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"Idosos não podem ser considerados mercadoria para beneficiar interesses"

Lino Maia, representante das instituições de solidariedade, lamenta que o setor social não esteja representado na concertação social e louva a preocupação manifestada pelo Presidente da República para com os mais desfavorecidos. Sobre os idosos e lares ilegais encerrados, manifesta preocupação. Até porque, "quando um lar clandestino é encerrado, é muito difícil arranjar uma alternativa para os idosos".

"Idosos não podem ser considerados mercadoria para beneficiar interesses"
Notícias ao Minuto

08:30 - 23/02/17 por Goreti Pera

País Lino Maia

O presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS) está em negociações com o Governo para encontrar medidas que compensem o aumento do salário mínimo nacional. Sobre este debate, tece elogios ao ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Viera da Silva: “É muito sensível e conhece muito bem esta área”.

Em entrevista ao Vozes ao Minuto, Lino Maia mostra-se preocupado com a existência de lares ilegais no país. “Quando um lar clandestino é encerrado, é muito difícil arranjar uma alternativa para os idosos”, lamenta.

Como é que vê o papel do Presidente da República junto das instituições de solidariedade e a preocupação que tem manifestado para com os sem-abrigo?

Este Presidente está muito atento e os anteriores também. Nunca vi um Presidente da República distante dos problemas da comunidade. Este [Marcelo Rebelo de Sousa] tem uma forma de estar muito viva, atuante e presente e sempre acompanhou este setor, sendo até dirigente de IPS’s. É um homem muito sensível a este setor e a sua atuação é uma forma de estimular os dirigentes que nem sempre são convenientemente respeitados, defendidos e valorizados.

Ter um Presidente tão próximo do povo e que se mostra preocupado com setores desfavorecidos da sociedade faz com que o próprio Executivo lhes dê mais atenção?

Eu tenho notado, desde que estou na CNIS, que tem sido progressiva a atenção dos governos ao setor. Independentemente da atuação do Presidente da República, que é absolutamente louvável, noto neste ministro [da Solidariedade e Segurança Social] uma grande compreensão e sensibilidade. Mas repito: os recursos são finitos e, portanto, nem sempre se pode fazer aquilo que se queria. Mas vai-se caminhando.

O Governo socialista dá mais ou menos importância ao setor social do que o anterior governo PSD/CDS?

São visões algo diferentes. Em Portugal todos os partidos defendem o Estado social. Agora a questão que tem sido debatida é se deve ser o Estado a prestar diretamente os apoios e a organizar diretamente as respostas ou se deve respeitar a subsidiaridade e a organização feita pelos próprios cidadãos, ou seja, se deve ser o Estado a fazer tudo ou se deve respeitar quem o faz na proximidade. Eu sou absolutamente a favor de um Estado que reconhece quem faz, que apoia, coordena, regula e supre necessidades, para que ninguém fique para trás. Se a sociedade não se organiza, o Estado tem então de implementar essas respostas. Esta é a minha visão, mas nem todos estão de acordo com ela. É na proximidade que se prestam melhores serviços, para além de eventualmente ficar mais barato. É melhor termos uma sociedade que se corresponsabiliza pelos seus cidadãos em vez de ser apenas dependente das iniciativas do Estado.

Noto neste ministro uma grande compreensão e sensibilidade

Passa por ensinar o povo a pescar ao invés de lhe dar o peixe?

Às vezes é preciso tudo: dar o peixe e ensinar a pescar. Sobretudo é importante que, na proximidade, as pessoas sintam que a sorte do seu vizinho é a sua sorte. Não estarmos à espera do Estado mas organizarmo-nos para que não falte a ninguém aquilo de que precisa para ter um futuro bom.

Mas, por muito que as pessoas se organizem, são necessárias verbas. É aqui que tem de entrar o papel do Estado?

Claro, e entra o Estado exatamente para que estas organizações o façam. Os que têm mais dificuldade muitas vezes não podem pagar os serviços que lhe são prestados. Por isso é que o Estado cobra impostos, para apoiar estas instituições. Mas não é só no cobrar impostos e distribuir apoios financeiros que o Estado é importante. É-o também para a regulamentação, a supressão e universalização das respostas.

Os acordos de cooperação com o Executivo já foram atualizados este ano? Já foi definido algum valor?

Ainda não, estamos precisamente em diálogo para chegar a uma atualização, que nunca será a desejável, será a possível. A atualização este ano tem em atenção o aumento do salário mínimo, que é muito importante e que ainda não é suficiente, e o aumento de custos nas instituições. Espero que até ao final do mês de fevereiro possamos chegar a uma conclusão final, que terá retroativos a partir de 1 de janeiro.

Falou-se numa atualização acima do valor da inflação. É isso que considera justo?

Terá de ser, até porque a inflação nestas instituições é sempre muito mais elevada do que na economia comum. A massa salarial nestas organizações representa mais de 50% da despesa e em muitas chega a atingir os 70%, enquanto no resto da economia andará nos 13% a 15%. Aqui, os salários têm um impacto muito grande e têm estado menos protegidos os trabalhadores destas profissões, porque ganham menos do que ganhariam noutra atividade económica. Nós temos de ser justos para com os trabalhadores destas instituições.

Portanto, ainda não foi definido com o Governo que medidas serão aplicadas para compensar o chumbo da redução da TSU?

É isso que estamos a debater. Devo referir que a descida da TSU em 1,25% não tinha grande impacto. Agora estamos a estudar e penso que vamos chegar a uma boa conclusão (ou a possível), até porque da parte do Governo temos um ministro que é muito sensível e que conhece muito bem esta área.

Se a atualização para 2017 for superior a 3,5%, penso que estará num bom caminho

A que valor considera que seria necessário chegar para compensar de forma justa o aumento do salário mínimo?

Tendo em atenção a necessidade de revermos toda a tabela salarial, precisaríamos de uma atualização bastante elevada para ir pondo progressivamente os nossos trabalhadores ao nível praticado na Função Pública. Se a atualização para 2017 for superior a 3,5%, penso que estará num bom caminho. Não tenho a menor dúvida que, da parte do Governo, haveria vontade de ultrapassar esse valor, mas os recursos são finitos e provavelmente o Estado não tem meios para uma atualização superior a 3,5%. No ano passado, a atualização foi de 1,3%. Este ano espero que seja superior, porque se for desse nível ficaremos com imensas dificuldades.

Considera que os representantes de IPS’s, misericórdias e mutualidades deveriam integrar a concertação social?

Sem dúvida que deveria haver um representante deste setor, até porque este é um setor muito empregador (temos mais de 250 mil trabalhadores). Há organizações patronais que representam muito menos trabalhadores. Na concertação social, alguém que fale por este setor seria importante e equilibrador. Somos um setor empregador muito especial, os nossos dirigentes não são remunerados e eles próprios são muitas vezes trabalhadores.

Mas é uma possibilidade que alguma vez lhe foi colocada?

Está agora em reformulação o Conselho Económico e Social. Eu tenho falado disso e não sou só eu a falar. Provavelmente, no CES haverá – espero eu – condições para se aprofundar melhor a conveniência [desta medida] e avançar nesse sentido.

Quando um lar clandestino é encerrado, é muito difícil arranjar uma alternativa para os idosos

Nos últimos dias, têm sido encerrados vários lares por funcionarem de forma ilegal ou por não terem condições dignas para albergar os utentes. Isto preocupa-o?

É evidente que me preocupa a existência de lares clandestinos. Em Portugal há lares lucrativos, que não são IPS’s, muitíssimo bons. E há outros que deixam muitas dúvidas. É importante o acompanhamento para que não haja lares ilegais. Os idosos não podem ser considerados uma mercadoria para beneficiar interesses nem sempre claros.

Mas isto levanta uma outra questão: pode haver lares ilegais que o são porque o processo de legalização é moroso e isso pode favorecer a abertura de lares ilegais. Talvez seja conveniente que o processo de legalização seja mais célere, sem deixar de ser sério e exigente.

Haverá um aproveitamento por parte de algumas pessoas pelo facto de haver falta de instituições para acolher, por exemplo, idosos?

Há um aproveitamento por parte de alguns protagonistas que querem ganhar dinheiro e abrem lares sem condições. É um negócio lucrativo. É preciso que, da parte da Segurança Social, haja um grande acompanhamento para evitar que os idosos sejam encarados como uma mercadoria.

Que soluções se podem encontrar, tendo em conta que quando um lar ilegal é encerrado há idosos que ficam sem um teto?

A maior parte dos idosos em lares está em IPS’s (são mais de 50 mil pessoas). Mas não temos capacidade para muito mais, sobretudo em algumas zonas com maior densidade populacional. Quando um lar clandestino é encerrado, é muito difícil arranjar uma alternativa para os idosos. Temos de estar atentos a isso.

*Pode ler a segunda parte desta entrevista aqui.

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