A socialista Isabel Moreira considerou, este sábado, que "nomear uma estrutura no espaço público" é uma decisão que deve ser "participada" e que não deve criar "grandes divisões na população", defendendo que se deve "rever" o nome da nova ponte pedonal da zona oriental de Lisboa, a que a Câmara Municipal quer chamar Ponte Cardeal Dom Manuel Clemente.
Numa publicação divulgada nas redes sociais, a deputada do Partido Socialista deixou "várias perguntas" acerca do tema, que tem estado a dar que falar nas últimas horas.
"Nomear uma estrutura do espaço público é coisa séria. Deve, por isso, ser uma decisão que não crie grandes divisões na população em causa e deve ser uma decisão participada", começou por escrever a socialista.
"Esta decisão foi votada? Aparentemente, não. Não encontro as posições partidárias representadas no município em causa (ou municípios?) O normativo aplicável diz claramente que não se pode eleger o nome de alguém vivo, salvo justificação muito forte. Alguém a conhece?", questionou.
Além disso, a socialista lembrou que "a tensão acerca do entendimento da separação entre Estado e a Igreja tem sido evidente". "Ora, a apropriação de um espaço público via este batismo com o nome (Dom) Manuel Clemente divide muito a população e, acrescento, os próprios crentes", frisou, convidando à leitura de "algumas reações de quem participou no relatório sobre os abusos sexuais praticados no seio da ICAR [a Igreja Católica Apostólica Romana]".
"A postura de Manuel Clemente foi muito criticável, antes e depois daquele relatório", apontou. "Talvez rever este batismo, não?", atirou a deputada.
A Ponte Dom Manuel Clemente . pic.twitter.com/eTabIxpAK9
— Isabel Moreira (@IsabelLMMoreira) August 12, 2023
Já numa nova publicação, Isabel Moreira reforçou as suas palavras, pedindo "sensatez": "Uma pessoa apresenta várias perguntas e há quem se fixe na parte do regulamento. E a sensatez? Acham normal um presidente de câmara batizar uma ponte desta forma (talvez com o acordo de outro PCM) sem votação, sem participação? Com estes contornos? Tentemos a sensatez", rematou.
Uma pessoa apresenta várias perguntas e há quem se fixe na parte do regulamento. E a sensatez ? Acham normal um presidente de câmara batizar uma ponte desta forma ( talvez com o acordo de outro PCM) sem votação, sem participação? Com estes contornos? Tentemos a sensatez .
— Isabel Moreira (@IsabelLMMoreira) August 12, 2023
Recorde-se que a Câmara Municipal de Lisboa (CML) anunciou na sexta-feira que a nova ponte ciclopedonal que liga os concelhos de Lisboa e Loures, sobre o rio Trancão, na zona oriental da cidade, vai chamar-se Ponte Cardeal Dom Manuel Clemente.
Em comunicado, a autarquia afirmou que o nome da nova ponte, construída a propósito da JMJ e inaugurada em julho, é uma homenagem ao 17.º patriarca de Lisboa, que renunciou ao cargo após ter completado 75 anos.
"Nos 10 anos de mandato enquanto líder da Igreja de Lisboa, D. Manuel Clemente foi o grande impulsionador da Jornada Mundial da Juventude, que nas palavras do patriarca emérito 'será lembrada como um momento decisivo para uma geração que construirá um mundo mais belo e fraterno'", lê-se na nota.
"É uma justa homenagem da cidade a um homem que deu tanto a Lisboa ao longo da sua vida", afirmou o presidente da câmara da capital, Carlos Moedas, citado no comunicado.
Numa mensagem enviada à Lusa, Manuel Clemente agradeceu "a generosidade" da CML e disse incluir no seu nome "todos quantos trabalharam na Jornada Mundial da Juventude".
Segundo a câmara de Lisboa, o nome da ponte foi comunicado ao presidente da autarquia de Loures, Ricardo Leão, que considerou tratar-se de "uma boa opção e um justo reconhecimento".
Entretanto, mais de 1.000 pessoas já subscreveram uma petição pública lançada hoje para exigir a alteração do nome da nova ponte.
Intitulada 'Petição pela alteração do nome previsto para a ponte Lisboa/Loures no Parque Tejo', a petição foi lançada hoje através da rede social X (antigo Twitter) por Telma Tavares, autora dos cartazes em memória das vítimas de abusos sexuais por membros da Igreja Católica que foram colocados em Lisboa, Loures e Algés durante a Jornada Mundial da Juventude (JMJ).
A petição invoca "a suposta laicidade do Estado" e questiona se a atribuição do nome de Manuel Clemente à ponte "pode ser vista até como uma ofensa e/ou desrespeito pelas mais de 4800 vítimas de abuso sexual por parte da igreja em Portugal".
A ponte tem cerca de 560 metros e liga os concelhos de Lisboa e Loures, sendo feita, maioritariamente, de madeira e aço.
A ponte destina-se a peões e ciclistas, integrando a rede de percursos ciclopedonais da região de Lisboa e ligando-a ao concelho de Loures.
A JMJ 2023 decorreu em Lisboa entre 1 e 6 de agosto, tendo juntado cerca de 1,5 milhões de jovens no Parque Tejo (Lisboa) para uma missa e uma vigília, com a presença do Papa Francisco.
Leia Também: Ponte no Trancão. Mais de mil assinaram petição para mudar nome previsto