'Buonos dies'. Aqui fala-se Mirandês, a língua dos avós e das crianças

Na terra onde se fala diferente, o Mirandês aprende-se desde tenra idade. No Agrupamento de Escolas de Miranda do Douro, a língua mirandesa é lecionada desde o pré-escolar até ao secundário. O bom dia dá lugar aos ‘buonos dies’ e as escadas são chamadas de ‘scaleiras’.

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Goreti Pera
18/12/2016 08:19 ‧ 18/12/2016 por Goreti Pera

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‘Buonos dies, porsor’, ouve-se à chegada de Emílio Martins à Escola Básica de Palaçoulo. Aqui, todos os alunos aderem à disciplina opcional que, mais do que pô-los a falar Mirandês no dia a dia, os faz compreender que “são detentores de uma cultura diferente” e que “são oriundos de uma terra com características peculiares”.

“O objetivo das aulas de Mirandês e fazer com que os miúdos compreendam que possuímos uma identidade própria que vem de há várias gerações e que temos algo que mais ninguém tem. As crianças reconhecem-no e dizem frequentemente: ‘É assim que fala o meu avô’”, contou ao Notícias ao Minuto Emílio Martins, docente da disciplina há nove anos e um dos cerca de oito mil falantes da segunda língua oficial de Portugal.

No concelho, são cerca de 300 os estudantes que frequentam a disciplina opcional de língua mirandesa. Esta é lecionada exclusivamente no Agrupamento de Escolas de Miranda do Douro desde 1986, quando o Mirandês era ainda considerado um dialeto. Só em 1999 se oficializou o estatuto de segunda língua e a disciplina chegou a todos os anos letivos.

Não deixar que a língua dos avós caia no esquecimento

Sem manuais escolares e dispondo de uma carga horária semanal de 1h30 no primeiro ciclo e de 45 minutos nos restantes, os professores recorrem a ferramentas lúdicas para lecionar a língua. Começam pelas sopas de letras, pequenos diálogos e até jogos tradicionais, e partem, mais tarde, para as peças de teatro e fichas de trabalho.

Para Emílio Martins, lecionar Mirandês é, mais do que um ofício, uma oportunidade para se divertir. Há cerca de quatro anos, começou a brincar com a língua e apostou numa rubrica a que deu o nome de ‘Mirandês for Kids’. Vestido de criança, faz da paisagem do Nordeste Transmontano o cenário para vídeos humorísticos e didáticos, que partilha no Facebook e YouTube e que se multiplicam em visualizações.

“Comecei sozinho, por carolice, a fazer vídeos de humor com personagens associadas à vida quotidiana mirandesa. Depois resolvi fazer vídeos com as crianças, porque na escola não temos muitas ferramentas didáticas para lecionar a língua mirandesa. Existe literatura muito rica, mas não existem manuais escolares”, explicou Emílio Pica, como é conhecido no concelho por ter integrado o primeiro grupo de rock em Mirandês, os Picä Tumilho.

Também nas aulas, a música é uma constante, especialmente quando se fala do primeiro ciclo de ensino. Para atrair a atenção dos alunos e provar que a língua falada pelo avós se moderniza, adaptam-se até temas dos AC/DC. Até porque ao rock já o professor Emílio está habituado.

You bien sei | Que tu simpre fuste bun rapaç | Quires tirar | Bunas notas i nun sós capaç | I tu mai | Contra ti yá parece un tormento | Probiu-te | La net i tamin la Nintendo | Se quejires passar! Ah Ah | Bás tener que t'agarrar | Por esso faç cumo you men | Bai studar iéeh ieeh | Bai studar iee ieeeh | Bai studar iéeeh ieeeh iéeeh | Bai studar iee ehh

A língua que faz de Miranda do Douro um concelho "diferente"

Não é só no Agrupamento de Escolas que o Mirandês é considerado um estandarte. Na Câmara Municipal de Miranda do Douro, os convites dirigidos aos habitantes do concelho são escritos em língua mirandesa. E até um olhar pela toponímia permite concluir que as terras de Miranda do Douro têm algo de diferente. Os nomes das localidades e das artérias surgem escritas em mirandês. Nada que surpreenda os habitantes locais, habituados a uma forma de falar que vem de há várias gerações.

Notícias ao Minuto

Para os amantes do Mirandês e até para quem, apesar de distante, tem curiosidade pela língua, foi criado um tradutor de Português-Mirandês e um dicionário que deixa confuso qualquer pessoa que de Trás-os-Montes conheça pouco.

Ficou curioso? Deixamos-lhe, então, duas sugestões de leitura. Ls Lusíadas an Mirandês e Asterix L Goulés – Mirandês, traduzidos por Amadeu Ferreira, um dos maiores divulgadores e estudiosos da língua.

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