"Este será o momento certo, porque face ao contexto da pandemia, existe, de facto, uma necessidade, uma motivação" para aprender a utilizar a internet por parte dos idosos, afirma à agência Lusa a investigadora ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa Ana Rita Coelho, que terminou no final de 2019 a sua tese de doutoramento sobre a inclusão digital da população sénior.
Ana Rita Coelho recorda que os dois motivos principais por parte desta população para não utilizar a internet são a falta de competências - o não saber usar - e, por outro lado, o "não ver uma utilidade".
Com a pandemia, este último motivo desaparece para muitos dos casos, por o digital permitir o contacto à distância com familiares, consultas de telemedicina e outras questões práticas, explica a investigadora.
Para Ana Rita Coelho, há "muito a fazer" nas ações de combate à iliteracia digital na população mais velha, sendo necessário aproveitar o momento para não só reforçar essas ações de formação, mas também as reformular.
No seu doutoramento, a investigadora alertava para a necessidade de olhar para esta faixa etária não como um todo uniforme, mas como um grupo muito heterogéneo e com diferentes modos de relação com as tecnologias de informação e comunicação (TIC) e que entraram em contacto com o digital em diferentes momentos da sua vida.
Face a essa heterogeneidade, Ana Rita Coelho diz que tem de haver um esforço para uma "despadronização" da formação, por forma a tornar as aprendizagens menos formais, mais flexíveis às necessidades de cada um e capazes de ocorrerem também noutros contextos onde ainda não ocorrem, como nos centros de dia ou no apoio domiciliário.
A flexibilização das ações seria também importante para garantir que o combate à iliteracia digital não se fica por uma formação inicial, mas que garanta percursos de progressão, defende.
"Está a ser feito um bom trabalho, nomeadamente nas universidades seniores, mas ainda existe aqui alguma esteriotipização das atividades atribuídas à população idosa. É preciso responder às pessoas que têm menos competências, mas também dar respostas às outras que já estão noutro nível", refere.
A investigadora, citando dados do Instituto Nacional de Estatística, recorda que Portugal quadruplicou a percentagem de pessoas na faixa etária entre os 65 e os 74 anos que usa internet entre 2010 (10%) e 2020 (40%), mas o valor ainda é baixo quando comparado com países do norte da Europa.
"Este momento que estamos a atravessar - a pandemia - penso que talvez tenha sido o momento mais importante para se afirmar a necessidade desta transição digital, da informação digital, do combate à iliteracia", afirma à Lusa a presidente da APRe (Aposentados, Pensionistas e Reformados), Maria do Rosário Gama.
A dirigente salienta, no entanto, que há também questões a ter em conta, como as burlas, o risco de vícios em jogos, mas acredita que "as vantagens superam as desvantagens", nomeadamente para as pessoas que estão isoladas.
"O mais importante é combater os obstáculos, que nos sítios mais recônditos do país, a internet possa chegar, possam ter acesso aos 'tablets' e 'smartphones'", defende Maria do Rosário Gama.
A transição digital foi definida como uma das linhas de ação da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia (UE), que se propõe dar prioridade às iniciativas que contribuam para acelerar esta transição enquanto motor da recuperação económica e promover a liderança europeia na inovação e economia digitais.
O programa da presidência aponta nomeadamente o desenvolvimento de competências digitais com vista à adaptação dos trabalhadores aos novos processos produtivos, a transformação digital das empresas e das plataformas digitais, a promoção da saúde e prevenção da doença e a educação e formação ao longo da vida.