Mais de um ano e meio depois da primeira notícia sobre a partilha de dados de ativistas russos pela Câmara Municipal de Lisboa, três ativistas decidiram avançar esta quinta-feira com uma ação indemnizatória contra a autarquia, exigindo uma indemnização total de 120 mil euros.
Numa carta enviada à Câmara de Lisboa, a que o Notícias ao Minuto teve acesso, os ativistas - o russo Pavel Elizarov, da associação Parus; a bielorrussa Katsiaryna Drozhzha, da associação Pradmova; e a portuguesa Alexandra Correia, do Grupo de Apoio ao Tibete-Portugal - exigem "a reparação dos danos morais sofridos por estas três pessoas concretamente afetadas".
Os ativistas, que processam em nome individual, planeiam que o montante reverta para as instituições que representam que trabalham no sentido de apoiar os direitos humanos nos diferentes países.
Os três ativistas, que são defendidos pelos advogados Leonor Caldeira e Francisco Teixeira da Mota, argumentam que a partilha de dados de vários ativistas com governos totalitários causou "medo entre muitos outros ativistas de direitos humanos que estão em risco de perseguição política, não só em Portugal, mas em vários países da Europa e do mundo".
Em junho de 2021, o semanário Expresso e o Observador avançaram com a notícia de que a autarquia, na altura liderada por Fernando Medina, enviou para a Rússia dados pessoais de ativistas russos que tinham pedido autorização para organizar uma manifestação em Lisboa, de apoio ao opositor russo Alexei Navalny.
O caso ficou rapidamente conhecido como Russiagate.
Os ativistas esperam agora, mais de ano e meio depois do caso ser tornado público, por uma "decisão positiva que permita reparar (dentro do possível) os danos morais sofridos, trazendo justiça para as vítimas e contribuindo para a jurisprudência que fortaleça os direitos dos ativistas em Portugal".
O Notícias ao Minuto contactou a Câmara Municipal de Lisboa e aguarda um comentário sobre a receção da carta dos ativistas.
Caso causou medo em ativistas de regimes totalitários
A troca de informações entre Lisboa e Moscovo foi descoberta por acaso por uma ativista, Knesia Ashrafullina, que reconheceu os dados numa troca de e-mails entre a câmara, a embaixada russa e o governo russo.
Na altura, Knesia Ashrafullina contou ao Expresso que considerou a descoberta "muito grave" e confessou o seu medo por eventuais represálias contra si e a sua família, caso voltasse à Rússia.
Também Pavel Elizarov, Katsiaryna Drozhzha e Alexandra Correia argumentaram que "o facto dessa partilha ser feita pela CML — uma instituição pública e governamental de um país livre e democrático — causou o afastamento da participação cívica por parte de muitas pessoas, que têm agora reservas quanto a Portugal, e a União Europeia, serem espaços seguros para a livre expressão de ideias e para a participação em manifestações públicas em prol das causas que apoiam".
Para os ativistas, que agora exigem uma indemnização, as partilhas feitas pela autarquia "colocaram em risco" a sua segurança, bem como a das suas famílias, "contribuindo para um sentimento generalizado de medo e perigo acrescido, levando-nos mesmo a tomar medidas reforçadas de segurança".
Entre os regimes e governos que receberam dados de ativistas, por manifestações à porta das suas embaixadas ou contra ações dos respetivos países, estão a China, Venezuela, Angola, Rússia e até Israel, apesar da manifestação pró-Palestina que motivou o envio dos dados ter ocorrido a dois quilómetros da embaixada.
Medina tremeu, mas não caiu
Fernando Medina, debaixo de fortes críticas, admitiu mais tarde o caso e pediu desculpas pelo sucedido mas recusou demitir-se. O atual ministro das Finanças revelou ainda que tinham sido enviados dados pessoais a embaixadas por causa de 52 outras manifestações, desde maio de 2018.
Numa conferência de imprensa, o então presidente da Câmara de Lisboa lamentou os casos e afirmou que "a severidade do que aconteceu implica que encaremos de frente a forma como a Câmara de Lisboa não protegeu os dados".
Apesar do amontoar de críticas por parte da oposição, à esquerda e à direita, e até pelo Presidente da República, Medina não se demitiu e acabou por exonerar o encarregado de proteção de dados da Câmara. O antigo autarca acabaria por durar apenas mais uns meses à frente da cidade, tendo perdido as eleições autárquicas frente a Carlos Moedas.
Um mês depois do caso tornar-se público, o Ministério Público anunciou a abertura de um inquérito, mas nunca se souberam mais novidades.
Em janeiro de 2022, a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) multou a Câmara Municipal de Lisboa em 1,2 milhões de euros e informou que tinham sido identificadas 225 contraordenações nas comunicações da autarquia, em relação às manifestações. O município, já liderado pela coligação Novos Tempos, pediu que a multa fosse reduzida, algo que não foi acedido.
Os três ativistas reconhecem a multa mas apontam que esta "não beneficiou nenhuma pessoa ou entidade vítima desta prática reiterada de partilha indevida de dados pessoais", daí exigirem agora o pagamento da indemnização.
Ao Notícias ao Minuto, Pavel Elizarov, da associação Parus - uma associação que defende os direitos humanos na Rússia e que luta por uma Rússia democrática, afirmou ainda que "o mais importante não é possivelmente receber uma indemnização ou ganhar o caso, mas sim levantar a questão da responsabilidade política que não aconteceu há dois anos".
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