O Presidente da República usou, na segunda-feira, o seu veto político contra um conjunto de alterações legislativas no âmbito da Habitação aprovadas no Parlamento pela maioria socialista, que já disse que irá confirmar as medidas.
Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que vetou as normas para expressar um "sereno juízo analítico negativo" e criticou a ausência de consenso partidário sobre o tema, numa mensagem que dirigiu ao presidente da Assembleia da República, disponível no 'site' da Presidência.
O chefe de Estado também afirmou saber que "a maioria absoluta parlamentar pode repetir, em escassas semanas, a aprovação" das normas vetadas e foi isso mesmo que o PS comunicou.
As reações
Governo assegura que proposta do Governo "foi maturada"
Reagindo ao veto presidencial, a ministra da Habitação, Marina Gonçalves, reiterou a ideia de que existe equilíbrio no programa Mais Habitação.
Em declarações aos jornalistas, à margem de uma visita a uma obra em Almada (distrito de Setúbal), Marina Gonçalves assinalou que a proposta do Governo "foi maturada" e teve em atenção as diferentes opiniões.
"Para nós, o diploma e as suas várias propostas são importantes", frisou, manifestando respeito pelo veto político de Marcelo Rebelo de Sousa.
Marina Gonçalves desdramatizou o veto e "as divergências" políticas, preferindo destacar como "nota positiva" o Presidente não ter levantado dúvidas sobre a constitucionalidade e a legalidade do diploma.
Partidos. Há críticas, mas PS vai confirmar pacote
O líder parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias, anunciou que a bancada socialista vai confirmar o diploma, apesar de respeitar "a discordância política do senhor Presidente da República", justificando-se com "a urgência na resposta à crise da habitação".
Já o líder do PSD, Luís Montenegro, começou por defender que o Governo errou e deveria rasgar o programa 'Mais Habitação', começar do zero, podendo contar para isso com a participação dos sociais-democratas.
Posteriormente, Luís Montenegro classificou como "uma afronta" aos interesses dos portugueses, ao Presidente da República e aos partidos políticos e "um crime" contra a a sociedade portuguesa "a insistência do PS" em apresentar no parlamento, em setembro, o programa Mais Habitação sem alterações.
No mesmo sentido, o presidente dos Autarcas Sociais-Democratas (ASD), Hélder Sousa Silva, disse que "não podia estar mais de acordo com o veto" do Presidente da República, propondo um entendimento partidário no parlamento.
Já o líder da Iniciativa Liberal, Rui Rocha, considerou que o veto ao pacote Mais Habitação é uma "decisão natural" e que será "um ataque ao país" se o PS confirmar o diploma sem alterações.
Ao contrário do Presidente da República, o Chega defendeu que o diploma é inconstitucional e manifestou a intenção de tentar recolher apoio de outros partidos para submeter ao Tribunal Constitucional um pedido de fiscalização do diploma da habitação, caso venha a ser confirmado no parlamento.
O BE acusou o PS de "arrogância e indiferença" quanto à crise da habitação e criticou a decisão de confirmar no parlamento o diploma, considerando que os socialistas estão a "insistir num erro".
O PCP acusou o PS de continuar a proteger os interesses da banca e dos fundos imobiliários ao insistir no programa Mais Habitação, considerando que se trata de um instrumento de "favorecimento da especulação imobiliária".
O PAN indicou que voltará a apresentar propostas de alteração ao diploma e espera abertura do PS para as viabilizar, para evitar "um novo veto presidencial por medidas que são desproporcionais".
Por seu turno, o Livre desafiou o PS "a não perder a oportunidade de ser mais ambicioso" na habitação, sublinhando que os argumentos usados por Marcelo Rebelo de Sousa foram defendidos pelo partido.
Já o CDS saudou o veto do Presidente da República às alterações legislativas no âmbito da habitação e afirmou esperar uma decisão da Comissão Europeia a uma queixa que apresentou por considerar que há medidas que violam direitos fundamentais.
Associações do setor: Aplausos à decisão de Marcelo, mas...
A Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP), uma das principais contestatárias às normas do pacote, congratulou-se pela decisão do Presidente da República por impedir "medidas desastrosas contra" o setor e reiterou que "destruir o alojamento local em nada resolve o problema da habitação".
A ALEP ameaçou também recorrer aos tribunais nacionais e ao Tribunal Europeu caso o PS confirme no parlamento o pacote legislativo Mais Habitação.
Também a Associação do Alojamento Local do Porto e Norte (ALPN) considerou que Marcelo Rebelo de Sousa "fez uma boa leitura" sobre a complexidade da atividade.
Já a Associação Nacional de Proprietários (ANP) aplaude o veto presidencial, mas sem expectativa de que algo venha a mudar.
A Associação dos Inquilinos Lisbonenses (AIL) considera que o veto de Marcelo Rebelo de Sousa "recoloca o assunto na discussão pública" e defende que haja um reforço da utilização dos imóveis devolutos públicos para aumentar a oferta habitacional
A Associação dos Promotores e Investidores Imobiliários (APPII) considerou que o veto do Presidente da República é a "derradeira oportunidade" para criar medidas que permitam introduzir mais casas no mercado, considerando que o diploma, "na sua generalidade, não oferece uma resposta efetiva à necessidade de criar mais habitação para os portugueses, nem para o mercado da venda, nem para o mercado do arrendamento".
A plataforma Casa para Viver - que junta mais de cem organizações e coletivos e que organizou a manifestação de 1 de abril - já anunciou que voltará às ruas em 30 de setembro. A investigadora Rita Silva, da plataforma, apelou ao PS para que faça uma "reflexão profunda" no sentido de "aprovar outro tipo de medidas" para regular o mercado imobiliário e parar os incentivos à procura estrangeira.
A associação Chão das Lutas, que faz parte da plataforma, reafirmou a "insuficiência das medidas" propostas e disse que vai avançar com uma petição a exigir a descida das rendas.
Pelo seu lado, a Associação Portuguesa do Turismo Residencial e Resorts (APR) considerou que o veto do Presidente da República ao Mais Habitação "reforça a constatação da ineficácia" das medidas do programa.
O decreto que reúne as principais alterações à legislação sobre a habitação tinha sido aprovado pelo parlamento em 19 de julho apenas com o voto favorável do PS e sob críticas da oposição ao pacote legislativo que introduzia mudanças ao nível do arrendamento, dos licenciamentos ou do alojamento local.
O Mais Habitação prevê, entre outras, medidas como o arrendamento forçado de casas devolutas há mais de dois anos, isenção da tributação de mais-valias aos proprietários que vendam casas ao Estado, o fim de novos vistos 'gold', isenções de impostos para proprietários que retirem as casas do alojamento local até ao fim de 2024 e uma contribuição extraordinária e a suspensão do registo de novos alojamentos locais fora dos territórios de baixa densidade (localizados sobretudo no interior).
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