A comissão parlamentar de Cultura e Comunicação ouviu hoje, a pedido do grupo parlamentar do Bloco de Esquerda (BE), um arqueólogo da Câmara Municipal de Serpa, o Sindicato dos Arqueólogos e a associação de defesa do património Pró-Évora, sobre a desproteção e a destruição sistemáticos dos vestígios arqueológicos na região do Alentejo.
Miguel Serra, arqueólogo da Câmara Municipal de Serpa, considerou que a "atuação preventiva é onde há a grande falha" e que faltam mecanismos de atuação nesta área.
"De pouco serve reforçar a fiscalização se não houver apoio prévio", afirmou, sublinhando que alguns sítios protegidos têm sido afetados, mas que é no subsolo, em vestígios soterrados, que tem recaído grande parte das destruições.
Marcial Rodrigues, presidente do Grupo Pró-Évora, alertou que só no Alentejo há "mais de dois mil sítios arqueológicos não classificados", e considerou que "era preciso alguma forma legal de acudir a um património desta dimensão".
Ou seja, para os especialistas, é importante classificar o património para evitar destruições, mas por si só a classificação não é a solução, porque há património classificado que foi destruído.
Por isso, o enfoque deve ser posto na ação preventiva e em todas as que possam impedir que a destruição aconteça.
Além disso, "é necessário reforçar o quadro de proteção legal destes sítios que não se integram em categorias como imóveis de interesse publico", considerou Miguel Serra.
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Arqueologia, Regis Barbosa, corroborou esta afirmação, considerando que "são necessárias alterações legislativas para impedir a destruição de património arqueológico".
O sindicalista defendeu ainda a necessidade de definição de procedimentos de licenciamento e de revisão de regimes sancionatórios.
Para os especialistas, as sanções e contraordenações não estão a ser eficazes e precisam de ser reforçadas.
Marcial Rodrigues, do Grupo Pró-Évora, defendeu mesmo a alteração das "regras incriminadoras", porque "os crimes contra o património exigem dolo, e o dolo é difícil de provar".
Alertando que o aumento de pressão sobre vestígios arqueológicos tem ocorrido com a escalada da agricultura intensiva, o arqueólogo Miguel Serra afirmou que "uma das soluções simples para atuar é o processo de licenciamento na exploração agrícola, que esta esteja obrigada por lei a um processo de licenciamento, apenas previsto para o arranque de árvores e projetos financiados".
Na mesma linha, Marcial Rodrigues afirmou que "importa encontrar legislação que permita às autoridades ter conhecimento prévio das iniciativas agrícolas".
O presidente da associação de defesa do património defendeu ainda a articulação entre "economia e defesa do património: é muito importante que seja criada legislação e que responsabilize seriamente empresários que destruam património".
Outra falha apontada é a inexistência de um levantamento do património destruído.
Para Miguel Serra, é necessário um "diagnóstico e relatório das destruições e consequências destas ações danosas, pois sem ele não é possível tomar decisões e conhecer a escala de afetação".
O arqueólogo considerou ainda "absolutamente necessária" a articulação entre entidades.
Na mesmo sentido foram as declarações do sindicalista Regis Barbosa, que propôs a "criação de uma plataforma digital única acessível e utilizável por todas as entidades intervenientes", para que "haja essa troca de informação e de dados".
O sindicato alertou também para a falta de meios técnicos e humanos: "É preciso um reforço de trabalhadores, quer seja na Direção Regional de Cultura do Alentejo, quer seja na Direção-Geral do Património Cultural" (DGPC).
Como exemplo, referiu a "falta de arqueólogos municipais -- menos de metade das câmaras do Alentejo tem arqueólogos municipais -, seja para fazer trabalho de fiscalização, como de educação junto das populações", e também de inventariação dos sítios arqueológicos, com inclusão de informação georreferenciada.
Quanto aos meios técnicos, deu como exemplo a "falta de viaturas ou viaturas muito velhas, tão antigas que muitas vezes colocam em risco a vida dos próprios técnicos".
Os especialistas deixaram ainda dois alertas, um dos quais relativo às florestas, na medida em que a tónica tem sido colocada essencialmente na exploração agrícola, mas o problema da destruição do património arqueológico verifica-se também com a reflorestação.
"Assistimos a esse impacto mais na Beira Interior e Norte, com consequências devastadoras", afirmou o arqueólogo Miguel Serra, secundado por Regis Barbosa, que considerou que a "reflorestação é um problema que deve ser refletido" e que "é preciso haver ações para o minimizar".
A outa questão tem a ver com o Fundo de Salvaguarda do Património Cultural, criado em 2009 para responder às necessidades de salvaguarda dos bens culturais em situação de emergência, mas que, segundo os especialistas, não está a funcionar.
"O fundo de salvaguarda, desconheço completamente a sua aplicação, o que logo por si é mau sinal. Não sei se está a funcionar e se está, funciona mal", afirmou Miguel Serra, apoiado por Regis Barbosa, que classificou o fundo como "bastante desconhecido".
Sobre o mesmo assunto, Marcial Rodrigues afirmou que "o último relatório no 'site' do GEPAC [Gabinete de Estratégia, Planeamento e Avaliação Culturais] é de 2013 e os últimos destinatários conhecidos são de 2010".
"Creio que a situação fica clara e corrobora o dito anteriormente", sublinhou.
No dia 09 de dezembro, a comissão de Cultura já tinha ouvido sobre o mesmo assunto a diretora regional de Cultura do Alentejo, que fez o diagnóstico dos problemas que têm levado à destruição de património e defendeu também a necessidade de alterações legislativas.