A cumprir o serviço militar no Regimento de Infantaria 5 (RI5), nas Caldas da Rainha, em 1973, o 1.º cabo miliciano Otávio Pinto, entrou, sem saber, para a história do 25 de Abril de 1974, no dia em que o comandante da companhia, capitão Piedade Faria (já falecido) lhe perguntou: "ó Pinto, ali na zona de Óbidos não se arranja uma casa para a gente fazer uma paródia?".
Natural de Óbidos, Otávio Pinto apressou-se a cumprir a ordem do superior: "Pega na motorizada e vai já tratar disso".
Goradas as tentativas de marcar a "paródia" na coletividade da localidade de Usseira, "que tinha a sala mais moderna da altura", ou na de A-da-Gorda, o militar decidiu tentar a sorte na Casa da Música, à época sede da Sociedade Musical e Recreativa Obidense e do Óbidos Sport Clube.
Sem saber, há 50 anos, marcou para o edifício localizado na principal rua de Óbidos, a vila medieval mais turística da região, a reunião secreta que em 01 de dezembro de 1973 juntou 180 militares do Movimento dos Capitães a conspirar contra o regime e a preparar a revolução do 25 de Abril de 1974.
"Nesse dia andei lá a preparar umas mesas, a pôr a sala a jeito", recordou o cabo à agência Lusa, acrescentando que como não foi convidado, foi ao hospital das Caldas da Rainha (concelho vizinho de Óbidos) visitar a mulher e a filha, nascida dias antes.
Quando regressou a Óbidos, ainda tentou entrar na Casa da Música, mas "vinha a sair o [então] Tenente Moreira dos Santos que disse: 'já acabou, mas foi mesmo bom, correu tudo bem'".
Otávio Pinto esqueceu então o evento mas, a 19 de dezembro, quando se apresentou no quartel das Caldas da Rainha foi informado de que deveria apresentar-se "urgentemente" no quartel-general, em Lisboa.
Convencido de que tinha sido mobilizado para a guerra em África, preparava-se para ir a casa, na motorizada, quando o capitão Faria apareceu de carro, insistindo em lhe dar boleia.
No caminho, avisou: "Olha, vais cair na mão daqueles 'gajos' da PIDE [polícia política que naquele tempo se chamava DGS -- Direção-Geral de Segurança] " e Pinto, sem perceber, questionou "mas porquê?".
Parco nas explicações, Piedade Faria disse apenas: "Aquela paródia não era bem uma paródia". E deu ao cabo uma senha, para pedir ajuda caso fosse preso e torturado.
"Se a PIDE me prendesse tinha que telefonar a perguntar 'como é que estão as obras?'", contou.
Otávio Pinto não foi preso, mas no quartel-general foi informado de que devia embarcar para os Açores, para onde foi transferido compulsivamente.
No Açores, "não fazia nada" e as saudades de casa e da família era atenuadas pelos companheiros do RI5 que, lembrou, "era raro o dia que não telefonassem" para dizer que não se esqueciam dele e que "estavam a tratar de tudo".
Só que "a 16 de março [data da intentona das Caldas da Rainha, quando uma coluna de mais de 100 homens do RI5 marchou para Lisboa em protesto] foram todos presos", assinalou.
Já em abril de 1974, veio ao continente, batizar a filha, e quando regressou um capitão questionou-o: "Voltaste? Não valia a pena, no dia 28 já lá estamos todos".
Otávio Pinto continuava a não perceber "estas coisas que diziam" e só no dia da revolução, a 25 de Abril de 1974, ficou a saber que ajudou a organizar uma "paródia", tinha sido, afinal, uma reunião preparatória do golpe militar.
Regressado ao continente acabou o serviço militar e ingressou na Câmara Municipal de Óbidos, onde foi fiscal.
Vinte cinco anos depois do 25 de abril, numa sessão comemorativa realizada na Casa da Música, o então Presidente da República, Jorge Sampaio, fez questão de que a mão de Otávio Pinto fosse uma das que puxava a bandeira, durante o descerramento de uma placa alusiva à reunião de Óbidos.
Cinquenta anos depois, a reunião volta a ser evocada, numa cerimónia integrada nas comemorações nacionais para a qual já recebeu o convite e faz questão de aceitar.
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