'Retornados' poderão ter sido mais de meio milhão

A estatística oficial diz que Portugal recebeu meio milhão de 'retornados' de África, mas o tenente-general na reforma Gonçalves Ribeiro, que coordenou as operações de acolhimento dos desalojados, reconhece que talvez seja "um número subdimensionado".

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Lusa
24/04/2014 10:42 ‧ 24/04/2014 por Lusa

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25 Abril

De regresso ao Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa, onde, a partir de 1975 se acumulavam "caixotes e caixotões" trazidos pelos 'retornados' das ex-colónias entretanto independentes -- assim chamados independentemente de alguma vez terem pisado solo da outrora "metrópole" -, Gonçalves Ribeiro lembra que os profissionais liberais e funcionários públicos, "de uma maneira geral, não se recensearam nem se socorreram" do Instituto de Apoio ao Retorno dos Nacionais (IARN) e, por isso, não estão no meio milhão.

Simultaneamente, a certa altura a lei restringiu os apoios a quem tinha antepassados portugueses, o que excluiu boa parte da população negra.

Alto Comissário para os Desalojados entre 1976 e 1979, o militar admite, portanto, que o "meio milhão de gente, vinda sem passado, sem presente e sem futuro, é capaz de ser um número subdimensionado".

Em entrevista à Lusa, Gonçalves Ribeiro assinalou como o acolhimento das pessoas que deixaram África e vieram para Portugal "surpreendeu, de uma maneira geral, o mundo inteiro, a começar por países europeus, nomeadamente aqueles que também tinham colónias".

Impressionados, perguntavam-lhe: "Como é que um país pequeno como o nosso, em turbulência política, económica e social, pôde, num espaço de tempo relativamente curto, assimilar cerca de seis por cento da população portuguesa?".

A sala de onde Gonçalves Ribeiro coordenava as operações estava convertida em "gabinete estatístico, cheio de mapas e gráficos", que começou por ter 50 funcionários e, um ano depois, já tinha "mil quinhentos e tal".

Além da ponte aérea, estabelecida entre Luanda e Nova Lisboa (Huambo), que trouxe para Portugal cerca de 300 mil pessoas, num milhar de voos entre setembro e outubro de 1975, fez-se também uma ponte marítima.

"Cerca de dez a quinze navios cargueiros e meia dúzia de navios porta-viaturas trouxeram cerca de 250 mil metros cúbicos de bagagem e também cerca de 20 mil viaturas ligeiras", contabilizou.

"O embarque estava aberto incondicionalmente e sem restrições de qualquer espécie a todos aqueles que entendessem que a sua segurança estava em perigo e que a salvaguarda das suas vidas e famílias se fazia com o regresso a Portugal", recordou.

Gonçalves Ribeiro confessa que nunca lhe passou pela cabeça ver-se "envolvido na organização e na dinamização de uma ponte aérea", de "um país em guerra civil, que era Angola", para "um país de destino em processo revolucionário em curso [PREC], que era Portugal".

Resistiu "várias vezes" ao convite do então primeiro-ministro Mário Soares, mas não conseguiu dizer que não quando o apelo partiu do Presidente da República Ramalho Eanes. Aceitou fazê-lo, "por uma razão muito simples: era preciso ser feito".

Olhando para a barra do Tejo, Gonçalves Ribeiro lembra o dia em chegou a Lisboa, no navio "Niassa", embarcado em Luanda um dia antes da independência de Angola, juntamente com "o derradeiro remanescente da soberania de Portugal" naquela ex-província ultramarina.

Mesmo perante a ameaça de "uma série de grupos" envolvidos no PREC, mais preocupados com "o umbigo" do que com o que se passava no Ultramar, a tripulação insistiu em atracar no cais de Alcântara, em Lisboa, onde tinha à espera "pequenas hordas ululantes" que consideravam aqueles últimos militares ao serviço do "império" português "reacionários, conservadores e fascistas".

Em 1979, Gonçalves Ribeiro conclui que a operação podia ser terminada "sem prejudicar a população desalojada" e põe fim ao cargo de Alto Comissário para os Desalojados.

As feridas persistem, "seguramente", mas, na opinião do tenente-coronel que está a escrever o terceiro livro sobre a descolonização - depois de "A vertigem da descolonização" (2002) e "O reencontro -- da ponte aérea à cooperação" (2006) -, são agora "mais feridas sentimentais, de saudade".

Compreendendo as reivindicações que os espoliados, nunca indemnizados pelo Estado, mantêm até hoje, considera que "é insustentável esse tipo de expectativa".

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