Em declarações à agência Lusa, dois investigadores portugueses sublinharam que, no último ano, as pessoas foram impulsionadas a recorrer ao comércio e outros serviços mais próximos a uma distância de circulação a pé ou em bicicleta.
"A cidade dos 15 minutos é: todas as pessoas - todos os residentes nas cidades - devem poder ter acesso a equipamentos, comércio e serviços essenciais até uma distância a andar a pé de 15 minutos", explicou João Ferrão, doutorado em Geografia Humana e investigador coordenador aposentado do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
De acordo com o especialista, que foi secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades, o novo conceito de cidade de proximidade foi idealizado por um académico franco-colombiano, Carlos Moreno, e pretende terminar com a fragmentação dos grandes centros urbanos, em que muitas atividades estão dependentes de viagens longas em viatura própria ou de transporte público.
"Tem a ver com a ótica do planeamento urbano e com quem intervém nesse planeamento urbano, que são basicamente as autarquias. Há exemplos muito interessantes, [...] mas há muito essa ideia de cidade de 15 minutos, que é olhar para cidade com uma visão oposta à cidade da mobilidade, em que as pessoas circulam muito -- moram num sítio, trabalham no outro, vão fazer compras no outro", referiu, lembrando o exemplo de Carlos Moreno, que ajudou a presidente da Câmara de Paris, Anne Hidalgo, a aplicar o conceito na capital francesa.
Para João Ferrão, este novo ideal de cidade, que foi desenvolvido pela cidade de Paris durante a pandemia, propõe um esquema de vida comunitária e de micromobilidade como se se passasse a viver numa nova aldeia ou vila.
"Estes espaços são abertos, porque todos nós hoje vivemos mesmo nos vários mundos virtuais. Não é a velha vila com uma muralha à volta, não há muralha nenhuma, o que há é a possibilidade do ponto de vista da oportunidade das pessoas. O que há é a possibilidade de a pessoa, andando até 15 minutos, encontrar nesse raio -- o raio dos 15 minutos a pé -- aquilo que é essencial", indicou.
Também o professor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa João Seixas considerou que a pandemia "veio colocar uma nova camada de questões às pressões e às problemáticas e até às ansiedades que já vinham de trás", e que poderá "haver uma revalorização de uma proximidade com muita diversidade humana".
"A biodiversidade também é muito importante nos habitats da Humanidade. Esta possibilidade de usos mais diversos à pequena escala em cada bairro pode aplicar-se também às mais pequenas escalas, desde a escala de uma rua até a uma escala, por exemplo, dos equipamentos, uma escola, uma universidade, uma estação do metropolitano, teatros, centros de saúde até - podem multiplicar-se em diferentes tipos de atividade. O urbanismo deixa de ser gerido por critérios meramente monofuncionais", analisou.
Neste contexto, esses espaços podem ter, além dos seus usos específicos e originais, atividades de acolhimento e agregação de comunidades.
Segundo João Seixas, mestre em Geografia Humana e doutorado em Geografia, a União Europeia já está a preparar "há muito tempo", com consultores e especialistas, a adoção do conceito da cidade de 15 minutos noutros países.
"É um urbanismo que já não é apenas de gestão do espaço do território, mas é também do tempo, do tempo dos quotidianos, do tempo dos fins de semana, dos tempos dos meses, [do tempo] das pessoas. Isto é uma verdadeira revolução silenciosa, mas com um enorme impacto para o nosso futuro, porque pode, de facto, fazer com que haja efeitos profundíssimos, desde logo nas questões ecológicas", frisou.
Alertando para a urgência de as cidades tratarem das estratégias para o futuro, João Seixas ressalvou que "é muito importante" as sociedades desenvolverem o sentido de comunidade e que haverá "ganhos na ecologia absolutamente extraordinários", porque as pessoas não vão precisar de se deslocar de uma forma muito distante, reduzindo-se as emissões poluentes.
"Mesmo que as pessoas estejam mais frágeis, menos capacitadas ou com menos posses próprias, se tivermos um sentido de bairro e de comunidade há outro tipo de segurança, outro de tipo de resiliência muitíssimo significativo", assegurou.
Os dois primeiros casos de pessoas infetadas em Portugal com o novo coronavírus foram anunciados em 02 de março de 2020, enquanto a primeira morte associada à covid-19 foi comunicada ao país em 16 de março. No dia 19, entrou em vigor o primeiro período de estado de emergência, que previa o confinamento obrigatório, restrições à circulação em Portugal continental e suspensão de atividade em diversas áreas.
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