Comprou prédio por 347 mil e quer vendê-lo por milhões. Robles explica-se

Apesar de Ricardo Robles ser um dos mais acérrimos opositores da especulação imobiliária, na qual o mercado lisboeta se vê imerso, está a vender um imóvel onde arrecadará, juntamente com a irmã, uma mais-valia de cerca de quatro milhões. O bloquista defende-se e assegura não estar em causa "nenhuma contradição".

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© Blas Manuel

Filipa Matias Pereira
27/07/2018 13:05 ‧ 27/07/2018 por Filipa Matias Pereira

Política

Polémica

O vereador do Bloco de Esquerda (BE) na Câmara Municipal de Lisboa, Ricardo Robles, recorreu às redes sociais para explicar a polémica em que está envolto, subordinada à aquisição de um imóvel em 2014 e à sua intenção de venda, conforme avança a edição desta sexta-feira do Jornal Económico.

A cada pessoa é reservado o direito da reserva da intimidade da vida privada, conforme preceitua a Constituição da República Portuguesa, porém a polémica que está a marcar a atualidade noticiosa instalou-se porque o bloquista é partidário de uma política contrária à especulação imobiliária que se instalou nos principais focos populacionais do país, sobretudo na capital. Essa foi, aliás, um bandeira de campanha nas autárquicas de 2017. Acontece que, com a venda do imóvel, Robles e a irmã poderão vir a partilhar uma mais-valia que rondará os quatro milhões de euros. No entanto, o bloquista não vê aqui "nenhuma contradição". 

Pugnando por uma política de transparência, o vereador explica então que, em junho de 2014, adquiriu, “em conjunto com a irmã”, um imóvel sito na Rua Terreiro do Trigo, Nr.º 6 a 26, pelo valor de 347 mil euros. Ainda nesse ano, em outubro, a autarquia da cidade ter-lhe-á comunicado, certifica Robles, “a necessidade de realização de obras considerando o mau estado do prédio”.

Foram então iniciados os trâmites para um processo de licenciamento para obras junto da Câmara Municipal de Lisboa (CML), sendo que a obra foi licenciada em 9 de novembro de 2015 e o alvará emitido em fevereiro de 2016. Em março do ano seguinte, as obras estavam concluídas.

O valor gasto em todo o processo de aquisição - projetos, licenças e obra – rondou, garante o vereador da autarquia, “um milhão de euros”, tendo este valor sido financiado pela família e com recurso a um empréstimo bancário contraído junto da Caixa Geral de Depósitos.

Este ano, explica ainda na publicação na sua página oficial de Facebook, aceitou, “por razões familiares”, que o prédio fosse colocado à venda. Uma venda que, aliás, foi entregue no final do ano passado a uma imobiliária que o “avaliou em 5,7 milhões de euros”. Até ao momento o imóvel ainda não foi comercializado e já não se encontra no mercado, apesar de se manter a “intenção de venda a breve trecho”, advoga.

A informação, sublinhe-se, foi avançada pelo Jornal Económico na edição desta sexta-feira, mas o bloquista, antecipando-se, remeteu para as suas contas nas redes sociais algumas explicações prévias. Já esta manhã, optou então por se alongar um pouco mais nos esclarecimentos, partilhando as respostas que deu ao meio de comunicação quando confrontado com a notícia.

Ora, o Jornal Económico coloca ainda em cima da mesa a questão dos despejos dos inquilinos do edifício. Mas Ricardo Robles desmente perentoriamente. “Não é verdade. No momento da aquisição o imóvel tinha cinco contratos de arrendamento ativos: um escritório, uma habitação e três lojas. A todos, logo após a aquisição, foi formalmente comunicada a intenção de manutenção dos respetivos contratos”, assegura. Apesar de os arrendatários do escritório e de duas lojas terem renunciado aos contratos, o mesmo não aconteceu com a pessoa que geria a outro dos espaços, um restaurante, a quem foi apresentada uma proposta de aumento de renda de 270 euros para 400 euros mensais. Ora, este valor foi recusado e, em contrapartida, o arrendatário propôs uma renúncia do contrato mediante a indemnização de 120 mil euros por benfeitorias realizadas.

Explica ainda o vereador bloquista que para a realização das obras no edifício tornava-se imperioso o encerramento temporário do estabelecimento, pelo que se acordou “com o inquilino, em tribunal, a sua saída em outubro de 2016, com indemnização”.

Mas havia também quem habitasse no prédio, nomeadamente um casal que tinha um contrato de arrendamento que não estava em seu nome. O casal “manifestou vontade de permanecer na mesma habitação, o que aconteceu, realizando contrato novo e regular”, com uma renda de 170 euros a oito anos acordados mutuamente.

Já quando confrontado com “os factos contraditórios”, considerando-se que a veracidade dos factos é contrária ao programa pelo qual foi eleito para a Câmara, Robles defende-se e alega que “não há qualquer contradição”. O programa eleitoral “que apresentei à CML é claro na defesa do direito à habitação e de oposição aos despejos. O casal que vive neste imóvel nunca viu o seu direito à habitação posto em causa. Pelo contrário, viu a sua situação regularizada com um novo contrato, cujo valor de renda, prazo e restantes termos acordou previamente”.

Apesar de ter aumentado a renda de um imóvel, de terem sido perdidos postos de trabalho em relação ao restaurante, e de manter a intenção de vender o prédio com uma mais valia que ronda os quatro milhões, Robles assegura que “não existe contradição”, já que desde o início manteve a “intenção de manter os arrendamentos” e regularizou “o arrendamento do casal que ocupava a única fração de habitação do prédio”.

O único inquilino que não esteve de acordo com a libertação do espaço durante o período das obras, acrescenta, “foi o da loja nº14 [restaurante]. Isto apesar da minha proposta de continuidade do arrendamento após as obras, com uma atualização de renda de 270 para 400 euros. Este valor está abaixo do que a 'lei Cristas' permitiria fazer e dos preços de mercado para um estabelecimento de restauração em Lisboa e em particular naquela zona. Mantém-se a nossa intenção de colocar o imóvel no mercado, por decisão familiar. A minha conduta como co-proprietário deste imóvel em nada diminui a legitimidade das minhas propostas para parar os despejos, construir mais habitação pública e garantir o direito à cidade”.

Face às circunstâncias, o Partido Social Democrata (PSD) já veio exigir a demissão de Robles "por manifesta falta de ética, de seriedade e de credibilidade política para permanecer no cargo de vereador na cidade de Lisboa". 

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