Num comunicado hoje divulgado, a associação, que trabalha sobretudo na integração de migrantes na Mouraria, diz que o incêndio de sábado num prédio do bairro, que provocou dois mortos, "expôs a falta de direitos de pessoas imigrantes em Portugal" e as condições de habitação a que se sujeitam.
"Este incêndio foi, assim, a face dramaticamente visível dos complexos problemas que atualmente habitam Lisboa e a Mouraria, bairro onde vivem mais de 50 nacionalidades diferentes e onde se falam mais de 40 línguas", lê-se no comunicado.
Segundo a associação, a falta de condições de habitação é "silenciosamente conhecida pela generalidade do bairro", mas "muitas vezes velada por medo".
Frisando que "já não é possível ignorar", a Renovar a Mouraria defende que, "apesar da complexidade dos problemas sociais" que ali se cruzam, "algo tem de ser feito" porque "quando a crise na habitação mata, algo tem de ser feito".
Num estudo que divulgou em janeiro acerca da comunidade migrante residente na Mouraria, e no qual inquiriu aproximadamente 10% da população migrante no bairro, a associação revelou que residem na local pessoas de mais de 50 nacionalidades, a maioria homens, com idades entre os 18 e os 35 anos.
Quanto a países de origem, predomina o Nepal, seguindo-se o Bangladesh, o Paquistão, a Índia, o Brasil e a Guiné-Bissau.
Quando questionados acerca da sua situação de habitação, 83% dos inquiridos disseram habitar em apartamentos arrendados e 27% em casas partilhadas.
Entre os migrantes que partilham casa, 64% fá-lo com familiares diretos, enquanto 36% o faz com outros migrantes.
Desses, 22% divide casa com outras duas pessoas, 21% com três, 14% com quatro, 13% com seis e 12% com cinco.
Há ainda 2% de inquiridos que admite dividir casa com 25 pessoas que, na sua grande maioria, não conhece e 1% que diz dividir com cerca de 50 pessoas, a maioria também desconhecida.
Quanto às condições das habitações, 52% diz terem boas condições e 36% condições aceitáveis.
No comunicado, a Renovar a Mouraria lamenta que o Estado não promova uma "verdadeira reintegração social, responsável e que preserve os direitos das pessoas migrantes", mas que "operacionalizem à margem da lei uma instrumentalização das pessoas migrantes como mera mão-de-obra conveniente ao mercado laboral".
"Assim, está em causa um modelo económico que se serve destes fluxos migratórios colocando o lucro acima do bem-estar das pessoas, abrindo margem para diversas situações de precariedade e exploração a que assistimos, seja na habitação, seja no trabalho, no acesso a serviços públicos", acrescenta.
Para a associação, "as condições de extrema precariedade e injustiça social que aconteceram em Odemira [no Alentejo], no território da Mouraria e noutros, estão unidos por um mesmo fio condutor e devem ser encarados com uma perspetiva sistémica".
Nesse sentido, a associação adianta estar a desenhar um plano de intervenção que visa quatro áreas, sendo a primeira reforçar a pressão sobre os poderes políticos responsáveis pelas questões da imigração.
Continuar a capacitar pessoas migrantes na reivindicação dos seus direitos e a facilitar o acesso aos serviços públicos e sensibilizar o público em geral através de campanhas de comunicação e debates são outros dos objetivos.
A Renovar a Mouraria pretende ainda criar oportunidades de geração de conhecimento e desenvolvimento de soluções, colocando em cooperação organizações do terceiro setor, investigadores e profissionais especializados nas áreas envolvidas e atores políticos.
Na noite de sábado, um incêndio deflagrou num prédio na Rua do Terreirinho, no bairro da Mouraria, provocando dois mortos, um homem de 30 e um jovem de 14 anos, ambos de nacionalidade indiana, e 14 feridos, todos já com alta hospitalar.
Segundo a Proteção Civil de Lisboa, o incêndio afetou 25 pessoas, 24 residentes e um não residente, deixando 22 desalojados.
A mesma fonte indicou que viviam no edifício dois cidadãos de nacionalidade belga, dois argentinos, dois portugueses, três bengalis e 15 indianos.
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