Foi em 18 de março de 2020 que o país e os portugueses foram surpreendidos pelo Estado de Emergência, uma situação que, estabelece a Constituição, compete ao Presidente da República decretar, por um período máximo de 15 dias, depois de ouvir o Governo e de ter autorização do Parlamento.
Só pode ser declarado "nos casos de agressão efetiva ou iminente por forças estrangeiras, de grave ameaça ou perturbação da ordem constitucional democrática ou de calamidade pública". E foi precisamente esta última - calamidade pública - a razão que levou à renovação do Estado de Emergência por um longo período de tempo e durante o qual foram suspensos ou restritos direitos, liberdades e garantias dos (e aos) cidadãos.
Mas o que nenhum de nós sabia era que essa seria uma realidade com que teríamos de viver por quase um ano. Depois de em, 11 de março, a Organização Mundial de Saúde (OMS) ter declarado a pandemia da doença Covid-19, e num momento em que Portugal registava 642 casos confirmados e um óbito, o Presidente da República propôs ao Parlamento o primeiro Estado de Emergência.
Justificava o Governo, à data, que a atual situação pandémica obrigava à "aplicação de medidas extraordinárias e de caráter urgente de restrição de direitos e liberdades, em especial no que respeita aos direitos de circulação e às liberdades económicas, em articulação com as autoridades europeias, com vista a prevenir a transmissão do vírus". A "prioridade" era "prevenir a doença, conter a pandemia, salvar vidas e assegurar que as cadeias de abastecimento fundamentais de bens e serviços essenciais continuam a ser asseguradas".
Irei presidir um Gabinete de Crise que contará em permanência com os quatro Ministros de Estado, e os da @defesa_pt, da @ainterna_pt, da @saude_pt, e das @iestruturas_pt. O @govpt procurará continuar a assegurar a máxima contenção e o mínimo de perturbação.#COViD19 #coronavirus pic.twitter.com/pobEV8kkQS
— António Costa (@antoniocostapm) March 19, 2020
Logo aí, os portugueses ficaram impedidos de circular entre concelhos, foi imposto o confinamento geral obrigatório e o teletrabalho passou a ser uma realidade para muitos (e pela primeira vez). Fechados foram logo estabelecimentos de prestação de serviços ou venda de produtos não essenciais, como lojas de roupa ou cabeleireiros, e aos supermercados e mercearias foram aplicadas regras de lotação máxima e higienização. Uma nova realidade a que todos nós tivemos de nos adaptar.
Mas porque nos quinze dias que se seguiram, a situação epidemiológica se complicou - com todos os indicadores a aumentarem, sobretudo na região Norte -, o segundo Estado de Emergência foi proposto (e aprovado pelos deputados). A Páscoa estava a chegar (12 de abril) e era crucial evitar os tradicionais convívios familiares. E em 16 de abril, a terceira renovação foi proposta para vigorar até 2 de maio.
"Deslocações proibidas durante a Páscoa»
— República Portuguesa (@govpt) April 3, 2020
O que muda com a renovação do Estado de Emergência? Conheça as principais medidas do @govpt, com destaque para regras especiais durante a Páscoa. Saiba mais em https://t.co/VqGbHOK1O5#COVID19PT #COVID19 #EstamosOn pic.twitter.com/1ZrshXc5v1
Aqui chegados, já a exaustão dos portugueses se ia manifestando, bem como a urgência de acudir a quem tinha a sua atividade parada há quase dois meses. O Governo decidiu, então, avançar com um plano de desconfinamento gradual. A verdade é que, e apesar das deslocações para férias de verão, a situação sanitária no país melhorou, com um abrandamento dos novos contágios, bem como do número de óbitos.
Assim, no início de maio, depois de três declarações do Estado de Emergência, o país passou para o Estado de Calamidade, e deu o 'pontapé de saída' ao plano de desconfinamento em três fases - 4 de maio, 18 de maio e 1 de junho -, possibilitando uma gradual reabertura de vários setores de atividade. Durante cinco meses, o país e os portugueses puderam circular, comer fora, e recuperar alguma da normalidade perdida nos meses anteriores. Fechados permaneceram (e permanecem) os bares e discotecas.
Portugal está a enfrentar uma situação crescente de casos que se «tenderá a agravar nos próximos dias», observa a Ministra da #Saúde que manifesta disponibilidade para recorrer ao setor privado e social, se for necessário.#SNS #COVID19PT #estamoson pic.twitter.com/jE2Uoq5fbW
— Saúde PT (@saude_pt) October 14, 2020
Mas com a chegada do outono e do tempo frio, o perigo voltou. E, em 9 de novembro entrou em vigor o 4.º Estado de Emergência embora "muito limitado e de efeitos largamente preventivos", justificou à data o Presidente Marcelo. Contudo, duas semanas depois, mantinham-se "muito inquietantes" os números de novos infetados e de falecimentos, que não desciam e provocavam uma "enorme pressão no SNS [Serviço Nacional de Saúde]", em particular nas Unidades de Cuidados Intensivos (UCI), alertavam os especialistas citados pelo chefe de Estado para justificar aos deputados o pedido para a quinta Emergência. De referir que a 19 de novembro estavam mais de três mil doentes internados, dos quais quase 500 em UCI.
Saiba quais as medidas que se vão aplicar nas próximas semanas e, em particular, nos períodos do Natal e do Ano Novo. #Saúde #SNS #COVID19PT #estamoson https://t.co/RIltkGWzOX pic.twitter.com/BabGo7zOjU
— Saúde PT (@saude_pt) December 18, 2020
Com mais esta renovação, que iria vigorar até 23 de novembro, a preocupação começava a ser o Natal e o Ano Novo. E, precisamente, para evitar uma nova celebração condicionada - como já tinha acontecido na Páscoa - o Governo quis manter as regras apertadas. Até porque com dezembro chegavam também os feriados de dias 1 e 8 (ambos a uma terça-feira) e podiam gerar a tentação de uma 'escapadinha'. Impunha-se, por isso, manter a restrição à circulação entre concelhos e o dever de confinamento obrigatório.
O professor António Sarmento, diretor de doenças infecciosas do Hospital de São João foi o primeiro vacinado contra a Covid-19 em Portugal. #Saúde #Vacinacovid19 #Covid19PT pic.twitter.com/GN3ntrVVE4
— Saúde PT (@saude_pt) December 27, 2020
Ultrapassado mais este período, e apesar de uma "evolução da tendência de descida", os peritos e o próprio Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC) avisavam que uma diminuição das medidas adotadas podia inverter essa tendência. Pelo que, o Presidente da República não só propôs a renovação da Emergência (a sexta) como anunciou, desde logo, que a mesma se seria estender até 7 de janeiro para dar ferramentas ao Governo para adotar medidas mais restritivas durante os períodos de Natal e Ano Novo.
Apesar dos números, o ano terminava com uma "boa notícia", a vacina criada em tempo recorde estava a chegar e os profissionais de saúde iam ser os primeiros a recebê-la. Em 27 de dezembro arrancou a vacinação, uma lufada de esperança para todos, e tanto assim foi que em 8 de janeiro, o Presidente Marcelo enviou nova renovação do Estado de Emergência (a oitava) mas que teria um período de vigência mais curto - apenas oito dias, até 15 de janeiro - devido apenas ao facto de não ter sido possível "antes de meados de janeiro" agendar uma nova reunião com os especialistas para perceber como estavam a evoluir os números.
As novas medidas hoje tomadas pelo Conselho de Ministros para controlar a pandemia de Covid-19, entre as quais o dever de recolhimento domiciliário, entram em vigor às 00:00 de sexta-feira. Saiba quais as principais medidas. #COVID19PT pic.twitter.com/9dCGpoHsNQ
— Saúde PT (@saude_pt) January 13, 2021
Essa reunião aconteceu a 12 de janeiro e as novidades não foram as melhores. O Governo avançou, então, com novas regras logo dias depois de ouvir os especialistas, mas no início da semana seguinte, em 18 de janeiro, voltou a reunir-se para aprovar mais restrições. Foi nesta altura que a venda ao postigo passou a ser proibida, que os cinemas e teatros voltaram a fechar, que o teletrabalho voltou a ser obrigatório, assim como o dever de confinamento e a proibição de circular entre concelhos.
Ouvimos hoje, no @INFARMED_IP, os epidemiologistas e especialistas em saúde pública. Foi consensual que, face à fortíssima dinâmica de crescimento da pandemia, teremos de adotar medidas mais restritivas, semelhantes às de março e abril, para um período de um mês. #COVID19 pic.twitter.com/Q2sRc2Aycz
— António Costa (@antoniocostapm) January 12, 2021
Portugal atravessava neste momento a terceira e mais difícil, até ao momento, vaga da Covid-19. O surgimento de novas variantes, sobretudo a britânica, em muito ajudou à rápida propagação do vírus SARS-CoV-2, e o ritmo da vacinação era ainda brando - até 14 de fevereiro tinham sido administradas pouco mais de 332 mil doses.
Com a capacidade hospitalar do país a ser posta à prova, mesmo "com a mobilização de todos os meios do SNS, das Forças Armadas, dos setores social e privado" e a chegada de ajuda alemã (8 de fevereiro), aliada à "falta de rigor no cumprimento das medidas" que os portugueses manifestavam, como destacou Marcelo, impunham, já no final de janeiro, renovar por outros tantos dias o Estado de Emergência, o décimo.
Dado o agravamento da pandemia e disseminação da estirpe britânica, o @govpt reforçou as medidas de confinamento. É essencial cumprir as regras e ficar em casa. Controlar a pandemia depende de si, depende de todos.
— República Portuguesa (@govpt) January 21, 2021
Saiba mais em https://t.co/n0W0bcCyup#COVID19 #EstamosOn pic.twitter.com/a7alGW6sou
Mas chegados a meados de fevereiro, e com as escolas fechadas há duas semanas, a situação não melhorava e a incidência continuava "a ser muito elevada, bem como o número dos internamentos e das mortes". Além disso, também os peritos não recomendavam qualquer abrandamento nas regras em vigor, pelo menos até que os números descessem "abaixo de patamares geríveis pelo SNS".
Nesta altura, em meados de fevereiro, recorde-se, Portugal reportava uma média diária superior a mil casos e dezenas de óbitos. Mas eram os internamentos que continuavam a preocupar. No dia 15 de fevereiro, quando entrou em vigor o 11.º Estado de Emergência, estavam mais de 4.800 doentes internados, dos quais 784 em UCI.
Volvidos mais 15 dias, em 24 de fevereiro, continuava, "infelizmente, a manter-se a situação de calamidade pública" e novo decreto para renovar a Emergência - a 12.ª - seguiu para o Parlamento. Ainda assim, como referiu à data o chefe de Estado, as medidas restritivas aprovadas pelo Governo começavam "a ter os efeitos sanitários positivos desejados", e o número de contágios começava a baixar.
Foi aliás, durante este Estado de Emergência, em 11 de março, que o primeiro-ministro apresentou o tão aguardado plano de desconfinamento a "conta-gotas" e que se divide em quatro fases, tendo arrancado a 15 de março e prolongando-se até 3 de maio - estamos atualmente na última semana da terceira fase do plano, embora dez concelhos tenham ficado para trás.
A generalidade do país vai avançar para a próxima fase de #desconfinamento. Há, no entanto, concelhos que requerem mais cuidado e que não vão poder acompanhar este passo. Conheça as medidas em https://t.co/VqGbHP1DcF #COVID19 #EstamosON pic.twitter.com/4wbeeoSzID
— República Portuguesa (@govpt) April 15, 2021
Aqui chegados, os 13.º, 14.º e o 15.º Estados de Emergência foram esperados. E, se durante o primeiro destes três e até ao dia 6 de abril, se manteve a proibição de circular entre concelhos, daí em diante essa foi uma das restrições 'que caiu'. Já as fronteiras marítimas, áreas e terrestres permanecem fechadas e ainda sem previsão de reabertura. No decreto destas últimas Emergências, Marcelo pouco acrescentou de novo aos enviados anteriormente ao Parlamento e publicamente manifestou o desejo de que a 15.ª renovação fosse a última.
Queria pedir [aos portugueses] mais um esforço para tornar impossível o termos de voltar atrás, para que o Estado de Emergência caminhe para o fim, para que o desconfinamento possa prosseguir (Presidente Marcelo na declaração ao país de 14 de abril)
Ainda não é certo que o seja. O próprio presidente da Assembleia da República alertou na semana passada, em entrevista ao jornal Público e à rádio Renascença, que essa é uma hipótese: "O que se está a passar em Espanha, França, Itália, mesmo na Alemanha, suscita muita preocupação e não podemos iludir-nos de que pelo facto de em Portugal haver uma diminuição de casos e de vítimas signifique automaticamente que daqui a 12 dias não estejamos no mesmo ponto. Vamos ver o que vai acontecer".
No mesmo sentido, a ministra da Presidência vincou na passada quinta-feira, no briefing do Conselho de Ministros, que só esta semana, e depois de ouvidos novamente os especialistas, o Governo estará habilitado a tomar uma decisão. "Seguiremos aquilo que os especialistas nos recomendarem e em função das necessidades que tivermos na próxima quinzena", disse Mariana Vieira da Silva referindo-se aos primeiros dias de maio.
Apesar de admitir que hoje "os números estão melhores do que estavam quando definimos as medidas, a avaliação é feita quinzenalmente e é isso que faremos", sustentou a ministra, sem se comprometer com qualquer decisão.
Na dúvida quanto à renovação do Estado de Emergência, que a confirmar-se será o 16.º desde o início da pandemia no país, há já, porém, algumas certezas. As escolas, desde o pré-escolar ao Superior, estão a funcionar sem percalços de maior, 21% da população já recebeu pelo menos uma dose da vacina contra a Covid-19 e com o início da vacinação com a Johnson & Johnson (que esteve durante uma semana armazenada a aguardar 'luz verde do regulador europeu) mais pessoas serão vacinadas nos próximos tempos, nomeadamente a faixa etária com mais de 65 anos e pessoas com doenças prioritárias. Além disso, os indicadores recuaram ao nível de agosto do ano passado.
"Estimamos que, até ao final de maio, ou mesmo até à terceira semana de maio, todas as pessoas com mais de 60 anos estejam vacinadas com pelo menos uma dose", afirma a Ministra da Saúde, lembrando que este foi o "grupo mais atingido pela letalidade". #SNS #COVID19PT #EstamosON pic.twitter.com/O2rN0nQ0Yw
— Saúde PT (@saude_pt) April 21, 2021
Nova atualização da incidência e do índice de transmissão será feita esta segunda-feira, antes de nova reunião na sede do Infarmed com os especialistas, mas os dados mais recentes, que reportam ao dia 23 de abril, mostram que o Rt nacional mantém-se abaixo de 1 (0,98) e a incidência baixou ligeiramente (72,1). Resta saber se são estes dados suficientes para 'o adeus' oficial aos Estados de Emergência ou se, por uma questão de prevenção, se avizinha a 16.º renovação.
PS e PSD sempre a favor, IL e PCP (quase) sempre contra
No decurso destes 15 Estados de Emergência, que arrancaram em março de 2020 e tiveram um interregno de sete meses - entre maio e novembro -, tendo sido retomados no outono do ano passado e de forma ininterrupta até ao presente mês de abril, o voto dos partidos foi mudando.
Apenas PS e PSD se mantiveram fiéis ao voto favorável. Já CDS e PAN, que começaram por dar 'luz verde' às três primeiras Emergências, optaram no final do ano passado pela abstenção e só já no início deste ano 'regressaram' ao voto a favor.
Mas recuemos até março de 2020. Na votação do primeiro Estado de Emergência nenhum dos nove partidos com assento parlamentar se opôs: PS, PSD, BE, CDS-PP, do PAN e Chega, votaram a favor, e PCP, PEV, e IL abstiveram-se. Porém, o consenso terminou logo aqui.
Na segunda Emergência, o IL optou pelo voto contra, e PCP, PEV e Chega abstiveram-se. E, aquando de nova renovação, PCP juntou-se ao IL no voto contra, enquanto PEV e Chega mantiveram a abstenção. Passado o verão, e uma vez chegados a novembro, BE passou a optar por se abster - posição que não mais mudou até ao passado dia 14 de abril de 2021 -, assim como o PAN. A favor, nesta altura, votaram apenas PS, PSD e CDS.
Só faltava agora, quando estamos com este problema no país, começarmos com problemas constitucionais e o Governo ter de tomar determinada medida e não poder por razões de inconstitucionalidade. (...) Estamos sempre do lado da solução, não do lado do problema (Rui Rio, líder do PSD, novembro 2020)
Ao fim de mais 15 dias em Emergência, e aquando da renovação por outro tanto, só o bloco central manteve o voto a favor. BE, CDS, PAN abstiveram-se e PCP, PEV, Chega, e IL continuaram a opor-se. Um cenário que só mudou aquando do nono Estado de Emergência - que vigorou entre 16 e 30 de janeiro.
No início do ano, CDS e PAN voltaram a juntar-se ao PS e PSD e não mais mudaram o seu voto nas seis votações de Emergências que se seguiram. Já o BE continuou a abster-se, e PCP, PEV, IL e Chega votaram contra.
Contas feitas, PS e PSD garantiram sempre a aprovação dos Estados de Emergência, tendo votado as 15 vezes sempre a favor, já o CDS votou 11 vezes a favor, e o PAN dez. O BE deu 'luz verde' apenas três vezes e o Chega uma vez.
A liderar a abstenção segue o BE, com 12 vezes a optar por deixar seguir o documento embora sem lhe dar um 'ok', e o 'pódio' do voto contra pertence ao IL que se opôs 14 vezes à Emergência, seguido de perto pelo PCP (13), PEV (12) e Chega (11).
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