Na segunda parte do livro, que será apresentado publicamente no próximo dia 15, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, o atual presidente honorário do PS e conselheiro de Estado recorda essa decisão como uma das mais dolorosas que tomou na sua vida política.
Com o PS a governar com maioria absoluta no parlamento, sob a liderança de José Sócrates, Manuel Alegre decidiu concorrer como independente às eleições para Presidente da República em 2006, mesmo sabendo que o seu partido apoiara oficialmente a terceira candidatura de Mário Soares. Um ato que teve como consequência quase sete anos de afastamento em relação a Mário Soares - um dos seus principais amigos e companheiro de décadas de combate político.
Só em 2013 se reaproximaram, quando o então secretário-geral do PS, António José Seguro, resolveu intervir diplomaticamente para pôr fim à "zanga" entre os dois históricos socialistas. Alegre escreve que, um dia, recebeu um telefonema de Seguro.
"Está aqui uma pessoa que deseja falar-lhe. Era Mário Soares", conta o atual presidente honorário dos socialistas. A seguir, salienta o impacto que teve a notícia de que os dois tinham acabado com "a zanga" e reatado relações pessoais.
"Marcelo Rebelo de Sousa anunciou no seu programa, com alegria, que Mário Soares e eu tínhamos feito as pazes. As pessoas ficaram satisfeitas, vinham ter comigo na rua manifestar-me o seu contentamento", escreve.
Manuel Alegre recorda depois, com alguma emoção, a morte do antigo Presidente da República em janeiro de 2017. "Quando o carro funerário passou em frente aos Jerónimos, despedi-me dele erguendo o punho esquerdo".
No PS, após a primeira liderança, de Mário Soares (1973/1986) Manuel Alegre esteve em divergência com Vítor Constâncio, mas também, e sobretudo, com António Guterres e José Sócrates, contra quem se candidatou a secretário-geral em 2004.
Durante a liderança de António Guterres, entre 1992 e 2002, opôs-se à revisão constitucional de 1997, ao entendimento com o PSD de Marcelo Rebelo de Sousa para a convocação de um referendo sobre aborto e à decisão do Governo de avançar com a coincineração em Coimbra, quando Sócrates era ministro do Ambiente.
Em 1999, apresentou uma moção no congresso contra o conceito de "arco do poder" preconizado pela direção de Guterres, defendendo em contraponto o diálogo à esquerda. Uma orientação que disse só ter visto ser consagrada com António Costa como secretário-geral do PS, em 2014.
Durante o período de Sócrates como secretário-geral, lembra um diálogo amargo quando este lhe apresentou as razões para o PS apoiar não a si, mas uma terceira candidatura de Mário Soares à Presidência em 2006.
"Se o escolhesse a si e você perdesse, estávamos os dois lixados", alegou Sócrates, segundo a versão de Manuel Alegre.
"Deu-me uma fúria e disse-lhe: Estava indeciso, agora já não estou. Vou sair daqui e anunciar a minha candidatura". Por apenas 29.758 votos, Alegre não conseguiu disputar a segunda volta contra Cavaco Silva.
"Não tive nenhum aparelho partidário por trás, não tinha dinheiro, não tive nenhum grande grupo económico a financiar a minha campanha e não contratei nenhuma agência de comunicação. Mas tinha suscitado à minha volta um movimento cívico inédito em Portugal", defende.
Em 2011, voltou a concorrer às eleições Presidenciais, desta vez com o apoio do PS e do Bloco de Esquerda, mas, de acordo com o próprio, o entusiasmo não foi o mesmo.
"O BE cumpriu a sua parte. Não posso dizer o mesmo de certos quadros dirigentes do PS. O apoio partidário não fortaleceu a minha campanha e retirou-lhe o caráter de independência e rebeldia cidadã da primeira candidatura", considera.
Em 23 de julho de 2009, disse adeus ao parlamento, onde estava há 34 anos, desde a Constituinte.
Após a liderança de António José Seguro (2011/2014), esteve ao lado de António Costa por uma solução de convergência à esquerda no parlamento.
"A divisão da esquerda é a força da direita", conclui, no seu livro de memórias.
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