Abuso sexual. Cardeal-patriarca recebeu vítima, mas não denunciou caso
A vítima foi recebida duas vezes pela entidade, com cerca de 20 anos de diferença. No anos 90 não foi dada credibilidade à denúncia e, mais recentemente, foi decidido não se comunicar caso às autoridades, diz o Observador esta quarta-feira.
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País Abusos sexuais
O cardeal-patriarca de Lisboa terá tido conhecimento de um caso de abuso sexual de menores e chegou mesmo a encontrar-se com a vítima, tendo decidido não fazer queixa junto das autoridades competentes, avança o Observador esta quarta-feira.
De acordo com a publicação, para além de não ter denunciado a situação, D. Manuel Clemente manteve o alegado agressor nas funções da capelania. O responsável denunciado terá continuado a gerir uma associação privada que acolhe famílias, jovens e crianças.
Segundo explica o Observador, o mais alto responsável católico em Portugal não terá denunciado o caso porque a vítima não quis tornar o seu caso público. A explicação terá sido dada à publicação pelo Patriarcado, que acrescentou que a vítima só queria que os abusos, que terão acontecido nos anos 90, não continuassem.
O nome indicado pela vítima já seria um dos nomes recolhidos pela Polícia Judiciária no âmbito desta investigação, que já conta com mais de 300 denúncias.
A omissão deste caso por parte de D. Clemente vai contra as regras internas da Igreja Católica - que determinam que todos os casos devem ser denunciados -, assim como as indicações dadas pela comissão que investiga este tipo de crimes em Portugal. De acordo com a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais, todos os casos deverão ser denunciados às autoridades responsáveis, mesmo aqueles que já tenham prescrito.
À agência Lusa o Patriarcado de Lisboa confirmou, já esta quarta-feira, que tinha conhecimento desta denúncia e mostrou-se "totalmente disponível" para colaborar com as autoridades, no "apuramento da verdade" sobre os casos abuso sexual por membros da Igreja.
A denúncia, o encontro e desvalorização
As suspeitas iniciaram-se nos anos 90, quando a mãe de uma das crianças com quem o sacerdote em causa convivia começou a desconfiar, estranhando a proximidade física e o facto de o responsável ir buscar algumas crianças à escola, entre outras coisas. Já próxima da idade adulta, o jovem contou à mãe que havia relatos de abusos sexuais, e que ele próprio tinha sido uma vítima.
A progenitora marcou uma reunião com o cardeal-patriarca de Lisboa que, na altura, era D. José Policarpo. De acordo com o relato obtido pelo Observador, a família saiu de lá com a ideia de que o chefe máximo, e respetiva estrutura herárquica, não acreditava no que tinha acontecido. O Patriarcado de Lisboa sugeriu, inclusive, que a mulher tivesse acompanhamento clínico.
Em 2002, o sacerdote acusado abandonou as paróquias onde trabalhava, tornando-se capelão. De acordo com uma fonte ouvida pelo Observador, na altura da saída circulou mesmo um abaixo assinado pela população para que o pároco não abandonasse as funções.
O encontro com D. Manuel Clemente
Na altura em que a mãe se encontrou com D. José Policarpo, o atual cardeal-patriarca de Lisboa era um bispo auxiliar de Lisboa, cargo ocupado entre 1997 e 2007.
Mais recentemente, estiveram também reunidos D. Manuel Clemente - e todos os bispos do mundo - com o Papa Francisco. O responsável máximo pela Igreja Católica pediu, em 2019, que todas as dioceses do mundo criassem até ao verão de 2020 uma comissão de proteção de menores. A comissão em Portugal ficou estabelecida em abril de 2019, muito antes da sua obrigatoriedade ser imposta. Foi aí que a mulher que se reuniu com D. José Policarpo convenceu o filho a falar com D. Manuel Clemente.
O encontro terá decorrido depois de 2019, numa altura que o responsável pelo Patriarcado de Lisboa afirmava que ia apoiar uma maior transparência em relação às denúncias dos abusos, assim como se encontrava a mudar as regras interinas para que estes casos. O agressor apontado terá continuado a cargo da associação mesmo depois deste encontro.
"A Igreja ocultou muitas situações. Todas as instituições o fazem"
O psiquiatra e membro da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Daniel Sampaio já havia indicado, em entrevista ao Notícias ao Minuto, que seriam de esperar ocultações por parte da Igreja Católica.
Ressalvando que a "Igreja Católica foi a única instituição portuguesa que decidiu encarar o problema do abuso sexual contra crianças", Sampaio assumiu que "a Igreja ocultou muitas situações", um comportamento que deve ser visto à luz da época, uma vez que, "todas as instituições, grupos e, sobretudo, famílias o fazem".
[Notícia atualizada às 13h04]
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