Os desacatos que tiveram lugar na Área da Grande Lisboa na passada semana, depois de um cidadão cabo-verdiano ter sido morto, durante uma operação policial, no Bairro da Cova da Moura, na Amadora, voltaram a ser notícia, na segunda-feira, em França.
Após as manifestações de sábado em Lisboa – uma em homenagem a Odair Moniz e contra a violência policial e o racismo, que juntou milhares de pessoas, e outra a favor do polícia que o matou, que juntou cerca de 200 pessoas -, o France 24 pediu a Yves Léonard, historiador francês, professor na Sciences Po e especialista em Portugal, para comentar o caso.
"Portugal tem estado protegido e livre de todas estas tensões relacionadas com racismo […] mas houve sinais de alerta para a situação atual, como a exploração política por parte da extrema direita portuguesa deste tipo de questões”, começou por salientar o especialista, acrescentando que "houve uma instrumentalização, uma vontade política de usar este contexto [de violência] por parte de um partido – o Chega –, que, tal como em toda a Europa, está atento a este tipo de problemas para radicalizar o seu discurso".
Para Yves Léonard, "a atual crise urbana é alimentada também por problemas sociais que as autoridades [políticas] não querem ver, a começar pela crise habitacional", uma questão que agita a sociedade portuguesa "há vários anos", devido a um "aumento incontrolável dos preços imobiliários".
Além da pobreza, que atinge quase 2 milhões de pessoas, para o historiador, "o crescimento do turismo também contribuiu para o afastamento da população, que já não tem meios para viver perto dos centros das cidades".
"As necessidades turísticas geraram fluxos migratórios significativos no país e esses fluxos são obviamente estigmatizados pelo Chega, que usa um discurso que liga a insegurança à imigração e cria esse sentimento na população", sublinhou o também professor.
A opinião de Yves Léonard foi cimentada pelo sociólogo João Teixeira Lopes, da Universidade do Porto. "Os bairros carecem de tudo. [A violência] é a única forma de expressão dos moradores de bairros desfavorecidos que enfrentam constante violência institucional. É a única forma de serem ouvidos", assegurou o especialista ao France 24.
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