Está a ser ponderado "um Estado de Emergência muito limitado"
No dia em que o primeiro-ministro propôs ao Presidente da República um novo, mas diferente, Estado de Emergência, e depois de receber os nove partidos com assento parlamentar e de confrontá-los com essa possibilidade, Marcelo Rebelo de Sousa admitiu, na antena da televisão pública, que houve "erros" e (voltou a) alertar para os riscos de uma crise política: "Convinha que não se juntassem três crises".
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País Covid-19
Num momento em que a pandemia está a crescer exponencialmente em todo o país, e no mundo, e no dia em que o Governo propôs a declaração de um novo Estado de Emergência, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa alertou, na noite desta segunda-feira (dia 2), que "verdadeiramente, nunca deixámos de estar em emergência".
Recordando que houve esperança de que a partir do verão a situação epidemiológica estabilizasse e que evoluísse para uma tendência descendente no país, o chefe de Estado destacou o momento chave em que se "descobriu que a região de Lisboa tinha números que passaram despercebidos comparados com a região Centro e a região Norte, mas que em si mesmos era elevados e que se agravaram".
Posto isto, sobre se o país se preparou adequadamente para a chegada de uma segunda vaga, Marcelo Rebelo de Sousa denotou que estava prevista para o outono/inverno e que, a par de toda a Europa, esta nova onda chegou mais cedo - "na transição entre o verão e o outono"-, deixando os países com menos tempo para se prepararem.
"Mas, apesar de tudo, onde é que se teve maior capacidade de resposta? Nos testes. Mas, não aumentou no rastreio o suficiente. (...) Não havia máquina preparada para responder aos milhares de contactos. Não havia máquina para isso em nenhum país europeu", justificou.
Ainda assim, e "apesar do esforço que houve" para travar atempadamente esta vaga, o Presidente da República reconheceu que "houve erros, atrasos, próprios da situação que vivemos", e disse compreender "as críticas, as angústias e o estado de espírito dos portugueses". "Houve atrasos mesmo estando a agir em antecipação", reiterou, assumindo que as falhas como suas, tendo em conta que "o Presidente da República é o maior responsável por aquilo que corre mal em Portugal".
Ainda assim, Marcelo Rebelo de Sousa alertou que se forem seguidos "os modelos matemáticos, temos a possibilidade de duplicação a cada 15 dias", o que poderá significar que no final de novembro, "estaremos com oito mil, nove mil casos". Mas, até ao momento "a realidade clínica não tem correspondido à progressão matemática", ou seja, têm sido contabilizados menos casos do que os previstos.
O que está em cima da mesa? "Um Estado de Emergência muito limitado"
Confrontado sobre a proposta do Governo de propor um novo Estado de Emergência, o Presidente da República esclareceu que a questão que se coloca, neste momento, é se é "possível e desejável voltar a um Estado de Emergência de março, abril e maio".
Mas, segundo o chefe de Estado, o que está a ser ponderado é um "Estado de Emergência diferente no sentido de [ser] muito limitado, de efeitos sobretudo preventivos e não muito extenso apontando para o confinamento total ou quase total". Sobre a posição dos nove partidos com assento parlamentar recebidos hoje em Belém, o Presidente revelou que existe uma maioria de pelo menos dois terços para aprovar a declaração da figura jurídica.
"É esta a inclinação dos partidos que ouvi - vamos ver se é inclinação dos parceiros económicos e sociais. Mas é a inclinação do próprio Governo. E o Presidente da República está a ponderar", clarificou.
E por que é que este eventual novo Estado de Emergência deve ser diferente? Para Marcelo Rebelo de Sousa explicou que há vários fatores que mudaram, tendo destacado: o facto de a "Economia não estar bem", a capacidade de resposta do Serviço de Saúde, incluindo os privados, estar mais preparada do que há oito meses, haver mais conhecimento científico sobre a doença, e não se verificar a mesma unidade política sobre a matéria como quando foi decretado o primeiro Estado de Emergência.
Afinal, "não houve milagre nenhum" por cá
"O que houve foi a resistência dos portugueses, do pessoal da saúde, dos autarcas. Era possível contratar mais rapidamente? Porventura. Era possível conseguir mais camas mais rapidamente? Porventura", apontou Marcelo, lembrando que, na altura, "todos os dias apareciam problemas novos".
"Foi apagar o fogo inicial, os lares rebentaram a partir do fim do Estado de Emergência, depois foi o problema de Lisboa" (Marcelo Rebelo de Sousa)
Ainda sobre a situação sanitária inicial, o Chefe de Estado não se "absolveu": "Eu sou o maior responsável por erros, porque o Presidente da República dá cobertura política. Sou responsável por tudo o que aconteceu".
Conferências de imprensa da DGS? "É preciso ir reinventando a forma de comunicação"
Sobre a comunicação das autoridades de saúde, nomeadamente sobre as conferências de imprensa da Direção-Geral da Saúde, apesar de deixar um elogio ao esforço realizado, Marcelo Rebelo de Sousa defendeu que "tudo o que se repete muito tempo, cansa". Por isso, na opinião do Presidente da República "é preciso ir reinventando a forma de comunicação", apesar de ser uma tarefa "dificílima".
"Convinha que não se juntassem três crises"
Relativamente ao contexto político português e à possibilidade de um eventual chumbo do Orçamento do Estado para 2021, Marcelo Rebelo de Sousa reiterou o aviso: não deve ser acrescentada uma crise política às crises pelas quais o país já atravessa.
"Convinha que não se juntassem três crises. Três crises tornam pior a capacidade do Governo de responder às outras duas crises. Dizem os opositores que, ainda bem, porque é da maneira que cai o Governo. Mas é que não cai. Não cai porque o Presidente da República não tem o poder de dissolução do Parlamento durante seis meses até à eleição de novo Presidente, porque há presidência da União Europeia a seguir (janeiro), e porque não é indiferente governar com duodécimos de 2020 ou com o dinheiro de 2021", argumentou, apelando para que o Orçamento do Estado para 2021 seja viabilizado em votação final global.
No entanto, sobre o futuro, o Presidente da República já não se mostrou tão confiante. "Tenho visto com atenção o que acontece lá fora e conta-se por um ou dois dedos da mão os governos que foram reeleitos em contexto de pandemia. Tem sido governos a perder eleições e Presidentes a perder eleições, mas quem é eleito é para ser punido perante o que corre mal, não é so para ser louvado", lembrou, denotando que até Winston Churchill "foi corrido" quando ganhou a Segunda Guerra Mundial.
Tancos. Marcelo irá depor "por escrito" e tornará público o seu depoimento
Sobre o caso do furto de armas de Tancos, o Presidente da República confirmou que irá depor "por escrito" como testemunha no processo e que tornará público o seu depoimento. Eu, aliás, até me antecipei, quando vi notícias sobre isso, a dizer aquilo que já tinha dito várias vezes", começou por referir sobre o tema.
"Eu disse sim [que iria depor], e depois acrescentei um pormenor: e publicarei no sítio da Presidência da República para que os portugueses não tenham de esperar pela divulgação por vias jurisdicionais", adiantou.
Ainda sobre o caso, que tem entre os seus 23 arguidos o anterior ministro da Defesa Nacional, José Azeredo Lopes, Marcelo Rebelo de Sousa reiterou a mensagem de que se deve "apurar tudo de alto abaixo, doa a quem doer".
Recandidatura a Belém?
Quanto à recandidatura a Belém, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que ainda não tomou uma decisão e que só o fará depois de convocar eleições no final de novembro. Justificando que "quem deve convocar as eleições é o Presidente da República e não o candidato", o chefe de Estado garantiu ainda que, em plena pandemia, está mais preocupado em exercer o seu cargo político, sem "cálculos eleitorais".
Por fim, o Presidente da República terminou a entrevista reafirmando que sempre esteve preocupado com a pandemia, mesmo em momentos em que a situação epidemiológica esteve mais controlada, e revelou já ter realizado "20 e tal testes" de despiste à Covid-19, com o intuito de, acima de tudo, proteger as outras pessoas.
Saliente-se que esta entrevista à RTP acontece no final de um dia que começou no Palácio de Belém, pela 11h00, com o primeiro-ministro a propor ao Presidente da República que seja decretado o Estado de Emergência "com natureza preventiva" para "eliminar dúvidas" sobre a ação do Governo para a proteção dos cidadãos em relação à pandemia da Covid-19 em quatro áreas.
As quatro dimensões em que o Executivo pretende um quadro jurídico mais robusto são: - as restrições à circulação em determinados períodos do dia ou de dias de semana, ou, ainda, entre concelhos; - a possibilidade de requisição de meios aos setores privado e social da saúde; - a abertura para a requisição de trabalhadores (seja no público ou no privado), alterando eventualmente o seu conteúdo funcional, para auxiliarem em missões consideradas urgentes no combate à pandemia; e - a legalidade da recolha de temperatura, seja no acesso ao local de trabalho, seja no acesso a qualquer outro espaço público.
Depois de receber o primeiro-ministro, o Presidente da República ouviu os nove partidos com assento parlamentar - PS, PSD e CDS são a favor do Estado de Emergência, Esquerda tem dúvidas e PCP é contra - e irá receber os parceiros sociais entre amanhã e quarta-feira.
O Estado de Emergência vigorou em Portugal no início desta epidemia, entre 19 de março e 2 de maio. De acordo com a Constituição, a declaração do Estado de Emergência pode determinar a suspensão de alguns dos direitos, liberdades e garantias, por um prazo máximo de 15 dias, sem prejuízo de eventuais renovações com o mesmo limite temporal. A sua declaração no todo ou em parte do território nacional é uma competência do Presidente da República, mas depende de audição do Governo e de autorização da Assembleia da República.
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