"São tantas as incompatibilidades que são criadas que, a dada altura, só mesmo quem não tenha nada que fazer é que pode ir para o nobre trabalho de intervenção politica", referiu José Pedro Aguiar-Branco, considerando a situação como "excessiva".
O presidente da Assembleia da República abordou o tema ao ser questionado pelo público, na capital cabo-verdiana, Praia, sobre as ameaças à democracia representativa.
Segundo referiu, "caminha-se no sentido da funcionalização" e da "dependência económica do exercício da atividade politica", com "menor representação" da sociedade por parte daqueles "que acha que são os melhores".
"Vejo aí um seríssimo problema relativamente ao recrutamento" e à "disponibilidade de pessoas" para a política, porque "há um anátema logo criado, à partida", em que, se alguém tiver uma incompatibilidade, é olhado "de soslaio", como quem "não deve merecer confiança" e se assemelha a um "malfeitor".
Aguiar-Branco apontou alguns caminhos para "inverter esta dinâmica que foi criada ao longo de muitas décadas, de afastamento das pessoas de bem, que têm muito que fazer, que dão o seu contributo para a sociedade, honestas, decentes e que por estas razoes não podem dar o seu contributo para o bem comum".
"Sou favorável a reduzirmos o regime das incompatibilidades" e a "um maior registo de transparência sã", distinguindo o escrutínio necessário do que classificou como "voyeurismo".
Segundo o presidente da Assembleia da República, "há muita transparência que é voyeurismo que se cria sobre os titulares de funções públicas".
"Devemos de ter o cuidado de perceber que a sociedade não é perfeita e é preciso saber distinguir o acesso a informação que deve ser escrutinada, mas não deve ser sujeita ao 'voyeurismo' que menoriza a vontade de [alguém] se dedicar à causa pública", acrescentou.
Aguiar-Branco defendeu ainda "registos de interesses o mais exigentes possível" e obrigatórios para que "se saiba bem" o que cada um, "em determinado momento, enquanto deputado ou titular de cargo político", tinha como conflito.
"E uma punição rigorosa, severa e rápida a quem violar esse registo de interesses", acrescentou.
Perante a plateia, o presidente da Assembleia da República considerou que, "num mundo perfeito, a conciliação destas valências todas permitiria que a sociedade pudesse escolher os melhores dos seus para os poder representar e eles sentirem a vontade de poder representar a sociedade", concluiu.
José Pedro Aguiar-Branco termina hoje uma visita oficial de três dias a Cabo Verde, em que foi renovado o protocolo de cooperação entre os parlamentos do dois países e defendido o papel da diplomacia parlamentar nas relações internacionais.
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