"É uma proposta que consiste num emaranhado amplo e de alguma forma desconexo de medidas de cariz muito diverso, que vão desde o trânsito até outras que nada têm a ver com trânsito. A nossa perceção é que foi elaborada de uma forma que em termos práticos dificulta a sua implementação porque pretende tocar áreas muito diversas, mas acaba por o fazer de uma forma pouco consistente", disse à Lusa o vereador João Ferreira, sobre a proposta aprovada na quarta-feira pela oposição na Câmara de Lisboa.
Como exemplos, João Ferreira disse que a proposta não prevê o envolvimento dos serviços municipais nas mudanças de trânsito, um estudo sobre o seu impacto, viabilidade e forma de aplicação ou a consulta à população, aos "agentes económicos" e às juntas de freguesia.
"A Câmara Municipal de Lisboa tem um conjunto amplo de serviços municipais com intervenção quotidiana nalgumas das áreas tocadas pela proposta. Cabe na cabeça de alguém avançar para decisões como aquelas que ali estão sem envolver esses serviços, sem os pôr a estudar as medidas que são propostas, sem os pôr a estudar as consequências dessas medidas, sem ouvir deles uma opinião no sentido de melhorar a própria aplicação das medidas, de recolher sugestões do eventual calendário para a sua aplicação?", questionou.
Reconhecendo o "sentido positivo" da iniciativa, os comunistas não a quiseram "descartar" e avançaram com "um conjunto de propostas de alteração que visavam colmatar essas falhas", mas houve "indisponibilidade total" do Livre para acolher qualquer sugestão, afirmou o vereador do PCP, que tem dois vereadores no executivo municipal de Lisboa.
"Daí a nossa abstenção. Havendo um sentido positivo, acaba por ser uma proposta de difícil implementação. Quase diria que às vezes há propostas que parecem feitas mais a pensar no comunicado de imprensa, na notícia, no 'sound byte', do que propriamente na sua aplicabilidade prática", disse João Ferreira.
A proposta aprovada na quarta-feira determina a redução em 10 quilómetros/hora (km/h) da velocidade máxima de circulação permitida atualmente em toda a cidade e a eliminação do trânsito automóvel na Avenida da Liberdade aos domingos e feriados.
Foi decidido ainda que o corte do trânsito automóvel aos domingos deve ser alargado a todas as freguesias, aplicando-se a "uma artéria central [ou mais] com comércio e serviços locais".
A proposta do Livre foi aprovada pela oposição numa reunião privada do executivo municipal liderado por Carlos Moedas (PSD), que governa a Câmara de Lisboa sem maioria.
Votaram a favor da iniciativa "Contra a guerra, pelo clima: proposta pela redução da dependência dos combustíveis fósseis na cidade de Lisboa" oito vereadores (cinco do PS, um do Livre, um do Bloco de Esquerda e a vereadora independente eleita pelo PS/Livre, Paula Marques)
Os dois vereadores do PCP abstiveram-se e os sete da coligação Novos Tempos (PSD/CDS-PP/MPT/PPM/Aliança) votaram contra.
João Ferreira garantiu que a abstenção dos comunistas foi determinada pelo "conteúdo deliberativo" da proposta e não pelas referências à guerra na Ucrânia, as quais, destacou, nunca surgem na parte deliberativa.
"No fundo, foi uma intenção de misturar aqui um bocadinho um manifesto com uma deliberação de câmara. É talvez mais uma das incoerências da proposta", afirmou o vereador, que sublinhou por diversas vezes que o PCP quis aproveitar a iniciativa do Livre, onde reconheceu objetivos que vão ao encontro daquilo que os comunistas defenderam no seu programa eleitoral autárquico para Lisboa.
Também os comunistas, referiu, defendem zonas de redução de velocidade máxima permitida na cidade ou a possibilidade de aumentar as áreas pedonais.
"Não descartamos caminhar neste sentido [das propostas do Livre para o trânsito]. Agora, é difícil pensar que de um dia para outro a gente implementa isto em toda a cidade, indistintamente", reiterou.
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