A Assembleia da República debateu esta quinta-feira as propostas do Chega, PCP e PAN para atribuir um suplemento remuneratório à PSP e à GNR. O debate, agendado pelo partido liderado por André Ventura, acabou por ficar marcado pela movimentação de centenas de membros das forças de segurança junto à Assembleia da República e pelas filas de espera para entrar.
Na sua intervenção de abertura do debate, André Ventura começou por pedir "desculpa" às forças de segurança, levando para a discussão o caso de Cláudia Simões, condenada a pena suspensa por um crime de ofensa à integridade física e qualificada por morder o agente da Polícia de Segurança Pública (PSP) Carlos Canha, absolvido em tribunal. "Na semana passada, a polícia foi absolvida pela agressão", disse o presidente do Chega.
"Ouviram aqui alguém levantar-se para dizer 'polícias de Portugal desculpem, porque sempre que uma minoria é atacada nós achamos que é racismo ou que é abuso de poder ou que é uso excessivo da força. Polícias desculpem'. Então, se o Parlamento não tem coragem para pedir desculpa, eu quero pedir e dirigir-me aos polícias do país inteiro, a todos, e em nome desta casa, pedir-lhes desculpa pelo que lhes fizemos nas últimas décadas", acrescentou.
André Ventura tinha iniciado a sua intervenção com críticas ao Partido Socialista (PS), especificamente ao secretário-geral do partido, Pedro Nuno Santos, e falou num "debate sobre a humilhação de uma classe, sobre a humilhação de forças que há décadas em Portugal são das mais maltratadas".
Foi ao falar sobre a taxa de suicídio nas forças policiais que apontou ao primeiro-ministro, Luís Montenegro, e às suas recentes declarações: "Os polícias não querem mais um cêntimo, querem dignidade", completou.
Montenegro a fazer "bloqueio negocial" com sindicatos. Partidos acusam Chega de "instrumentalização" e falam em "cerco"
Nesta senda, a deputada socialista Isabel Moreira tomou a palavra e acusou o primeiro-ministro de ter criado um "bloqueio negocial" entre o Governo e os sindicatos da PSP e GNR, na discussão do suplemento remuneratório.
"O senhor primeiro-ministro fez um bloqueio negocial" ao dizer "nem mais um cêntimo" na proposta para as forças de segurança, considerando que já fez "um esforço medonho" e não está disponível para "trazer de volta a instabilidade financeira" ao país.
Para Isabel Moreira, esta é uma "forma errada de proceder", uma vez que existem negociações entre a tutela e os sindicatos da PSP e associações da GNR, agendadas para 9 de julho.
Pelo CDS, João Almeida afirmou que "há mínimos para fazer este debate" e lamentou a posição do PS, que recusou aumentar as forças de segurança no mandato anterior e agora quer que este Executivo aumente os suplementos. "Há que haver respeito pela negociação que está a ser feita", afirmou o deputado de um dos partidos que suporta o Governo.
Já pelo PCP, António Filipe criticou os baixos salários, defendeu a valorização das suas carreiras e que "é preciso passar das palavras aos atos". Inês Sousa Real, do PAN, defendeu que os projetos baixem à especialidade e criticou a oportunidade política deste debate: "Os profissionais não precisam de soluções feitas no joelho ou de números políticos", disse.
Também Fabian Figueiredo, do Bloco de Esquerda, lamentou a falta de condições de trabalho e salariais na PSP e GNR. "São estes homens que têm de intervir quando o resto falhou ou para que não falhe", afirmou, salientando que é uma "catástrofe" o aumento da taxa de suicídios na PSP e GNR, que "quase duplicou na última década".
Já o líder da IL, Rui Rocha, acusou o Chega de "tentar condicionar deputados livres", com o convite às forças de segurança para assistirem ao debate, que classificou de "cerco".
Trata-se de "uma ação absolutamente irresponsável de André Ventura", que "quer limitar a liberdade dos deputados desta casa", afirmou Rui Rocha, numa referência ao que classificou de "cerco" ao Parlamento por parte de elementos de grupos inorgânicos da PSP e GNR, que se associaram ao convite do líder do Chega.
PSD salienta que negociações "não estão fechadas"
Por sua vez, o vice-presidente da bancada do PSD António Rodrigues afirmou que as negociações "não estão fechadas" e considerou que a proposta do Governo no que toca ao suplemento "é justa".
"Ao contrário daquilo que fizeram crer, as negociações não estão fechadas, estão marcadas para o próximo dia 9", afirmou o deputado, indicando que os sindicatos, "de forma responsável, sabem que o que está em cima da mesa não é apenas e só o subsídio de missão, a questão financeira, mas as condições de vida" destes profissionais.
Na sequência desta intervenção, o líder do Chega assinalou que o seu partido levou a este debate sete iniciativas, enquanto o PSD não incluiu nenhuma. André Ventura mostrou ainda um recipiente com moedas de cêntimos, que disse que iria enviar para a residência oficial do primeiro-ministro.
Por seu turno, Hugo Soares, líder parlamentar do PSD, reconheceu as carências de equipamentos e os baixos salários das forças de segurança. Criticando o que considerou "aproveitamento político à custa das forças de segurança" por parte do Chega, Soares acusou também o PS de ter criado "uma injustiça e uma iniquidade".
"Alguém é capaz de dizer que 300 euros é pouco dinheiro?", questionou, sublinhando que se trata de um "esforço que o Governo e todos os portugueses contribuintes estão a fazer, porque reconhecem o esforço das forças de segurança".
Virando-se para as galerias do Parlamento, com muitas pessoas, Hugo Soares fez um apelo: "os senhores podem entender que é pouco" e "até injusto", mas "ninguém pode dizer que o Governo não cumpriu com aquilo que se comprometeu na campanha".
"Se oferecêssemos mais 300 euros por mês" a médicos ou professores, "alguém tem dúvida que os sindicatos não aceitavam?", questionou ainda.
Atrasos na entrada de pessoas no Parlamento motiva protesto do Chega. Aguiar-Branco fala em procedimento habitual
A demora na entrada de pessoas na Assembleia da República, muitos militares da GNR e agentes da PSP à paisana, motivou um protesto dos deputados do Chega.
No exterior da Assembleia da República, centenas de pessoas tentavam entrar no Parlamento, mas os procedimentos de segurança, que obrigam a revistas individuais, condicionaram o acesso.
No interior, deputados do Chega contestaram a demora do processo, culparam o Parlamento pelo atraso e, meia hora depois do início da sessão plenária, as galerias permaneciam por preencher.
Face aos protestos, o presidente da Assembleia da República, José Aguiar-Branco, insistiu que "não há nenhuma situação de especial na entrada das visitas para as galerias em comparação com outro dia normal".
O líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, aproveitou e criticou a "falta de respeito" do Chega pela Assembleia da República e afirmou que não há "pessoas que têm privilégios que outros não têm", recordando que, em muitos casos, há visitas de escola, com "meninos que estão em fila à espera de poder entrar".
Alguns dos polícias, vestidos à civil, relatam estar há cerca de duas horas a aguardar para passar a revista de segurança e seguir para as galerias.
Às 16h30, foi aberto o piso superior das galerias da Assembleia da República aos visitantes, algo que não é habitual neste tipo de sessões plenárias. A maior parte do espaço das galerias foi ocupado.
Apesar de as principais associações da GNR e sindicatos da PSP se terem demarcado desta convocatória do Chega, o Movimento Zero e o Movimento Inop apelaram aos polícias, através das redes sociais, para comparecerem no protesto em frente à Assembleia da República e para marcarem presença nas galerias.
Polícias deixam galerias após chumbo do projeto do Chega
Por fim, os deputados do PSD, PS e CDS-PP rejeitaram as propostas do Chega, PCP e PAN para atribuir um suplemento remuneratório à PSP e à GNR.
O Chega propunha a atribuição de um suplemento de missão à PSP, GNR e guardas prisionais equiparado ao da Polícia Judiciária, em substituição do "suplemento por serviço e risco nas forças de segurança, tanto na sua componente fixa como variável". De acordo com a proposta do Chega, este suplemento seria pago mensalmente, em 14 vezes, e indexado à remuneração base do diretor nacional da PSP e do comandante-geral da GNR, correspondendo a 19,6% desse valor.
Este projeto de lei foi rejeitado com os votos contra de PSD, PS e CDS-PP, abstenção de IL, PCP e Livre e os votos favoráveis do proponente, BE e PAN.
Depois da votação do projeto do Chega, o primeiro a ser votado, as pessoas que aderiram ao apelo de André Ventura e assistiram ao debate saíram ao mesmo tempo, deixando as galerias vazias. Enquanto saíam, foram aplaudidos pelos deputados do Chega.
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