O final de setembro ficou marcado pela saída à rua de milhares de manifestantes por todo o país, na luta contra a crise na habitação.
Os protestos começaram na parte da manhã deste sábado, e na capital decorreram a partir das 15 horas, com partida na Avenida Almirante Reis até ao Rossio. Os manifestantes reivindicaram condições dignas neste setor, assim como a descida dos preços das casas, que têm atingido picos tanto no arrendamento como na aquisição.
Ao final da tarde, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, revelou que já tinha promulgado o pacote 'Mais Habitação', que vetou uma primeira vez, mas, perante a votação na Assembleia da República, foi obrigado a aceitar. "Agora vêm as leis. Promulguei - porque a Assembleia confirmou - antes mesmo dos oito dias a lei chamada Mais Habitação. O Governo, a partir de agora, tem à disposição as leis necessárias. Tem de regulamentar as leis. Espero que corra bem, que o Governo regule rapidamente as leis e que avance com aquilo que constitui uma meta importante para o fim da legislatura", detalhou em declarações aos jornalistas.
Marcelo recordou ainda que vetou o pacote numa primeira instância porque o achou "curto" num dos pontos. "Mas prefiro qualquer coisa - mesmo que curta - a nada", apontou, acrescentando que se o Executivo for capaz de resolver os problemas de milhares de pessoas é uma situação "boa".
Em relação à manifestação, o chefe de Estado mostrou-se positivo. "É um sinal de que a democracia está viva. Está viva por todo o país", considerou.
Em Lisboa... os tumultos
'Provocação' do Chega?
Apesar dos protestos terem acontecido em 24 locais por todo o país, e de o problema ser nacional, as reivindicações fizeram-se sentir com mais intensidade em algumas cidades, entre as quais Lisboa e Porto.
Na capital, chegaram mesmo a existir alguns tumultos, nomeadamente, devido à presença de deputados do Chega. Tal como pode ouvir aqui, perante a presença de, pelo menos dois deputados, Filipe Melo e Rui Paulo Sousa, dezenas de manifestantes começaram a gritar "Fascistas não passarão". A situação levou a que os parlamentares tivesse mesmo de ser escoltados pela Polícia de Segurança Pública.
"Estamos num país, se acham que somos fascistas, é um problemas deles. Somos democratas. Viemos para para defender quem precisa de habitação condigna e em condições", referiu Rui Paulo Sousa aos jornalistas. Os deputados rejeitaram que a sua presença se tratasse de qual tipo de provocação, e referiram que se iam manter no local, enquanto estavam rodeados de agentes.
"A habitação é um direito de todos. Não é um direito da extrema-esquerda. Viemos associar-nos às pessoas que precisam realmente de habitação e fomos recebidos com insultos", defendeu Filipe Melo.
Mais tarde, o líder do partido, André Ventura, reagiu à situação. "Hoje vários deputados e dirigentes do Chega foram insultados e agredidos pela extrema-esquerda em várias cidades do país, enquanto lutavam pela habitação condigna de todos os portugueses. Nunca nos irão silenciar, nunca a violência prevalecerá sobre a democracia!", escreveu numa publicação partilhada na rede social X, antigo Twitter.
Hoje vários deputados e dirigentes do Chega foram insultados e agredidos pela extrema-esquerda em várias cidades do país, enquanto lutavam pela habitação condigna de todos os portugueses. Nunca nos irão silenciar, nunca a violência prevalecerá sobre a democracia! pic.twitter.com/Tv9K33Dowz
— André Ventura (@AndreCVentura) September 30, 2023
A descida 'estilhaçada' na Almirante Reis
Um dos momentos da 'manif' foi marcado pelo episódio em que a monta de uma imobiliária da Avenida Almirante Reis foi vandalizada. Três pessoas terão atirado ovos à vitrine da ERA, que ficou manchada com tinta vermelha. Momentos depois, a mesma montra elementos partiram a montra com martelos.
A Polícia de Segurança Pública (PSP), que não se encontrava no momento no local, seguiu para lá e uma equipa de intervenção rápida ficou, pelo menos por alguns momentos no local, for forma a evitar mais desordem.
Outras presenças na 'manif'
Nos protestos estiveram também a líder do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, que criticou a maioria parlamentar do Partido Socialista por chumbar "todas as medidas que podem ter um efeito prático no direito à habitação" e por se "juntar à direita que defende a especulação".
"Só que em maioria absoluta há uma única forma de pressionar o Governo a aprovar leis e a resolver um problema: pessoas na rua, é a mobilização popular e social que vai pressionar o Governo. É por isso que esta manifestação é tão importante", defendeu.
Também o secretário-geral do Partido Comunista Português (PCP) esteve nos protestos. "Estamos perante um drama social, de uma grande dimensão, um problema que afeta milhares e milhares de pessoas, que todos os dias se vão privando das suas necessidades mais básicas para fazerem tudo para aguentar aquilo que é o seu maior bem, que é o seu lar, a sua casa, a sua habitação", apontou. O responsável referiu ainda os lucros extraordinários da banca, que "consegue acumular 11 milhões de euros de lucros por dia".
Também o vereador da Câmara Municipal de Lisboa do PCP João Ferreira esteve presente, salientando a situação dramática que se vive por todo o país, mas com foco em Lisboa.
Também a secretária-geral da CGTP esteve presente, considerando "natural" a mobilização de milhares de pessoas, que se encontram "estranguladas" com os aumentos dos custos da habitação, defendendo que banca deve suportar as subidas das taxas de juros.
"É natural que se mobilizem milhares de pessoas, tal como se estão a mobilizar milhares de trabalhadores, de reformados e pensionistas porque não se aguenta o custo da habitação, em cima do aumento do custo de vida, que, com os salários baixos e baixas pensões, estrangula a vida das famílias", notou Isabel Camarinha.
E o que dizem os manifestantes?
Em Lisboa, os manifestantes, entre os quais se destacavam muitos jovens, gritavam palavras de ordem como "A casa custa, queremos uma vida justa" e carregavam cartazes e faixas onde se podiam ler frases como "Onde estão as casas de quem faz as casas?", "O vosso lucro é a nossa miséria" ou " Mais baldios, menos senhorios".
"Faço parte desta manifestação porque é preciso lutarmos contra este sistema que põe o lucro acima da vida das pessoas. Não é possível que numa cidade com tantas casas, existam tantas pessoas que tenham que morrer na rua e não é possível que nós, sabendo que temos que cortar os combustíveis fosseis até 2030, que o nosso Governo continue a falar de metas ridículas até 2040 ou 2050", afirmou a estudante universitária Catarina Bio.
Para a manifestante, tanto o pacote Mais Habitação, como as medidas para mitigar as alterações climáticas não passam de "uma fachada" ou de "um penso rápido" para "fingir que o Governo está a fazer algo".
Presente no mesmo protesto, Rodrigo Machado, de 22 anos, considerou ser "imperativo" sair à rua para que o Governo oiça as reivindicações dos portugueses e adote uma "política da habitação que revolucione", lembrando que o país tem milhares de casas vazias.
"Não podemos ter casas vazias, enquanto há gente na rua [...], enquanto houver gente que não consegue pagar a renda", defendeu, lamentando os "lucros multimilionários da banca" e a especulação, como a feita pelos senhorios, quando o povo "continua com a corda ao pescoço".
Rodrigo Machado disse ainda que dificilmente sairá de casa dos pais num futuro próximo, notando que já não existem jovens a mudar-se, mas pessoas que saem para dividir a casa com amigos ou mesmo para partilhar quartos.
O problema, conforme apontou, atravessa idades e classes, empurrando já muitos trabalhadores com o salário médio para a "periferia da periferia", quando a casa é uma das "primeiras liberdades" e, sem ela, "as outras estão muito condicionadas".
Já no Porto, também milhares 'invadiram' as ruas na luta pelo direito à habitação. Pelo menos oito mil pessoas ocuparam hoje toda a extensão da rua de Santa Catarina, no Porto, desde a Praça da Batalha até à Rua de Fernandes Tomás.
Palavras de ordem como "Paz, Pão, Saúde, Habitação", "A Habitação é um direito, sem ela nada feito", "A casa é para morar, não é para especular", "Para os bancos vão milhões, para nós vêm tostões", "Nem gente sem casa, nem casa sem gente" foram das mais entoadas pelos milhares de manifestantes.
Por um dia, os milhares de turistas que costumam preencher a rua de Santa Catarina limitaram-se a observar e deram lugar a milhares de pessoas clamando por casas para viver, saindo da Praça da Batalha cerca das 15h00.
"Nós vamos aos 'sites' das câmaras municipais, tanto de Gaia como do Porto, fazemos todo o preenchimento e não há respostas de nada, nem 'feedback' de nada", disse à Lusa Gisela Ferreira, de 42 anos, que ostentava um cartaz dizendo "15 candidaturas, zero respostas".
Funcionária pública há 20 anos, inserida num agregado familiar de três pessoas e com um ordenado de 800 euros, Gisela Ferreira reside em Perosinho, em Vila Nova de Gaia, mas está à procura de casa há "dois anos", e mesmo no interior do concelho há "uma diferença mínima de preços" entre os diferentes territórios.
"Neste momento eu resido numa casa própria, só que a renda é extremamente alta. De há um ano para cá ela duplicou. Por isso mesmo é que procuro habitação social", explicou.
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