"Era a única voz global de referência que falava dos problemas diretamente sem receio e diante dos poderosos do mundo", afirmou o cardeal eleitor português, na última entrevista antes de se remeter ao silêncio antes do conclave de cardeais.
Hoje António Marto olha para a multidão que se despede de Francisco em Roma e disse sentir um "misto de sentimentos"
"Por um lado, a consternação de ver partir uma pessoa muito querida, muito amada pela gente e por mim, pessoalmente também, mas ao mesmo tempo também de reconhecimento e de gratidão por tudo aquilo que ele foi, por tudo aquilo que ele fez, por tudo aquilo que ele disse, quer para a Igreja, quer para a humanidade e para um mundo em geral", afirmou.
Por isso, de certo modo, este é um momento também de "ação de graças" pela vida de Francisco, num "tempo marcado por muita divisão, muita polarização, muita fragmentação pelas guerras, dos fenómenos migratórios", acrescentou.
Em declarações à Lusa, António Marto recordou as características que Francisco deixou à instituição que liderou: uma "igreja hospital de campanha, sempre disponível para acolher os feridos e ajudar a curar as feridas"; "uma igreja em saída, não fechada em si mesma e não acomodada na sua zona de conforto"; e uma "Igreja sinodal", que não se resume à hierarquia, porque são necessários "todos os membros ativos, participativos, corresponsáveis, em que somos chamados a ouvir-nos todos"
No futuro, "seja qual for o Papa que for tem de prestar atenção à vida interna da Igreja", porque "muitas vezes olha-se para a fé cristã como sendo um conjunto de preceitos, dornas, obrigações e condenações", o que "é uma perversão", porque "a fé não se reduz a um conjunto de normas".
Depois, a "Igreja não existe para si só, existe para estar ao serviço da humanidade, com uma mensagem própria naturalmente que deriva do Evangelho"
Nesse aspeto, Francisco foi "inspirador e iluminador pela atenção aos problemas emergentes", como é o caso da "ecologia integral" que "tem repercussão na vida humana, na vida humana".
Outra das questões abordada foi a luta pela paz. "Não pode haver paz onde não haja fraternidade universal e amizade social, porque hoje corremos o risco de um individualismo exacerbado".
Exemplo disso, foi a carta recente enviada aos bispos dos Estados Unidos para "defenderem a dignidade dos migrantes" e "essa deportação humilhante que a gente vê na televisão".
Outras questões mais fraturantes como o papel da mulher ou a orientação sexual são matérias que exigem "um aprofundamento maior", reconheceu o cardeal.
Apesar disso, "foi um promotor da dignidade da mulher na Igreja, por exemplo", acrescentou.
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