"Responsabilidade política das guerras foi da ditadura", diz investigador

O jornalista e investigador Carlos Lopes Pereira, nascido em Bissau, defendeu hoje, em Torres Novas, que os movimentos de libertação foram empurrados para a luta armada pela ditadura salazarista, que recusou a proposta de uma negociação pacífica.

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Lusa
16/02/2025 21:53 ‧ há 6 dias por Lusa

Cultura

Ditadura

Numa sessão da 'Roda de Conversa' promovida pelo CHUDE - Centro Humberto Delgado, na aldeia do Boquilobo, no concelho de Torres Novas (Santarém), sobre 'A Guerra Colonial e as lutas de libertação nacional nas ex-colónias portuguesas em África', Carlos Lopes Pereira e o médico ex-combatente e, depois do 25 de Abril de 1974, membro de um comité local do MPLA em Angola, José Vaz Teixeira, foram os "espivatadores" de um debate marcado pelo testemunho emocionado de ex-soldados portugueses marcados pela violência do que foram "obrigados a fazer".

 

"Não há dúvida que a responsabilidade política das guerras foi da ditadura fascista", pois "recusou-se negociar a independência com os movimentos de libertação de forma pacífica", declarou o também responsável pela publicação 'Textos da luta/Amílcar Cabral', lembrando que o "pai" da independência da Guiné-Bissau escreveu, em 1960, uma carta ao Governo português, na qual pedia que os portugueses fossem poupados a uma guerra que Portugal inevitavelmente iria perder, a qual ficou sem resposta.

Carlos Lopes Pereira recordou que "a ditadura não quis falar", pelo que lhe cabe "a responsabilidade da guerra colonial de 13 anos".

Na sua intervenção, o ex-militante do Partido Africano para a Independência da Guiné e de Cabo Verde (PAIGC) e atual diretor de informação da Rádio Voz da Planície, em Beja, alertou para a "deturpação da História", pedindo o reforço da "vigilância contra a falsificação" e a que se mantenha "viva a verdade histórica".

"Ao fim de 50 anos da independência das antigas colónias [é natural] que a História seja feita e refeita [...], mas é necessário ter grande cuidado para combater a manipulação, a falsificação que também acontece, não de maneira ingénua, não por acaso, mas que está associada a determinadas forças políticas que foram sempre contra a independência das colónias e que ainda hoje continuam com um discurso colonialista em relação ao que se passou", declarou.

No debate de hoje, em que se multiplicaram os depoimentos de antigos combatentes portugueses enviados aos 20 anos para uma guerra que, na maioria, não queriam nem compreendiam, ficou claro que "as pessoas têm necessidade de falar".

Mota Pereira contou como esteve entre 1961 e 1965 numa das piores zonas de guerra em Angola, nos Dembos, onde assistiu "a coisas inacreditáveis".

"Matámos, destruímos aldeias, acampamentos, porque fomos obrigados", disse, com lágrimas nos olhos e voz embargada, pedindo que se fale, que se conte o que se passou, em sessões como esta, mas também em escolas, relatando como tem juntado documentos para "tentar compreender".

Mota Pereira lembrou que a maior parte dos jovens enviados para o então Ultramar eram na maior parte analfabetos e "não havia consciência", recordando que, ao entrar nos caminhos dos Dembos (atual província do Bengo), a ordem que recebeu foi: "Daqui para a frente, tudo o que mexer é para matar".

Chorando, confirmou que "houve, sim, bombas de napalm", porque foi testemunha disso.

"Inimigos? Nós é que estávamos a mais. Eles estavam a defender o que era deles", rematou, num testemunho que se seguiu a uma questão levantada por uma jovem.

Mariana, de 23 anos, questionou por que razão 800.000 jovens foram enviados em 13 anos para combater em África e de quem foi a responsabilidade.

Para Carlos Lopes Pereira, "não há dúvida que a responsabilidade política das guerras foi da ditadura fascista" que deixou sem resposta o convite a uma solução negociada, não deixando alternativa aos movimentos que se formaram na sequência da onda nacionalista que despontou no continente, finda a Segunda Guerra Mundial.

O Centro de Estudos sobre o Republicanismo e a Oposição à Ditadura Portuguesa - Centro Humberto Delgado localiza-se na aldeia do Boquilobo, terra natal do opositor a Salazar, assinalando em 2025 os 60 anos do assassínio do 'General sem medo' (13 fevereiro 1965).

Leia Também: Realizador José Filipe Costa alerta para "o fascismo das pequenas coisas"

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