal" no número de doentes que vão à urgência e defende que é urgente que o Ministério da Saúde crie uma 'task-force', eventualmente a funcionar junto da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), que "monitorize com muita transparência e seriedade o que está a acontecer aos outros doentes e que faça contactos diretos para que ninguém fique perdido".
"Os danos que a COVID-19 está a infligir na nossa sociedade já são suficientemente cruéis para podermos aceitar ainda mais danos colaterais", reforça o bastonário.
Miguel Guimarães lamenta que a tutela não tenha acolhido a proposta da OM de ter hospitais públicos e privados ou áreas específicas bem delimitadas apenas dedicados à covid-19.
"Da mesma forma, não foi feita atempadamente uma articulação e integração com o setor privado e social, para minimizar o impacto nos doentes com problemas não relacionados com a pandemia", considera.
A Ordem dos Médicos sublinha que "as idas a uma urgência hospitalar, para os casos urgentes que exigem uma resposta diferenciada e rápida, não devem ser adiadas", sobretudo perante sintomas de doenças agudas como o enfarte agudo do miocárdio ou o acidente vascular cerebral.