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Supremo confirma: Homem que matou pai e irmã não tem direito à herança

O veredito do Tribunal da Relação de Lisboa foi, no início deste mês, confirmado pelos juízes do STJ, que consideraram que "o exercício do direito a herdar os bens de uma pessoa que o herdeiro matou choca aos sentimentos mais profundos da generalidade das pessoas".

Supremo confirma: Homem que matou pai e irmã não tem direito à herança
Notícias ao Minuto

09:49 - 24/07/24 por Daniela Filipe

País Torres Vedras

O homem que matou o pai e a irmã grávida durante um surto psicótico em Santa Cruz, no concelho de Torres Vedras, não poderá ter acesso à herança do progenitor. A decisão foi confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) depois de, no final de 2023, o veredito do Tribunal da Relação de Lisboa não ter sido consensual.

 

Movido pela crença de que "o pai seria o diabo e a irmã uma cavaleira das trevas que incorporava a guerra, e que ambos estariam do lado do mal, enquanto o arguido estaria do lado do bem", o homem, que sofre esquizofrenia associada ao consumo de canabinóides, desferiu vários golpes de faca contra o progenitor, na noite do dia 13 de novembro de 2020. A vítima, que tinha cerca de 60 anos, conseguiu fugir para o seu quarto, onde fechou a porta e se dirigiu para a varanda. Foi aí que acabou por morrer e veio a ser encontrado pelas autoridades, no dia seguinte.

Ao aperceber-se do sucedido, a irmã do homicida, que estava grávida de três meses, tentou socorrer o pai, mas acabou por ser, também, esfaqueada. A mulher de 37 anos morreu na cozinha da residência.

As vítimas foram encontradas já sem vida pelos bombeiros e pela Guarda Nacional Republicana (GNR), que arrombaram a porta da residência. As autoridades tinham sido alertadas por clientes da peixaria do pai, que estranharam o estabelecimento estar encerrado e ninguém responder na habitação.

Após os crimes, o agressor abandonou a residência e fugiu no veículo do progenitor para o Bairro da Cova da Moura, em Lisboa, onde foi detido por agentes da Polícia Segurança Pública (PSP), no dia 16 do mesmo mês.

Ainda que já tivesse ameaçado os familiares noutras ocasiões, o homem foi considerado inimputável devido à doença mental de que padece, tendo sido condenado a internamento hospitalar por um período mínimo de três anos e máximo de 25, bem como ao pagamento de 50 mil euros aos tios, irmãos do pai, em 2022.

Foram estes que contestaram o pedido do sobrinho de acesso à herança, cuja decisão foi divulgada a 5 de dezembro, em acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa. É que, como não foi condenado no sentido legal, o agressor não preenche os requisitos para ser considerado indigno de herdar os bens do progenitor. O órgão jurídico recorreu ao chamado abuso do direito, que proíbe o uso da lei para violar os limites impostos pela boa-fé e pelos bons costumes, mas o veredito dividiu os juízes.

Se dois dos três magistrados reconheceram que, no momento dos assassinatos, "o arguido laborava numa realidade paralela [...], encontrando-se a sua doença em estado agudo […] por falta de medicação", os responsáveis argumentaram que "o direito a suceder do seu pai, por si brutalmente assassinado - objetivamente - corresponde a uma conduta clamorosamente ofensiva da Justiça, ou mesmo a uma afronta ao sentimento jurídico dominante".

Por seu turno, o terceiro juiz apresentou uma declaração de voto vencido, uma vez que, na sua ótica, o veredito reforçava o estigma associado a doenças mentais graves, como é o caso da esquizofrenia.

Contudo, a decisão foi, no início deste mês, confirmada pelos juízes do STJ, que consideraram que “o exercício do direito a herdar os bens de uma pessoa que o herdeiro matou choca aos sentimentos mais profundos da generalidade das pessoas, repugnando à consciência jurídica e ética que uma pessoa possa ter um lucro como efeito legal de uma morte por si causada, ainda que sem capacidade de culpa jurídico-criminal”.

O argumento do vencido também não convenceu os magistrados, tendo em conta que “a pessoa inimputável está viva, tem direitos e o Estado investe na sua proteção e recuperação”.

“Para o inimputável há esperança. Para as suas vítimas, a quem tirou a vida, não há: a morte é irreversível”, lê-se.

Os juízes foram mais longe, tendo apontando que “lidar com problemas de saúde mental da gravidade da esquizofrenia, acompanhada de atos de violência contra familiares e consumo de drogas, compete ao Estado, que falhou no cumprimento dos seus deveres”.

De qualquer modo, o caso poderá ainda vir a ser analisado pelo Tribunal Constitucional, caso a defesa do arguido opte por recorrer novamente.

Leia Também: Matou pai e irmã em episódio de esquizofrenia. Herança dividiu juízes

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