Ihor aterrou em Lisboa há um ano. Inspetores estão a ser julgados

Faz esta quarta-feira, dia 10 de março, precisamente um ano que o cidadão ucraniano, que morreu às mãos do SEF, aterrou em Portugal. 12 meses depois, os arguidos continuam a negar responsabilidade na morte de Ihor. O julgamento prosseguiu hoje, com a sua 8.ª sessão.

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Notícias ao Minuto com Lusa
10/03/2021 16:22 ‧ 10/03/2021 por Notícias ao Minuto com Lusa

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SEF

Há um ano, Ihor Homeniuk aterrava em Lisboa para o que viria a ser a sua última viagem. Dois dias depois, às mãos do SEF, o cidadão ucraniano, que vinha à procura de melhores condições de vida, encontrou a morte, por “asfixia lenta”, devido às várias fraturas provocadas por “pessoas externas”, como garantiu o perito que fez a autópsia ao corpo.

Hoje, 10 de março de 2021, precisamente 12 meses depois de Ihor chegar ao nosso país, decorre a oitava sessão do julgamento dos inspetores do SEF acusados da sua morte, no Campus da Justiça, em Lisboa.

Durante a manhã foram ouvidos dois outros inspetores que, em algum momento, se cruzaram com o cidadão ucraniano, nos quase dois dias em que Ihor esteve à guarda do SEF. Já durante a tarde, foi ouvido um terceiro.

De acordo com a agência Lusa, um dos ouvidos em tribunal foi o inspetor que foi buscar Ihor momentos antes deste morrer.  Rui Marques declarou que encontrou o cidadão ucraniano "deitado no colchão", de "barriga para baixo" e "algemado nas costas" quando lhe pediram para levar o passageiro ucraniano até ao avião que o transportaria de regresso.

A testemunha relatou que encontrou Ihor nesse colchão de "plástico azul" com "as calças pelos joelhos" e "molhado", existindo "mau odor" na sala dos médicos onde o passageiro fora colocado por estar agitado e não provocar distúrbios com outros imigrantes retidos no Centro de Instalação Temporária do SEF no aeroporto de Lisboa.

Rui Marques, que entrou de turno cerca das 15h do dia 12 de março de 2020 (data de morte de Ihor), disse ter comunicado ao inspetor Gabriel Pinto que o passageiro não estava em condições de embarcar de regresso à Ucrânia, via Instambul, tendo ao passageiro sido retiradas as algemas metálicas, as quais, segundo lhe foi dito, pertenciam ao inspetor do SEF Luís Silva, agora um dos três acusados no processo.

Segundo Rui Marques, quando ele e um colega colocaram o passageiro ucraniano numa cadeira de rodas para o tentar levar até ao avião, Ihor começou a ter convulsões, "ficou com dificuldades em respirar" e "sem mexer o tórax".

Desta forma, explicou, decidiram colocá-lo de novo no colchão, tendo sido pedida a ajuda e a intervenção de enfermeiras e pessoal médico.

A testemunha disse ter presenciado posteriormente a intervenção dos socorristas que tentaram reanimar Ihor Homeniuk e também a chegada dos médicos do INEM que realizaram outras manobras avançadas de reanimação, numa tentativa que se revelou infrutífera, tendo o óbito sido declarado nessa tarde, por paragem cardiorrespiratória do passageiro.

Já o inspetor-chefe dos três inspetores arguidos, que foi visado no relatório da IGAI como sendo uma das pessoas que ajudou a encobrir a morte do ucraniano, teve, segundo a jornalista da SIC Notícias, “um depoimento bastante confuso”.

João Diogo admitiu que esteve de turno entre as 7h e as 15h do dia 12 de março, o qual admitiu ter sido ele a pedir aos três inspetores agora acusados no processo para irem "acalmar" o passageiro ucraniano que tinha causado "distúrbios" nas instalações do SEF e garantiu que, apesar de terem o poder de algemar, estes não tinham o poder para “desalgemar”.

Apesar de o juiz ter questionado por várias vezes o inspetor chefe sobre quem teria esse poder e se o tinha porque não o fez, João Diogo não conseguiu explicar.

Garantiu que pediu aos ora arguidos Duarte Laja, Bruno Sousa e Luís Silva para irem resolver a situação do passageiro ucraniano, após um pedido do seu colega João Agostinho. Disse ao tribunal que, na altura, não questionou o colega porque razão este lhe pedira a intervenção de três inspetores, quando o habitual é irem só dois para lidar com um passageiro problemático.

A testemunha assegurou que os três inspetores agora acusados lhe comunicaram posteriormente que "ficara tudo bem" com Ihor e que pediu ao trio de inspetores que comunicasse igualmente ao colega João Agostinho que a situação estava normalizada. A testemunha teve dificuldade em explicar ao tribunal a necessidade desta dupla comunicação, aparentemente redundante, tendo o seu depoimento ficado também marcado por outras incongruências e suposições.

A testemunha João Diogo referiu que foi informado mais tarde que Ihor tinha "tomado o pequeno-almoço e estava bem", razão pela qual partiu do "pressuposto que estava `desalgemado´", o que na realidade não se verificou, pois Ihor permaneceu algemado nas costas horas a fio, ou seja, até cerca das 17:00.

Confrontada pelos juízes do coletivo, a testemunha admitiu que em muitos anos de profissão "não se recorda nunca de ter visto um passageiro algemado", embora tivesse considerado nesse dia "normal" ter sabido pelos inspetores que Ihor tinha sido algemado. Acabou por admitir, mais à frente, que "quando se algema uma pessoa, [esta situação] já deixa de ser normal".

Após o depoimento, o responsável sentou-se a assistir na sala de audiências, uma vez que é amigo dos arguidos, Duarte Laja, Luís Silva e Bruno Sousa.

O tribunal ouviu ainda o inspetor Ricardo Diogo que, juntamente com um colega, foram as pessoas que retiraram as fitas adesivas das mãos e pés de Ihor. A vítima tinha sido manietada desta forma de madrugada pelos vigilantes face à sua agitação e inquietação, tanto mais que os vigilantes de serviço tinham tido dificuldades em chamar os inspetores do SEF nesse horário noturno.

A testemunha contou ao tribunal que o seu colega inspetor Filipe foi "caústico" com os vigilantes/seguranças que ataram Ihor com fita adesiva, tendo estes justificado que "não havia outra maneira" de o manter quieto.

O julgamento prossegue dia 23 e 24 com a audição das primeiras testemunhas de defesa do inspetor Luís Silva.

Recorde-se que Ihor Homeniuk morreu dois dias depois de ter aterrado em Lisboa e ter sido impedido de entrar em Portugal, alegadamente por não ter visto de trabalho. Após ser espancado, o cidadão de nacionalidade ucraniana terá sido deixado no chão, manietado, a asfixiar lentamente até à morte. Dois dos inspetores que respondem agora por homicídio qualificado - punível com penas até 25 anos de prisão – vão também responder pelo crime de posse de arma proibida (bastão).

Leia Também: SEF. Perito garante que Ihor "morreu de asfixia lenta" devido a fraturas

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