A madrugada de sexta-feira foi muito agitada nas ruas do Porto, com a Polícia de Segurança Pública (PSP) a ser alertada para uma situação de agressão a dois imigrantes, pela 1h, no Campo 24 de agosto, perpetrada por um grupo de quatro ou cinco indivíduos, que se colocaram em fuga.
Dez minutos depois, novo ataque na Rua do Bonfim, contra 10 imigrantes, na habitação onde estes se encontravam. Um grupo de 10 homens, munidos com paus e alegadamente por uma arma de fogo, espancou-os e destruiu o recheio da habitação - proferindo ainda insultos racistas, segundo o porta-voz da PSP, Sérgio Soares.
Ainda de acordo com o responsável da PSP, cerca das 3h, na Rua Fernandes Tomás, outro imigrante foi também agredido, por outros suspeitos, sendo que um deles estava munido de uma arma de fogo.
Algumas das vítimas foram encaminhadas para o Hospital de São João para receber tratamento.
Nesta altura, o contingente de polícias foi reforçado e foi possível intercetar um dos suspeitos na posse de um bastão extensível e a viatura usada no ataque da 1h00, com cinco suspeitos no interior e que todos identificados.
A PSP deu conhecimento da ocorrência ao Ministério Público e, por suspeitas da existência de crimes de ódio por "um grupo organizado de pessoas", o caso transitou para a alçada da Polícia Judiciária (PJ).
Ao final da tarde deste sábado, o único homem detido por posse de arma ilegal e alegadamente envolvido nas agressões a imigrantes ficou em prisão preventiva por ordem judicial.
Caso foi denunciado pela SOS Racismo. "Milícia" com "ataques planeados"
A SOS Racismo denunciou a situação, que foi avançada pelo Jornal de Notícias, referindo que "nos últimos dias, um grupo organizado de pessoas constituiu uma milícia para invadir casas e atacar imigrantes na cidade do Porto".
"Com recurso a bastões, paus e facas, este grupo espancou vários imigrantes, dentro das suas casas. Os ataques foram planeados e devidamente organizados, para espalhar o terror e atacar o maior número de imigrantes. As habitações foram destruídas e várias pessoas tiveram de receber tratamento hospitalar", lê-se na nota de imprensa da associação.
Ao que tudo indica, cerca de 10 dos imigrantes agredidos são de origem argelina, um é magrebino e outro é de nacionalidade venezuelana.
"Infame", "racista", "assustador", "repúdio". As reações das principais figuras políticas do país
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, condenou os "ataques racistas" contra imigrantes e salientou que a violência racial e a xenofobia são "práticas sem lugar na sociedade portuguesa".
"Ao tomar conhecimento dos ataques racistas perpetrados durante a última noite no Porto, o Presidente da República sublinha a veemente condenação da violência racial e da xenofobia, práticas sem lugar na sociedade portuguesa", refere a nota publicada no site da Presidência da República, exprimindo solidariedade às vítimas dos ataques e agradecendo "às forças de segurança a rápida intervenção".
O primeiro-ministro, Luís Montenegro, também se manifestou acerca do assunto, reafirmando "tolerância zero ao ódio e violência xenófoba".
"Condeno veementemente, em meu nome pessoal e do Governo português, os ataques racistas desta noite no Porto. Exprimo a nossa solidariedade com as vítimas e reafirmo tolerância zero ao ódio e violência xenófoba", escreveu o chefe do Executivo, na rede social X (Twitter), tecendo ainda elogios ao “trabalho das nossas forças de segurança".
A ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, considerou que este era um "vil" e "infame ataque".
"Tivemos conhecimento e não são admissíveis comportamentos destes [...]. Este ataque não representa o povo português. Os portugueses não apoiam este tipo de ataques", afirmou, em declarações aos jornalistas, apontando que os imigrantes procuravam Portugal por ser um "país seguro".
O secretário-geral do Partido Socialista (PS), Pedro Nuno Santos, condenou "de forma veemente e sem hesitação" estes ataques e apelou ao "combate a todas as formas de violência".
"É de facto preocupante, é mesmo até assustador e não acontece só em Portugal", afirmou durante a sua intervenção nas comemorações do 50.° aniversário da Juventude Socialista (JS), em Almada, observando que existe "um discurso e uma atmosfera que incita ao ódio, à divisão, ao ressentimento", o que "torna o terreno fértil depois para a violência".
A líder do Bloco de Esquerda (BE), Mariana Mortágua, recorreu às redes sociais para comentar os ataques, lembrando a ação de solidariedade para com os agredidos, que decorreu a partir das 22 horas no Campo 24 de agosto.
"Quando o racismo flui no Parlamento, a violência flui até às ruas. Quem censura a memória do colonialismo abre a porta à violência no presente. Punição exemplar dos agressores, nem um dia de silêncio contra a política de ódio", referiu Mortágua.
O Partido Comunista Português (PCP) enviou um comunicado às redações a condenar os discursos de ódio e comportamentos racistas e xenófobos.
"O PCP manifesta a sua solidariedade para com estas pessoas e o seu veemente repúdio e condenação e exige o apoio às vítimas e o célere apuramento do que aconteceu e punição dos responsáveis", começa por referir o partido, deixando claro que "os problemas da habitação ou da criminalidade que se vivem na região não têm na população imigrante a causa e responsáveis".
O porta-voz do Livre (L), Rui Tavares, salientou que "a normalização do discurso de ódio está em curso há muito tempo e, como muita gente avisou, acabaria a provocar vítimas".
"Se não for detida, terá consequências cada vez piores, de que os cobardes ataques racistas de ontem no Porto são um deplorável exemplo. Contra o ódio, união!", reiterou, através de uma publicação na rede social X.
A normalização do discurso de ódio está em curso há muito tempo e, como muita gente avisou, acabaria a provocar vítimas. Se não for detida, terá consequências cada vez piores, de que os cobardes ataques racistas de ontem no Porto são um deplorável exemplo. Contra o ódio, união! https://t.co/CGh7Y7gTJU
— rui tavares (@ruitavares) May 4, 2024
Por sua vez, a porta-voz do PAN, Inês Sousa Real, também repudiou "os atos de xenofobia e racismo" na sequência dos ataques a imigrantes no Porto.
"O ódio não representa os valores humanistas da nossa sociedade", rematou.
Leia Também: Milícia espalha "terror e ataca" imigrantes no Porto. "Ataques planeados"