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Fazer reparações às ex-colónias "é questão muito complicada e complexa"

A historiadora Isabel Castro Henriques, coordenadora da exposição 'Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário', a inaugurar no próximo dia 29, em Lisboa, considera que as reparações às ex-colónias "é uma questão muito complicada e complexa".

Fazer reparações às ex-colónias "é questão muito complicada e complexa"
Notícias ao Minuto

23/10/24 09:35 ‧ Há 2 Horas por Lusa

País Colonialismo

Em declarações à agência Lusa, a historiadora, questionada sobre as reparações de Estado aos países que foram colónias, afirmou: "É uma questão complexa e complicada por diferentes razões: em primeiro lugar, choca-me pessoalmente que o sofrimento que os negros, os africanos, sofreram no tráfico de escravos e no colonialismo, sejam traduzidos em dinheiro".

 

"Vem-me sempre à reflexão que quando foram escravos eram objetos, eram comprados e tinham um valor monetário, e parece-me que estamos agora a dar um valor monetário a um sofrimento dessas pessoas, as escravizadas e as colonizadas", justificou a autora do livro "De Escravos a Indígenas" (2019).

Para a historiadora, "a reparação deve ser noutros moldes".

"Penso que sim, deve haver um reconhecimento de nós enquanto cidadãos de um Estado. Obviamente não foi o Estado português atual [que agiu], mas somos herdeiros de toda uma História, e no âmbito dessa História, há que olhar para aqueles que foram escravizados e dominados, há que pedir desculpa e reparar através de apoios", argumentou.

Isabel Castro Henriques lecionou na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa durante cerca de 40 anos e tem investigado História de África, História do Colonialismo e História das Relações Afro-Portuguesas.

A investigadora considerou a hipótese de devolução de algumas obras de arte que estão nos museus, mas alertou que pode ser "um problema complicado porque essas obras têm origens muito diversificadas, há muitas que foram, efetivamente pilhadas, roubadas, e essas todas devem ser imediatamente enviadas, segundo as regras que os Estados africanos traçarem sobre a questão".

A historiadora chamou à atenção para as obras que "foram dadas pelos chefes africanos como presentes, e essas é preciso repensá-las pois é uma questão de respeito pelas tradições africanas" e que funcionavam através da doação.

"Há também que ver as que foram compradas, apesar de sabermos, que muitas vezes as compras eram feitas de uma forma desigual".

Castro Henriques defende que devem ser feitos estudos e "não decidido de uma forma geral".

A historiadora alertou ainda para peças que terão sido pilhadas e trazidas durante a guerra colonial (1961-1974).

Questionada sobre os espólios trazidos pelas missões científicas europeias, nomeadamente as portuguesas, Isabel Castro Henriques afirmou que estas "fizeram acordos com os chefes [africanos], mas é preciso ter em linha de conta que é uma relação desigual", entre o africano que tem a peça e o investigador que gostava de ter a peça, e "há quem interprete isso como uma forma de pressão".

Nesta situação "há que repensar, devemos pensar como a peça pode ser devolvida", disse à Lusa, a autora de "A Descolonização da História" (2020).

"Há um outro problema complicado que é saber a quem se devolve. Devolve-se ao Estado, sim, a Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe [...]. Mas sabemos que muitas vezes foram os antigos chefes africanos que ofereceram essas peças, e muitas vezes no âmbito de relações de igualdade. Por exemplo, na segunda metade do século XIX, em que se desenvolveu um comércio legítimo, chefes africanos trocaram objetos, 'os bonecos', por outros de prestígio e poder que serviam para dominar as suas próprias populações".

A historiadora chamou à atenção para o facto de que as sociedades africanas eram complexas e estratificadas, e as chefias foram muitas vezes dominadoras das suas próprias populações, nomeadamente no tempo da escravatura em que vendiam os escravos aos europeus.

"É todo um processo muito difícil que tem de ser bem estudado, com equipas que trabalhem sobre a questão. Mas tudo o que foi roubado e pilhado tem de ser identificado e devolvido", defendeu. E acrescentou que "qualquer devolução deve ser feita de acordo com os países africanos de hoje".

Leia Também: Quase 70 mil páginas de leis das colónias portuguesas disponíveis online

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