De acordo com a Universidade de Coimbra, o estudo teve por base "a utilização de vesículas extracelulares para terapia génica" da doença de Machado Joseph, também designada por ataxia espinocerebelosa do tipo 3, uma neuropatologia hereditária rara, que afeta pessoas em todo o mundo, em especial em Portugal, na Ilha das Flores, nos Açores.
A doença, para a qual não existe até ao momento uma terapia eficaz disponível, provoca problemas na marcha, equilíbrio, fala, deglutição, movimentos oculares e sono, tratando-se uma condição "extremamente debilitante que se vai agravando com o passar do tempo".
O estudo do CNC-UC, que pretendeu "desenvolver uma estratégia terapêutica inovadora capaz de silenciar a mutação associada à doença de Machado-Joseph", utilizou vesículas extracelulares (nanopartículas biológicas, produzidas naturalmente por células humanas) "como sistema de entrega terapêutica de agentes silenciadores, para o cérebro".
"Estas vesículas funcionam como pequenas 'bolsas' capazes de transportar material genético, como o RNA (do inglês ribonucleic acid), de forma não invasiva, até ao alvo pretendido, neste caso até aos neurónios, que são uma das populações de células do cérebro mais afetadas na doença de Machado-Joseph", explicaram David Ramos e Kevin Leandro, investigadores do CNC-UC e autores do estudo.
A equipa do CNC-UC utilizou "métodos de base biotecnológica para aumentar a quantidade de material terapêutico dentro das vesículas extracelulares, mais concretamente de microRNAs artificiais - pequenos fragmentos de material genético, com a capacidade de silenciar genes específicos, impedindo a sua expressão".
"Para direcionar os microRNAs até ao alvo terapêutico pretendido, os cientistas modificaram a superfície das vesículas extracelulares introduzindo uma proteína, chamada RVG (Rabies Virus Glycoprotein), que direciona estas partículas especificamente até aos neurónios", descreveu a UC.
Segundo o comunicado que a UC enviou à agência Lusa, os investigadores verificaram que as sequências silenciadoras (microRNAs) incorporadas nas vesículas extracelulares "atingiram o seu alvo terapêutico, silenciando eficazmente o gene mutante associado à doença de Machado-Joseph, demonstrando assim um efeito terapêutico promissor, tanto em diferentes modelos celulares, como em modelos animais".
Adicionalmente, a equipa verificou, "num modelo animal de ratinho com doença de Machado-Joseph, que a administração diária intranasal destas vesículas - um método de administração não invasivo - reduziu significativamente a expressão de espécies tóxicas de ataxina-3 mutada no cérebro dos animais".
"Este estudo contribuiu para avanços em três domínios científicos distintos: o uso de vesículas extracelulares como veículo de entrega de terapias; a eficácia da tecnologia de RNAs de interferência, como os microRNAs, como ferramenta de silenciamento de genes e ainda o desenvolvimento de terapias génicas para a doença de Machado-Joseph utilizando a via intranasal, um método não invasivo que permite administrações regulares da terapia diretamente para o cérebro", transmitiram os investigadores.
Publicado na revista científica Molecular Therapy, este estudo foi levado a cabo por investigadores do grupo de "Terapia génica e de células estaminais para o cérebro", liderado por Luís Pereira de Almeida, presidente do CNC-UC e docente da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra (FFUC).
Contou com financiamento do Programa Operacional da Região Centro 2020 (COMPETE 2020), da Fundação para a Ciência e Tecnologia, programa Horizonte 2020 e National Ataxia Foundation (EUA).
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