"O objetivo não é sermos engraçadinhos. A carga fiscal não é para rir"

João Cotrim Figueiredo, cabeça de lista da Iniciativa Liberal por Lisboa, é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto.

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Melissa Lopes
02/10/2019 08:55 ‧ 02/10/2019 por Melissa Lopes

Política

João Cotrim Figueiredo

"Um Estado que seja menos ‘nanny state’ e muito mais: ‘atira-te, se houver chatices a sério, nós estamos cá’. Esta é a visão que a Iniciativa Liberal defende para Portugal, um país onde a "energia" de cada um, individualmente, está a ser desperdiçada.

João Cotrim Figueiredo, ex-presidente do Turismo de Portugal, é o rosto da Iniciativa Liberal em Lisboa, onde o partido considera ter boas hipóteses de eleger um deputado.

Em entrevista ao Notícias ao Minuto, o candidato afirma que, por motivos históricos, as ideias liberais nunca vingaram em Portugal por existir um certo estigma e garante que “a melhor barreira ao populismo é a discussão do liberalismo”.

A implementação de uma taxa de IRS única de 15%, a privatização da RTP, CGD, TAP, a descentralização do Estado são as bandeiras do partido, a par com uma maior “liberdade de escolha” na saúde e na educação e o combate à corrupção.

O partido liderado por Carlos Guimarães Pinto não se arruma nas gavetas clássicas direita/esquerda. Mas isso, acentua Cotrim Figueiredo, não esvazia o partido de ideologia. 

No ambiente, o candidato discorda do alarmismo em que o mundo está a mergulhar, aponta soluções para cada problema e lembra que já resolvemos coisas piores. No dicionário da IL há uma palavra que não pode existir: proibir, seja em que área for. Vê a fiscalidade verde com bons olhos, defende a liberalização da eutanásia e o uso da canábis para fins recreativos. Quanto à abolição das touradas, para a IL devem ser as autarquias a decidir.

 Desapareceu completamente do discurso político a necessidade de reforçar a liberdade individual

Como é que surgiu o convite para encabeçar a lista pela Iniciativa Liberal? Já tinha pensado em lançar-se nisto da política?

O primeiro contacto que tive, já nem sei se do Carlos Guimarães Pinto ou se do Rodrigo Saraiva, foi bastante tentador. [Perguntaram] se poderia colaborar mais com o partido, se havia interesse em colaborar mais. Não fazia ideia que isso ia materializar-se num convite para as listas e muito menos para cabeça de lista. Quando o convite se materializou a questão que se colocou foi a de saber se era possível continuar tão desiludido, tão indignado, tão preocupado até com a situação do país, e manter a participação cívica, que estava ao nível das tertúlias, da participação em determinado tipo de movimentos cívicos, mas que não iriam de facto mudar as coisas.

Tenho consciência que quem quiser fazer diferença ao nível do país e das pessoas tem de ter uma componente institucional e não há melhor institucionalização do que o Parlamento. Pôr um pé no Parlamento passou a ser um primeiro passo importantíssimo para a afirmação de um partido e as ideias que este defende. O que faltava fazer depois era a vida pessoal, arrumá-la o suficiente para poder dedicar o tempo ao longo dos quatro anos que eu espero estar ocupado com esta luta. E uma vez isso conseguido, foi com grande gosto que aceitei o desafio.

Esse desalento com o estado do país que o motivou a ingressar agora na política relaciona-se, de algum modo, com o certo desalento da Direita?

Não. Relativamente aos partidos que estavam a fazer oposição, a única coisa que eu digo e analiso é que não aparecia ninguém a discutir o fundamento, a lógica das ideias. Toda a gente estava a discutir o ritmo das ideias, a profundidade das ideias, mas não as ideias em si. Ou seja, as ideias liberais que em Portugal, por motivos que são históricos, nunca tiveram verdadeiramente um espaço de repercussão, nunca foram verdadeiramente mainstream. E é estranho porque é a família política mais representativa na Europa. Em Portugal, [as ideias liberais] nunca tiveram esse mainstream e tiveram crescentemente ausentes do debate político. Não se discutem ideias liberais com abertura.

Ao não incidir sobre a liberdade individual, o debate político acaba por enfraquecer muito a sociedade civil Há um estigma?

Talvez. Há certamente uma falta de hábito. Sobretudo nos últimos tempos, e voltando ao tema do desânimo, o que eu acho é que desapareceu completamente do discurso político a necessidade de reforçar a liberdade individual. Porque são as pequenas lutas que cada um faz pela sua liberdade, resistir à prepotência daquela pessoa, resistir àquela nova taxa, resistir àquela nova obrigação de fazer uma escolha de escola, uma escolha de hospital. Se cada um resistir uma micro-escala, acaba por constituir uma sociedade muito mais resiliente relativamente aos poderes mais pouco escrutinados, mais despóticos que quer o Estado quer as empresas muito grandes têm. Ao não incidir sobre a liberdade individual, o debate político acaba por enfraquecer muito a sociedade civil.

Que críticas é que tem a fazer à governação de António Costa, à Geringonça?

Seria difícil saber por onde começar. Acho que há um grau de incompetência muito grande. Isto vê-se na qualidade dos serviços públicos, todos os dias vemos coisas que não funcionam e que tem a ver às vezes com a falta de recursos mas muitas vezes com falta de organização, falta de objetivos, falta de gestão. Depois vemos, talvez ainda mais preocupante, falta de ambição. É gente que chega a crescimentos de 1,5% e que prevê, segundo o Conselho de Finanças Públicas, crescer 1,4%, 1,2% doravante e acha que chegou a algum sítio que merece ser preservado, quando o salário médio continua a 953 euros por pessoa em Portugal, o que é uma autêntica vergonha passados 45 anos do 25 de Abril.

É isto que estamos a oferecer às pessoas que saem das universidades, é isso que estamos a oferecer à nossa geração, não só uma entrada no mercado de trabalho muitíssimo mal paga, mas com uma progressão lentíssima, o que torna impossível aspirar a constituir família, ter projetos de vida, subir na vida com base no trabalho. Isso é de uma falta de ambição que eu não tolero. E como tenho quatro filhos, e muita gente nessa camada etária quase a começar a vida profissional, noto particularmente que as oportunidades que eles têm são piores do que aquelas que eu tive. Não faz sentido. Um país que 30 anos depois da inserção europeia, com muitos fundos europeus, acaba a oferecer menos oportunidades. Está tudo ao contrário.

E tenho um dado que gosto sempre de usar, é aquele que emocionalmente mais me toca. Há anos que somos dos países europeus com maior consumo de ansiolíticos. Só este dado devia ser suficiente para alguém parar e dizer que algo está profundamente errado. Isto não é só uma questão de ansiedade, depressão e tristeza.

As pessoas já se resignaram a que isto é mais ou menos aquilo a que se pode aspirar. E a falta de esperança é uma forma de morte na nossa opiniãoÉ de quê?

De falta de esperança. As pessoas já se resignaram a que isto é mais ou menos aquilo a que se pode aspirar. E a falta de esperança é uma forma de morte na nossa opinião.

E o que é a Iniciativa Liberal propõe para inverter isso?

Essencialmente fazer aquilo que os países com políticas liberais tem sido a regra – libertar as pessoas de obrigações e de imposições desnecessárias.

Nós, portugueses, temos muito mais capacidades do que aquelas que nos estão a deixar mostrar

Tais como?

Desde logo na parte fiscal, isso já é bastante conhecido das nossas posições. Mas também tudo o que seja liberdade de escolha de serviços públicos que são importantes como a prestação de serviços da saúde ou a educação. Se as pessoas conseguirem escolher melhor o destino que querem dar ao seu tempo, ao se dinheiro, aos seus talentos, acabam por conseguir um desenvolvimento pessoal e uma realização pessoal e individual muito superior, e isso posto ao serviço da sociedade, multiplicado por milhões de pessoas, faz com que a sociedade como um todo se desenvolva.

Nós, portugueses, temos muito mais capacidades do que aquelas que nos estão a deixar mostrar. Por isso é que muitas vezes, portugueses colocados noutros ambientes, noutras culturas, noutros sistemas políticos e económicos conseguem desabrochar completamente, por isso é que alguns pólos – infelizmente poucos e pequenos – de prosperidade económica em Portugal têm sido construídos à volta da criatividade, da imaginação, da capacidade de trabalho. E isso faz-se libertando as pessoas de tudo o que são obstáculos desnecessários ao seu desenvolvimento.

As pessoas devem ser livres não só na economia mas também na política e nas suas vidas privadas

E posto isso, o que é que distingue a Iniciativa Liberal do PSD e do CDS?

Muita coisa. Apesar de tudo, PSD e CDS são bastante diferentes. Diria que o PSD é um partido assumidamente social-democrata, assume que para o Estado um papel muito mais importante que nós achamos necessário na efetiva prestação dos serviços públicos e na importância que tem na economia. Nós achamos que o Estado deve ser essencialmente um garante destas condições de liberdade de que eu falei e um regulador das atividades económicas que estejam efetivamente descentralizadas. Já o CDS tem uma visão económica mais liberal mas tem uma visão do resto da sociedade muito mais conservadora. Afasta-mo-nos aí muito. Nós achamos que as pessoas devem ser livres não só na economia mas também na política e nas suas vidas privadas.

E como é que olha para uma possível Geringonça à direita? Era desejável uma situação dessas?

Isso tem que ser vistos nas circunstâncias concretas. Não é possível responder no abstracto. O que nós dizemos é que há muito mais pontos de convergência em espaços não socialistas do que em socialistas. Temos dificuldade em arranjar pontes com quem defenda um papel do Estado demasiado importante e que não corresponda a uma redução do papel que hoje já tem. E não falamos só da carga fiscal, falamos do peso que o Estado tem na economia, continua a ser dono de um banco (CGD), continua a ser dono de uma televisão (RTP), continua a ser dono de metade da TAP. Não faz sentido o Estado estar metido na economia nesse sentido. E não faz sentido também o Estado ser o único fornecedor de alguns serviços, como a saúde pública e a educação pública, quando devia ser o garante da prestação desses serviços por quem quer que fosse a prestar melhor, fazendo com que a escolha fosse do cidadão e não imposta pelo Estado.

E assim sendo, com quem é que nunca aceitaria um acordo?

Nem com extremistas à esquerda nem com extremistas à direita.

A Iniciativa Liberal é um partido de Direita, correto?

Não sei, diga-me se quem defende a atual legislação do aborto ou o casamento homossexual é à direita ou à esquerda. Percebo que a questão queira ser tida nesses termos, arruma um bocadinho, mas já passámos essa fase. A grande distinção é entre aqueles que defendem a abertura e a liberdade e aqueles que são imobilistas, estatistas, que querem regras para tudo e que querem obrigar as pessoas a viver de acordo com determinados cânones. Francamente, isto não é uma questão sofista ideológica, não sei mesmo se classificaria a IL de esquerda ou de direita.

Está mais ou menos como o PAN …

Nós temos muita ideologia. Desafio é qualquer pessoa a olhar para as nossas posições ideológicas e dizer se somos de esquerda ou de direita.

À partida, toda a gente indica o IL como sendo de direita.

Porque somos um grande opositor do socialismo. Mas o socialismo não é a única ideologia à esquerda.

O Estado sabe que o IRS é um problema para a retenção de talento em Portugal

A implementação de uma taxa única de IRS de 15%, como propõe a IL, parece-lhe uma medida justa?

Parece. Por um lado, não é só o desagravamento fiscal que isso implica, é também a simplificação fiscal que se aplica a todos. Temos níveis de isenção, quer de rendimento, quer de dedução por cada filho, que permitem também ter componentes de apoio à natalidade, e introduz um verdadeiro incentivo àquilo que se pode chamar subir na vida através do trabalho. Hoje em dia, qualquer pessoa licenciada, ao 3.º, 4º ano depois de estar empregada, facilmente está no terceiro ou quarto escalão e com taxas marginais de 37%, 45%. Muito facilmente. E isso é um desincentivo a querer subir na vida brutal. Tanto é assim que Portugal é dos países da UE com maior taxa imigração entre os licenciados. Alguém que queira auferir um salário líquido superior, consegue-o muito mais facilmente fora de Portugal, exatamente porque as empresas aqui têm que pagar muitíssimo mais para que chegue o mesmo líquido ao fim do mês.

E ao mesmo tempo, o Estado até já reconheceu que isto é um problema, dizendo aos licenciados que já emigraram para regressarem, pagando durante x tempo metade do IRS. O Estado sabe que o IRS é um problema para a retenção de talento em Portugal. E como é que se quer fazer um renascimento e uma revigoração do tecido económico português sem contar com os melhores talentos? Não parece possível. Portanto, não só é uma medida justa como é absolutamente necessária para o desenvolvimento e redignificação para o trabalho.

Em vez de usar a folga adicional para baixar a carga fiscal sobre todos os portugueses, PS decidiu distribuí-la em benesses para as suas clientelas eleitorais

Há pouco perguntei-lhe que críticas tinha a fazer a Costa, pergunto-lhe agora se tem algum positivo a apontar?

Tem. Na aparência das coisas, o controlo das contas públicas é uma coisa que a IL vê como muitos bons olhos. Mas não deixo logo a seguir de ver como é que ele foi atingido. Há contas que já foram feitas, e não vou chover no molhado, relativamente às cativações que foram feitas, ao uso inteligente de determinados mecanismos orçamentais, à bonança que foram os juros muito baixos sobretudo à boleia da política do BCE. Mas há mais coisas que aconteceram completamente caídas do céu e que o PS, em vez de usar essa folga adicional para baixar a carga fiscal sobre todos os portugueses, decidiu distribuí-la em benesses para as suas clientelas eleitorais um mês antes das europeias e agora volta a a fazer promoções dos militares anunciadas a 15 dias das eleições. Resolve ir largando as folgas que tem neste tipo de manobras eleitoralistas, em vez de beneficiar toda a gente.

E esse tipo de bonanças o que é que foram? Foram criados em Portugal – e nos saudamos isso, é um bom sinal – 350 mil postos de trabalho, embora não sejam grandes empregos. Desses 350 mil, o PS esperava obter, de acordo com o plano com que se apresentou a eleições, 240 mil. Há aqui 110 mil postos de trabalho criados a mais, apesar de o crescimento ter sido inferior. Já estou a usar estes números revistos do INE. Dando de barato que esses números são bons, no conjunto da legislatura cresceu-se menos do que esperado e criaram-se mais 110 mil postos de trabalho do que o esperado. A consequência disto, além de ser bom para quem encontrou trabalho: poupou-se muito dinheiro em prestações sociais e permitiu um desafogo grande na Segurança Social.

Houve 10 mil mil milhões que caíram do céu nesta legislatura

Mas …

O que é que se fez com esse dinheiro? Quando se somam estas coisas todas, mais os dividendos do Banco de Portugal, que nunca foram tão altos (só em 2018 atingiram mil milhões de euros entre dividendos e IRC), houve 10 mil mil milhões que caíram do céu nesta legislatura e que o PS não estava à espera de ter no seu próprio plano. E com esses 10 mil milhões de euros o que é que fez? Reduziu muito o défice? Reduziu mais, foi além da troika, se a troika ainda cá estivesse. E fez mais o quê? Fez as tais distribuições eleitoralistas e não desceu a dívida pública. Essa, pelo contrário, vai acabar acima do que esse plano previa. Previa 118,4% do PIB, vai acabar em 119% ou um pouco mais.

Portanto, temos aqui uma gestão muito hábil daquilo que foram as Finanças Públicas. Não vou negar que estamos satisfeitos com as contas públicas equilibradas e com a criação de emprego, mas a forma como isso foi feito hipotecou-se boa parte do futuro. Não foi aproveitada esta folga para se fazerem coisas que teriam muito mais benefício no futuro e empregos de melhor qualidade do que estes que foram criados nos últimos quatro anos.

O nosso objetivo não é sermos engraçadinhos, não é ficar na história como os irreverentes da campanha de 2019 António Costa tem em mente apostar nos próximos quatro anos no investimento.

A expressão que eu mais oiço da boca do nosso primeiro-ministro durante esta campanha é “na próxima legislatura”. Os serviços públicos vão melhor na próxima legislatura, a qualificação do emprego é na próxima legislatura. Parece que quatro anos não chegaram quando a conjuntura teria permitido fazer muito mais

A Iniciativa Liberal é um partido jovem mas que tem conseguido captar a atenção com os cartazes fora da caixa. Quem é o cérebro desta criatividade toda?

Há um cérebro coletivo, há pessoas na comunicação. Rodrigo Saraiva, o próprio presidente do partido, Carlos Guimarães Pinto, também se envolve muito nessas questões, e temos o apoio do Manuel Soares de Oliveira, que a título individual tem dado um aporte de criatividade fantástico. Estamos bastante interessados em ter uma comunicação que seja efetiva, e usamos a irreverência e o humor nesse sentido, mas estamos sobretudo interessados em que a mensagem passe. O nosso objetivo não é sermos engraçadinhos, não é ficar na história como os irreverentes da campanha de 2019.

Notícias ao MinutoOutdoor da IL na Alameda, em Lisboa© IL

Mas já estão na história como os irreverentes da campanha de 2019.

Sim, mas vamos passar além disso. Somos os irreverentes que puseram na agenda temas importantes. A carga fiscal não é um tema para rir. Pode-se ridicularizá-la, pode olhar-se para o lado mais caricato da questão, pode-se transformá-la num jogo de monopólio. Todos os dias, há 35% da riqueza nacional que acaba fora das mãos de quem a gera. Se vierem aqui e lhe roubarem um terço do seu café, qual é a sua reação? No mínimo é de indignação. Todos os dias isso acontece com todos os cidadãos e empresas portuguesas. Não faz sentido que ninguém se rebele. Se cada um de nós, na sua esfera individual, se indignar e resistir a essa (o)pressão, torna-se mais difícil que os governos de turnos deem de barato que podem fazer isso aos portugueses e que ninguém vai refilar. 35% de carga fiscal é uma brutalidade em qualquer parte do mundo.

Agora que estamos em campanha, como é que tem sentido o pulso das pessoas em relação à IL?

Nós já estamos em campanha há mais tempo. Como temos menos meios, achamos que devíamos começar mais cedo. Devo dizer que a recetividade tem excedido as minhas expectativas e nomeadamente em dois grupos. Aqueles que já votaram, e que começam as conversas com a lógica de ‘já desisti, não adianta’ e que, quando nos dão mais de 30 segundos, uns minutos, em que ficamos à conversa, ficam muito atraídos, porque os próprios sentiam que o desânimo que sentiam correspondia à tal estagnação e a tal desesperança de que eu já falei.

O outro grupo, que me agrada imenso ver, é o dos primeiros votantes, aqueles que nunca votaram, que vão votar pela primeira vez e se juntam a nós com um entusiasmo típico de quem vai votar pela primeira vez. Vêm ter connosco e aderem. E não estamos a falar de facilidades para a juventude, estamos a falar da libertação das suas energias com a consequente libertação, dando espaço para decidirem sobre o seu futuro, vamos também responsabilizá-las por aquilo que seja ou não seja conseguido. E, curiosamente, vem também muito gente de uma idade já avançada, que diz ‘vim porque o meu filho, ou o meu sobrinho me disse que a IL é que era e eu tinha de conhecer esta proposta’.

Ao estar a apanhar estes dois grupos, estamos afazer um favor enorme à democracia: estamos a interessar os jovens e estamos a fazer voltar a trazer de casa aqueles que já tinham sentado no sofá. Acho que estamos a fazer serviço cívico e eu só não peço um subsídio do Estado por isso porque sou liberal, porque acho que merecia (ironia).

Há também miúdos com 15, 16 anos, que não votam e vêm com as bandeiras e tudo.

Já que fala nessa geração, pergunto-lhe se é favorável à ideia do PAN de alargar o direito de voto aos 16 anos?

Não foi uma coisa que tivéssemos discutido. Tenho dúvidas. Mas não é algo que, em princípio, esteja fora das nossas opções. Não discutimos isso internamente, não me queria comprometer.

Notícias ao MinutoOutdoor no Saldanha, em Lisboa© IL

Contam eleger um deputado?

Pelo menos. Achamos que temos boas hipóteses em Lisboa e no Porto. Estes últimos 10 dias de campanha vão ser essenciais, estamos finalmente a possibilidade de estar a falar com os meios de comunicação social e fazer a amplificação da mensagem. E da nossa experiência de rua, em que pessoas que não nos conhecem, a partir do momento que conhecem, a taxa de agrado é muito alta.

O número de militantes tem aumentado nesta fase?

Constantemente.

Quantos são já?

600. Na última hora, mais três.

Umas questões cirúrgicas: tauromaquia, são favoráveis à abolição?

Como somos contrários a qualquer proibição ou obrigação, achamos que é o género de coisa que deve ser deixada às autarquias, onde esse tipo de espetáculo tenha tradição e onde achem que deve ser mantido. Nos sítios que entendam que isso não faz parte da tradição, e que se sobreponha os direitos dos animais à vontade de as pessoas manterem uma tradição, achamos que é o género de decisão que deve ser descentralizada para as autarquias.

Suponho também que sejam favoráveis à despenalização da eutanásia.

Sim. Com todos os cuidados necessários que as implementações que outros países tiveram de ter para evitar o fenómeno do slippery slope [rampa deslizante]. Mas sim.

Canábis para uso recreativo?

Também.

Falou há pouco da RTP, da CGD, que devem ser privatizados ... 

Também.

Tal como a TAP.

Também, porque é que o Estado deve ter uma companhia aérea? Qual é a importância estratégia de uma companhia aérea para um país? É porque essas histórias ficam do passado onde isso fez algum sentido, quando as companhias eram de bandeira e tinham que obedecer às instruções dos governos de turno, hoje em dia são negócios, já abriram e já fecharam companhias aéreas em todo o mundo, algumas com relevância nacional, com capital do Estado.

Hoje em dia são negócios, o que interessa é que tenham um bom serviço e que tenham concorrência. O que me preocupa é quando essas falências ou alterações conduz a uma redução da concorrência em qual. Eu devo ser capaz de escolher entre uma low cost, em que sei que me vai custar menos, mas não vou ter grande serviço, e ter um espetro de opções até chegar a um serviço que se estiver disponível para pagar, prefiro. Se tiver essa escolha, não preciso de saber se é portuguesa, espanhola, do Estado ou privada. Isto é verdade para quase tudo. A propriedade das coisas interessa-me relativamente pouco, na medida em que os serviços é que têm de estar bem desenhados para satisfazer as pessoas.

No caso da comunicação social, há um serviço público a que a RTP está obrigada.

Mesmo que acordássemos uma definição exata de serviço público, era impossível que ele custasse 200 milhões por ano que é quanto custa a RTP a todos os portugueses. Não faz sentido nenhum. Vejamos ou não vejamos a RTP não faz sentido nenhum.

Voltando ao tema do estigma que existe em Portugal de se discutir liberalismo, consegue arranjar uma explicação para tal?

Acho que há na esquerda mais radical uma certa facilidade – acho que é um desígnio mesmo, uma forma de fazer política – de controlar o discurso, de controlar as formas como as coisas são designadas. O liberalismo em Portugal, desde há muito tempo, normalmente era precedido do prefixo neo. Não havia liberais, havia neoliberais que, apesar de tudo são bastante diferentes. Colava-se isso imediatamente às figuras mais extremas e radicais do movimento neoliberal, com associações a regimes poucos recomendáveis. A expressão hoje é perigoso neoliberal. É uma forma de controlo de linguagem que depois controla o próprio raciocínio. Estamos aqui para acabar com esse tabu.

O nosso tagline é ‘és liberal e não sabias’. Quando se começa a falar com alguém e lhe perguntamos: ‘mas não gostas de poder decidir que escola queres e que o Estado seja capaz de comparticipar essa tua despesa, independentemente do tipo de ensino que escolhas? Não gostas de ter em casa liberdade total para te comportares como queres e para teres o tipo de relação que queres? E não gostavas que, na economia, fosse muito mais fácil abrir o teu próprio negócio, pequeno, grande ou médio?’ Começamos a fazer estas perguntas e de facto respondem-nos que gostavam que fosse mais fácil, que é como quem diz mais livre. Olhem para nós, há aqui algum perigoso? Continuam a atirar-nos a etiqueta da al-right e de fascistas. E do outro lado também, os perigosos bloquistas satânicos. Quando estamos a receber pedradas da extrema-esquerda e da extrema-direita alguma coisa devemos estar a fazer bem.

Que opinião tem do partido do André Ventura?

O Chega é mais um partido de um homem só, que aproveita o sentimento, em alguns casos legítimo, de preocupação com a segurança, com a imigração, e tenta populisticamente cavalgar essa onda. Mas não é um partido com o qual gostássemos de partilhar fosse o que fosse.

Jamais?

Já aprendi que na vida e na política os jamais são sempre perigosos, mas vou dizer: jamais.

Se eu passar a consumir um décimo da carne, há alguém que vai ficar desempregado

Que propostas tem a Iniciativa Liberal para o ambiente?

São variadíssimas. O ambiente em Portugal está discutido de uma forma completamente alarmista e confusa. Põe-se debaixo do chapéu do ambiente uma série de temas que convinha começar a ‘partir’. Gostamos de olhar, pelo menos, para três grandes grupos. As alterações climáticas, a poluição atmosférica, dos solos e de oceanos e a falta de água.

Começando pelo último, a água potável é um problema que se pode antever vir a ser grave. Há uma solução a longo prazo que depende da existência da energia mais limpa e mais barata, aí a desanalização resolveria boa parte da questão, enquanto isso não chega temos de ter muito cuidado com o consumo. Tudo o que seja campanhas de racionalização e de sensibilização de consumo parece-me razoável. A nível de informação e de atualização de preços, não de proibição nem de obrigação. E sobretudo, acabar com o escândalo total que são os desperdícios de água na rede pública de distribuição por parte das autarquias. Relativamente às regas para uso industrial, há uma utilização muito escassa de águas residuais tratadas. Devíamos estar preparados para apoiar todos os investimentos que viessem aumentar a possibilidade de usar para regras de jardins, lavagens de ruas, para algum tipo de agricultura e para alguns processos industriais. Na poluição há várias coisas que estão a acontecer.

As pessoas têm que ter noção que os assuntos não são tão impossíveis de resolver como isso. Quando olhamos para a poluição, olhamos para os solos. O grande problema da poluição nos solos são os nitratos. Vamos proporcionar que haja melhores condições para a agricultura regenerativa. Há um conjunto de técnicas novas de fazer agricultura que não implicam mudança de culturas, implicam uma nova tecnologia da utilização dos solos. Nos oceanos, o problema continua a ser os microplásticos. Aí estamos mais na poluição genérica de resíduos de embalagem, onde reforçaríamos muito a abordagem dos 3R’s. Estamos dentro das médias europeias, para dar dar o próximo salto é preciso reforçar isso.

Quanto às alterações climáticas, normalmente tem a ver com os gases de efeito de estufa, que têm várias origens. O maior emissor de CO2 é a própria natureza. Emite mais CO2 do que a própria atividade humana para aí 40 ou 50 vezes. A atividade humana não chega a 5% do total das emissões de CO2. Mas continua a ser importante tratá-las. Por cada gás temos de ter uma estratégia diferente. Mas, havendo um excesso de concentração muito alta de CO2 na atmosfera, a equação é simples, ou emitimos menos ou capturamos mais. Como é que se reduz a emissão de dióxido de carbono sem reduzir significativamente a atividade económica?

Esse é o desafio, não é?

Reduzir a atividade económica é empobrecer. Tem que se dizer às pessoas que lutam afincadamente por soluções rápidas para o combate às emissões de gases com efeito de estufa é que esta redução é feita à custa de desemprego. Eu se passar a consumir um décimo da carne, há alguém que vai ficar desempregado.

Mas é favorável à ideia de se reduzir o consumo de carne?

De banir nunca. Que haja efeitos de preço em produtos que são ambientalmente menos lógicas e saudáveis, sim, claro. A fiscalidade verde é uma realidade e um liberal só gosta que o Estado intervenha quando os preços não estão a refletir plenamente o custo real do que está a ser utilizado e o valor real daquilo que está a ser produzido. Quando isso acontece, a maneira menos destruidora é mexer nos preços, tanto quanto possível com base em dados, em ciência.

Temos de acabar com esta noção de alarmismo que é um bocadinho simbolizado pela Greta Thunberg, que vem gritar ... Percebo a indignação e o sentimento de impotência. Mas é porque está a olhar para um problema que está a olhar para um problema que parece insolúvel e que está a caminhar para cima da humanidade. Não. Já resolvemos coisas piores na humanidade. Vamos tornar isto gerível. Temos a obrigação de, enquanto organização política responsável, de não contribuir para a confusão o alarmismo e propor concretamente: incentivos às autarquias que desperdicem menos água; a redução do IVA para os equipamentos de produção descentralizada de energia (a doméstica e a de bairro, por exemplo); ter uma classificação de eficiência hídrica em todos os equipamentos que usem água; ter classificações de eficiência energética em casas muito para além do que já existe; contribuir com informação, com estímulos, com uma parte de fiscalidade verde também, para que as pessoas tomem crescentemente decisões ambientalmente mais corretas.

E o mundo está a saber reagir e a saber separar os problemas como aqui o fez?

Sinceramente, acho que não. Mas vamos fazer uma separação que, talvez, as pessoas não se deem conta. Onde o mundo está a saber reagir é no mundo desenvolvido e em boa parte do mundo desenvolvido com ideias liberais. Parece ser uma pré-condição para tratar bem do ambiente, e dos serviços públicos, ter rendimento suficiente e ter liberdade para fazer as escolhas. Quando olhamos para o ambiente e vemos onde estão os grandes poluidores, encontramos países ainda com um desenvolvimento baixo (à exceção dos EUA, que tem um regime que não é a nossa matriz) – a Índia, a China, o Brasil, países que se estão a desenvolver na base de uma produção de energia elétrica muitíssimo poluente. Aí não se encontra grande evolução, nem grande consciencialização. E nós achamos que é natural, até certo ponto. As pessoas têm outras preocupações mais prementes no dia a dia, no saneamento, na saúde, na educação dos filhos. E portanto não se conseguem libertar dessa pressão de forma a pensar num bem que é comum.

E eu confesso, se não tivesse uma habitação condigna, se calhar tinha menos preocupação em reciclar

E qual é a solução nesses casos?

A solução tem que ser desenvolver essas sociedades o mais rapidamente possível. No caso de Portugal, ainda estamos nessa fase de nos desenvolvermos rapidamente para podermos ter isso verdadeiramente no centro das nossas preocupações. Se não vamos estar permanentemente preocupados que as pessoas não têm habitação condigna, por exemplo. E eu confesso, se não tivesse uma habitação condigna, se calhar tinha menos preocupação em reciclar. É normal.

Mas depois existem figuras como Trump e Bolsonaro que não acreditam nas alterações climáticas?

Lá está. Esse tipo de personagens aparece quando os liberais no sentido clássico do termo, defensores de uma democracia representativa e da liberdade individual, não conseguem ter espaço. Quando as sociedades não dão resposta, e as pessoas procuram-nas, qualquer pessoa que pareça tê-las - e normalmente são os mais simplistas, à esquerda e à direita - vinga. A melhor barreira ao populismo é a discussão do liberalismo em Portugal. 

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