Chegou em março a Portugal, mas era uma chegada anunciada. A doença já andava pela Europa e nalguns países atacou com tanta força que houve serviços de saúde que colapsaram, com hospitais superlotados de doentes internados, como aconteceu em Espanha ou Itália.
As campainhas de alarme soaram a 25 de janeiro, com um primeiro caso suspeito que veio revelar-se negativo. No mês seguinte, em 02 de fevereiro, chegaram a Portugal os 18 portugueses retirados de Wuhan, cidade da China onde começou a epidemia. Ficaram em isolamento voluntário 14 dias. Todos escaparam à covid-19.
Seria a 02 de março a confirmação dos primeiros casos em Portugal. A partir daí foi sempre a crescer, com o Serviço Nacional de Saúde (SNS) mergulhado numa pressão que só abrandaria meses depois, para voltar a acelerar a partir de outubro, na chamada segunda vaga.
Entre uma vaga e outra, os profissionais de saúde têm sido o rosto para os doentes e a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, e a ministra da saúde, Marta Temido, continuam a ser para os cidadãos, de quem ouviam, inicialmente todos os dias, explicações sobre a doença e as medidas a adotar para evitar a disseminação do vírus.
Foi em março que começaram a surgir os primeiros casos também em lares. As infeções e mortes nestas instituições, que tiveram o ponto mais importante com a morte de 18 pessoas na sequência de um surto num lar de Reguengos de Monsaraz, passaram a ser uma constante a partir desta altura.
E quando a pandemia começou a ganhar alguma dimensão em Portugal, em abril, começaram as dificuldades de material de proteção. As máscaras eram difíceis de encontrar - as que se conseguiam comprar tinham preços exorbitantes -- e os equipamentos para os profissionais de saúde escasseavam, assim como os testes de rastreio.
Para colmatar as falhas, o Governo fez encomendas nunca vistas de máscaras, equipamentos de proteção individual e até de ventiladores para as unidades de cuidados intensivos. Quase no final do ano, dos 1.411 ventiladores comprados pelo SNS, chegaram aos hospitais 819, segundo dados oficiais.
Mas não basta ter um ventilador numa unidade de cuidados intensivos. E na área da saúde a escassez de profissionais no SNS foi notória com a pressão da pandemia.
Para reforçar os meios humanos e fixar os profissionais de saúde nos serviços públicos, as contratações e concursos lançados pelo Governo trouxeram 4.380 trabalhadores ao SNS, segundo a ministra da Saúde, Marta Temido. Números ainda assim considerados escassos por médicos e enfermeiros.
Logo que a pressão subiu nos hospitais, ainda em março, e para evitar o colapso dos serviços, já de si com falta de meios humanos, a atividade não urgente foi suspensa.
Foram mais de um milhão de consultas hospitalares e cerca de 100.000 cirurgias que ficaram por fazer, engrossando as listas de espera que, nalguns casos, já eram longas. Também os rastreios para algumas doenças foram suspensos, o que levou as associações de doentes, por exemplo, na área da oncologia, a admitir que tenham ficado por diagnosticar cerca de 1.000 cancros.
Para recuperar as listas de espera, especialistas de vários hospitais do país estão agora a fazer cirurgias em unidades do setor privado e social.
Mas não foi apenas do lado da oferta que a torneira fechou, com a suspensão da atividade não urgente. Também os utentes ganharam medo da contaminação e isso refletiu-se: menos 1,2 milhões de urgências.
Mesmo depois de a atividade retomar, a partir de maio, o receio afastou-os de muitas consultas. Os dados mais recentes apontam para taxas de absentismo entre os 15% e os 30%.
Segundo os resultados de um estudo recente, que usou dados do Portal da Transparência e de um inquérito aos hospitais do SNS, as taxas de ocupação de camas tiveram médias mensais que variaram entre 57% (abril) e 70% (julho), enquanto no ano anterior, e para os mesmos meses, os valores rondaram os 80%.
Contudo, nos cuidados intensivos os valores foram maiores e atingiram os 85%. Nalguns períodos houve mesmo situações pontuais de sobrelotação, como foi o caso do Hospital do Tâmega e Sousa, obrigado a transferir doentes, inclusive para hospitais privados por falta de capacidade.
Por outro lado, a pressão da pandemia obrigou o SNS a apostar mais em formas diferentes de acompanhar os doentes que até aí eram residuais, como as teleconsultas, e começou a aprender a trabalhar mais em rede.
Mas mesmo com o esforço de acompanhamento dos doentes, os dados do excesso da mortalidade mostram que se morreu mais este ano. As causas não estão ainda apuradas. É um trabalho que a Direção-Geral da Saúde fará no próximo ano, para perceber a verdadeira relação entre estas mortes e a pandemia, já considerada pela ministra da Saúde como: "O desafio das nossas vidas".