É oficial, a Tabacaria Martins não vai fechar portas. Ana Martins assinou a 30 de janeiro um novo contrato de arrendamento, depois de a manutenção do estabelecimento ter sido ameaçada pela aquisição do prédio por um fundo imobiliário.
É para avançar a reconversão do imóvel em apartamentos de luxo, mas a centenária Tabacaria Martins vai continuar a ocupar o seu lugar no largo do Calhariz, em Lisboa, assegura a responsável.
Sem querer revelar por quanto tempo se prolongará este novo acordo com o senhorio, Ana Martins lamenta a insegurança inerente à lei das rendas.
“Sem estas lojas os roteiros históricos deixam de fazer sentido”, defende. Preservar estes espaços “é uma maneira de não descaracterizar as cidades e de manter o seu histórico, não só para os turistas mas também para as gerações futuras”.
É por isso “com satisfação” que a responsável olha para o projeto de lei apresentado esta semana pelo Partido Socialista no sentido de reconhecer lojas com interesse histórico ou cultural com mais de 25 anos.
Ao enfrentar uma ordem de despejo, o proprietário de A Ginginha Sem Rival chegou a acordo semelhante ao da Tabacaria Martins com o seu senhorio. O prédio será reconvertido num hotel, mas a loja vai permanecer no piso térreo.
Escondida entre os andaimes nas Portas de Santo Antão há meses, a pequena licoraria com mais de 120 anos mantém as portas abertas. O gerente, Nuno Gonçalves, aguarda ansiosamente a retirada do estaleiro, prevista julho de 2017.
“A lei foi tão bem feita para os agentes imobiliários que eles podem despejar os inquilinos em seis meses, mas ninguém os obriga a começar as obras de reabilitação em seis meses”, condena.
Nos termos atuais da lei do arrendamento urbano, aprovada em 2012, os senhorios dispõem da faculdade de despejar os inquilinos sem necessidade de qualquer ação judicial. Basta que a denúncia do contrato seja comunicada com seis meses de antecedência e tenha por fundamento a “demolição ou realização de obra de remodelação ou restauro profundos que obriguem à desocupação” do espaço arrendado.
“Não estamos a falar de negócios moribundos que subsistem à custa de rendas baixas. Estamos a falar de negócios nacionais, muitos deles com centenas de anos, em ótima situação financeira, e mesmo assim são despejados em seis meses. Se isto não é uma ditadura parece”.
Há 101 anos que o número 95 da Rua do Alecrim, é casa do principal ponto de venda da Sant'anna, a última fábrica em Lisboa de azulejos e faianças feitos à mão. Algo que pode mudar muito em breve.
O grupo Visabeira adquiriu o prédio para construção de um hotel e enviou uma ordem de despejo a todos os inquilinos, incluindo a loja da Fábrica de Sant'Anna.
Ao contrário das lojas supracitadas, a loja histórica não conseguiu chegar a acordo. “Gostava de ter boas notícias para dar, mas não são as melhores”, diz Francisco Tomás, diretor comercial da Sant'anna.
“Nós não somos contra o hotel, somos pela manutenção da loja”, reforça o responsável. O grupo pretende que o hotel se inspire em Bordalo Pinheiro, pelo que ter uma loja de cerâmica no rés-do-chão “faria todo o sentido”, mas as conversações arrastam-se desde 2015.
“É preciso sensibilizar os proprietários e os investidores para o facto de que a cidade é histórica e tem o seu charme pelos lisboetas e negócios que a habitam. Ninguém viaja para a outra ponta do mundo para ver hotéis. Ao matarmos isso estamos a matar a cidade”.
Saliente-se que, segundo a União das Associações de Comércio e Serviços, das 300 lojas que compunham o programa ‘Lojas com História’, da Câmara de Lisboa, cerca de 120 fecharam.