"Um atraso é sempre visto com preocupação, principalmente por se tratar de um setor frágil, uma realidade que não é recente mas que se tornou óbvia e visível durante a pandemia", afirmou Inês Maia, da direção da Performart, em declarações à agência Lusa.
Aquela associação, no "contacto regular" com a Direção-Geral das Artes (DGArtes) e o Ministério da Cultura, tem "alertado e denunciado" os atrasos nos vários concursos e pedido "celeridade" nos processos, recordou Inês Maia.
A falta de cumprimento dos prazos -- de abertura dos concursos, divulgação dos resultados, contratualização e pagamento dos apoios -- "causa uma enorme angústia" nas estruturas e artistas e uma "incapacidade prática de cumprir com os projetos apresentados a concurso".
Inês Maia salientou que "a tesouraria das estruturas é frágil", o que não permite o adiantamento de verbas para a realização dos projetos e que "muitas vezes não se consegue empréstimos nos bancos", algo mais recorrente no caso dos concursos de apoio a projetos.
Família e amigos, assim como a "relação de cumplicidade entre estruturas" acabam por permitir que muitos projetos se realizem, mesmo sem o pagamento do apoio a que têm direito.
Os concursos de apoio a projetos da DGArtes para 2023, de Criação, Programação e Internacionalização, deveriam ter aberto as candidaturas em outubro do ano passado, mas tal acabou por acontecer apenas em 29 de dezembro.
As candidaturas encerraram em fevereiro deste ano, e os resultados provisórios começaram a ser divulgados no final de maio.
Em 23 de maio, foram divulgados os resultados provisórios de Internacionalização, em 07 de junho os de Programação e, em 31 de julho, os de Criação.
Terminados os prazos de contestação, os resultados finais foram homologados em 02 de agosto, no caso da Internacionalização, 21 de julho no caso da Programação, e 13 de setembro, no caso de Criação.
Os projetos selecionados para apoio devem ser executados entre 01 de maio de 2023 e 30 de outubro de 2024, no caso de Internacionalização, e entre 01 de junho de 2023 e 30 de novembro de 2024, no caso de Programação e Criação, de acordo com os respetivos avisos de abertura dos concursos.
"Sabemos que há atrasos na contratualização no apoio a projetos", referiu Inês Maia, sublinhando que "há alguns que se concluem antes da assinatura do contrato".
No caso do concurso deste ano de Programação, a Performart tem conhecimento de uma candidatura que só foi informada do resultado final do concurso quando o projeto já estava executado.
Contactada pela Lusa, fonte oficial da DGArtes garantiu que "no que se refere aos Programas de Apoio a Projetos nos domínios da programação, internacionalização e na forma de procedimento simplificado, estão contratualizados a grande maioria dos apoios", salientando que "o processo de formalização dos contratos está dependente da apresentação de informação e de documentos por parte das entidades".
Inês Maia salientou que "os atrasos são recorrentes" nos concursos da DGArtes, tanto de apoio a projetos como de apoio sustentado, sublinhando que "quando isso não melhora com a experiência é mau sinal".
"O setor está a trabalhar no sentido de melhorar - prova disso é o facto de haver cada vez mais candidaturas e cada vez mais candidaturas com pontuação excelente [que não são apoiadas por falta de verbas]; esperar-se-ia o contrário da parte da tutela", afirmou.
De acordo com a declaração anual da DGArtes, até ao final de outubro deverão abrir novos concursos de apoio a projetos em Criação, Programação e Internacionalização, mas Inês Maia teme que tal volte a não acontecer.
"Sabendo que a abertura do concurso limitado para a representação oficial da exposição de Artes Visuais da Bienal de Veneza 2024 está atrasado [deveria ter aberto até final de agosto], incute a ideia de que os outros também irão atrasar-se", disse.
Até ao final deste mês é suposto abrir também o concurso de apoio complementar ao programa Europa Criativa, também no âmbito do programa de apoio a projetos 2023 da DGArtes. "Ainda não está atrasado, mas eventualmente estará", referiu Inês Maia.
Além dos atrasos, a Performart identifica outro problema nos programas de apoio da DGArtes: o subfinanciamento.
"O nível de financiamento necessário ainda não está atingido", defendeu Inês Maia, acrescentando que a Performart tem "visto com bons olhos os reforços de financiamento aos concursos, considerando que ainda não são suficientes".
O Programa de Apoio a Projetos de 2023 vai ter um reforço de cerca de quatro milhões de euros nas áreas de criação, programação e internacionalização face a 2022. Reforço que, para a Performart, "não resolve os problemas das outras linhas de apoio", visto que "cada linha de apoio tem uma função, e um reforço não resolve o outro".
O Programa de Apoio a Projetos relativo a 2023 prevê a atribuição de financiamento a 382 candidaturas de entidades artísticas, das quais 210 na área da criação, 92 na área da programação e 80 na internacionalização.
Na área da criação ficaram de fora 623 candidaturas, na da programação foram excluídas 291 candidaturas e na da internacionalização ficaram sem apoio 96 entidades, várias com pontuações acima dos 80%.
Além da Performart, outras associações do setor têm alertado para os atrasos e subfinanciamento dos concursos da DGArtes, tanto os sustentados como os de apoio a projetos.
Em 10 de agosto, nove estruturas representativas do setor, por quase 200 entidades artísticas, entre associações, coletivos, festivais e companhias de teatro, e por 2.042 pessoas que trabalham nesta área, como bailarinos, atrizes, figurinistas, designers, cenógrafos, produtoras, músicos, apelaram ao ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, para que resolva a "situação calamitosa" do setor, no subfinanciamento de apoios da DGArtes.
No documento, que foi enviado com conhecimento do Presidente da República, do primeiro-ministro, da DGArtes e dos partidos da oposição, os signatários "exigem garantias de que os próximos concursos de apoios a projetos abram em outubro, tal como está anunciado e comprometido pelo Ministério da Cultura".
A carta aberta é assinada pela Ação Cooperativista, Acesso Cultura, Associação Músicos Artistas e Editoras Independentes, Associação de Artistas Visuais em Portugal, Manifesto em Defesa da Cultura, Plateia, Performart, Associação de Estruturas Para a Dança Contemporânea e a União Negra das Artes.
Entre as entidades signatárias estão a Associação dos Profissionais das Artes e Cultura de Vila do Conde, Associação La Bohème, Buala, Cão Danado, Companhia da Esquina, Escola de Mulheres, Materiais Diversos, Orquestra Sem Fronteiras, Quórum Ballet, Teatro Efémero, Teatro Griot, Teatro Ibérico e Visões Úteis.
Também em agosto, o Cena-STE - Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos, do Audiovisual e dos Músicos, alertou para o "imenso atraso" na divulgação dos resultados dos concursos de apoio a projetos, recordando que os projetos apoiados "deveriam estar a ser realizados, o mais tardar, desde junho".
"Só isso, por si, é devastador para os trabalhadores do setor. Mas o rol de problemas já vem de trás. Apenas um dos quatro resultados concursais foi divulgado antes do início do respetivo período de execução. E note-se que só se poderão realizar despesas elegíveis após a data de homologação final dos resultados! Já para não falar do tempo adicional consumido pelas tramitações dos processos de contratualização com o Estado. Por estas razões, há muitos projetos com atividades previstas para o trimestre passado que estão de mãos atadas, com uma execução muito reduzida", lê-se num comunicado divulgado do site oficial do sindicato.
Na nota, o Cena-STE fala também da suborçamentação, "também ela crónica, dos apoios do Estado ao setor".
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