"Colaboração com privado existe. Mas por que é que nos estão a empurrar?"

A ministra da Saúde disse esta quarta-feira que se for caso disso, com o agravamento da pandemia, o Serviço Nacional de Saúde poderá precisar do setor privado e do setor social. "Estão cá para nos ajudar, espero que sim", afirmou, esperando, no entanto, "não chegar a uma situação de necessidade desse tipo".

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Melissa Lopes
14/10/2020 22:00 ‧ 14/10/2020 por Melissa Lopes

País

Pandemia

Depois de o país ter registado o maior número de contágios pelo novo coronavírus (2.072), a ministra da Saúde avisou, na habitual conferência de imprensa que se seguiu à divulgação do boletim epidemiológico, que os modelos matemáticos indicam que o número de novos casos diários pode chegar aos três mil brevemente. 

Em entrevista à TVI, no Jornal das 8, Marta Temido esclareceu que a máscara continua a ser obrigatória em espaços fechados e recomendada nos espaços abertos. "A ideia é torná-la obrigatória na rua, nos locais onde não seja possível manter a distância", disse a ministra, explicando assim a intenção do Governo, que o primeiro-ministro hoje anunciou. 

Questionada sobre o porquê de a pandemia está a acelerar desta forma, a governante referiu que "estamos a falar de uma doença infeto-contagiosa que se transmite pelo contacto" e para a qual não há tratamento nem vacina, a partir do momento em que contactamos uns com os outros, como voltou a acontecer com o desconfinamento, a doença volta a surgir. 

O facto de agora a pandemia estar a evoluir mais rapidamente do que aquilo que evoluiu no início, prende-se com o facto de, em março e abril, o país ter aplicado "uma restrição ao contacto", o que não se verifica agora, justificou a ministra.

"Enquanto confinamento perdurou, transmissão esteve controlada"

"Enquanto essa medida [o confinamento] perdurou, a transmissão esteve controlada. E nós sempre soubemos isto. Desde o início, apesar de esta ser uma doença nova, se soube que funcionava como uma mola", lembrou, frisando que, nesta fase, "toda a gente procura evitar um novo confinamento". Mas, "no momento em que levantamos algumas medidas, retomamos alguma normalidade de vida e algumas pessoas pensam que podem retomá-la por completo, a mola sobe", explicou. "Não está disparar. Sobe", assegurou. 

Confrontada com a curva epidemiológica da pandemia em Portugal, Marta Temido explicou as três fases pelas quais o país passou, desde o dia 2 de março, dia em que foram detetados os primeiros casos de Covid-19 em Portugal.

"Tivemos a fase em que apareceram os dois primeiros casos, depois temos o mês de março em que a doença começa a espalhar-se. E no dia 12 de março tomámos algumas decisões que se efetivam nos dias subsquentes. A partir do momento em que as medidas começam a produzir efeitos, a curva começa a baixar sucessivamente. Depois temos uma 'ondinha', que corresponde àquilo que se passou em Lisboa e Vale do Tejo (...) E agora estamos outra vez numa nova fase de crescimento", afirmou Marta Temido, referindo que "só daqui a umas semanas saberemos qual o tipo de crescimento", se é exponencial ou não.

Semáforos regionais?

Questionada sobre se está a ser equacionado implementar semáforos regionais ou locais em Portugal, Marta Temido disse que tal medida "não tem estado muito de acordo" com a estratégia de intervenção "porque somos um país relativamente pequeno" e "porque temos adotado uma estratégia mais de antecipação e de envolvimento das populações".

No entender da governante, a estratégia dos semáforos "tem um risco de estigmatização" e "não podemos ser indiferentes aos movimentos em toda a Europa das medidas que são necessárias". "A questão de colorir uma área e de associar os seus residentes a problemas é, de alguma forma, algo que não é compatível com uma abordagem de saúde pública", defendeu, sublinhando a abordagem de trabalho de proximidade que é feito em Portugal. 

"Colaboração entre o SNS e setor privado existe"

Quanto à carta aberta subscrita pelos bastonários que se manifestam preocupados com o Serviço Nacional de Saúde (SNS), Marta Temido afirmou que a colaboração com os hospitais privados e com o setor social, que defendem os subscritores da missiva, existe. "Existe" e é "efetiva", disse, dando como exemplo a área dos meios complementares de terapêutica e diagnóstico para a SARS-CoV-2. "É claríssima [a coordenação]. Metade dos testes", lembrou.

A ministra admitiu, nesta entrevista, que se for necessário contratualizar algum serviços, o Estado avançará e que, aliás, não há nada de novo nisso. "Mas há alguma dúvida que se isso for necessário o Estado o fará?", questionou.

"Temos é de ter todos a perceção que temos um sistema público pago por impostos que tem, neste momento, um desafio duplo, dar resposta à Covid e às demais necessidades. Não podemos encostar metade do SNS ao lado e dizer que vai ocupar-se só de uma realidade", notou. Até porque, acrescentou, "há muitas respostas que só o SNS é que tem".

"Há preocupação, eu compreendo, mas também temos que ter todos a perceção que essa colaboração [com o setor privado] é desejável e existe, está planeada, programada, mas porque é que nos estão a empurrar?", atirou Marta Temido. "Parece que nos estão a empurrar. A colaboração do SNS com o setor privado existe, é natural. Todos os dias os portugueses utilizam requisições passadas pelo SNS para fazerem exames no privado. O que é que há de novo aqui?", insistiu. 

A novidade, continuou, é "exatamente o pico de pandemia", que o que "exige é que o setor que trabalha com o SNS complementarmente continue a fazer aquilo que é a resposta aos cheques cirúrgicos, à rede nacional de cuidados integrados...". Perante a insistência do jornalista, Marta Temido argumentou que o SNS está a responder precisamente ao aumento da necessidade de resposta à Covid, ao mesmo tempo que retoma a atividade assistencial, sendo disso exemplo setembro, mês em que houve menos 400 mil consultas quando comparado com o período homólogo do ano passado (esse valor já chegou a ser de menos 1,2 milhões de consultas a menos).

"Temos que falar franco e falar claro. O SNS poderá precisar do setor privado e do setor social. Estão cá para nos ajudar, espero que sim. Esperamos não chegar a uma situação de necessidade desse tipo" (Marta Temido)

A governante defendeu ainda que a opção do Governo foi contratualizar aos profissionais do SNS a realização de 37 milhões de atividade adicional. "O que é que era expectável? Que tivéssemos contratualizado com outros parceiros?" Não se trata de "uma questão de factura", "é uma questão de escolhas", destacou, acrescentando que "são as escolhas da saúde dos portugueses que temos ter"."Temos que ter a perceção que a abordagem de cuidados de saúde que o setor público dá é uma abordagem diferente, não é centrada em actos, é uma abordagem centrada no cuidado integral". Nesse sentido, disse que "limitarmo-nos a passar cheques pode ser uma solução pontual mas não é integrada". 

Em 2021, o SNS terá mais 4.200 profissionais de saúde, garantiu Marta Temido, esclarecendo que fala sempre em termos líquidos para não dar azo a confusões entre os profissionais que entram e os que saem. 

Questionada sobre porque razão não está a aplicação StayAway Covid a funcionar em Portugal, a ministra disse não saber. "Se tivesse uma resposta inequívoca para essa questão podia atuar para ultrapassar esse constrangimento", respondeu. 

Quanto ao número de camas para cuidados intensivos no país, a ministra disse existirem 511, sendo que neste momento a ocupação ronda os 68%. 

Novo confinamento?

Sobre um possível novo confinamento, Marta Temido frisou que é um cenário que todos os Governos farão para evitar. "Porque hoje todos sabemos que é uma opção extrema, que tem efeitos secundários terríveis para os mais desfavorecidos", salientou, ressalvando que essa opção não exclui medidas setoriais mais gravosas em função da situação epidemiológica, como, por exemplo, já aconteceu no passado com freguesias na Área Metropolitana de Lisboa (AML). 

Recorde-se que perante a evolução "grave" da pandemia no país, o Governo aprovou em Conselho de Ministros oito medidas, elevando o estado de alerta para estado de calamidade, que entrará em vigor a partir da meia noite

Assim, determinou o Governo, os ajuntamentos ficam limitados a cinco pessoas, os casamentos e batizados  podem ter no máximo 50 pessoas, as multas a aplicar a pessoas coletivas serão agravadas e a fiscalização por parte das autoridades vai ser reforçada. 

O Governo vai ainda enviar uma proposta à Assembleia da República para tornar obrigatório o uso de máscaras na rua e a utilização da aplicação Stayway Covid em ambiente laboral e escolar. 

[Notícia atualizada às 21h58]

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