Depois de um crescimento assinalável do TikTok durante os anos da pandemia de Covid-19, que levou até a uma mudança no panorama das redes sociais (dominada até aqui pela Meta), parece que nos últimos meses terminou o período de ‘graça’ da plataforma.
Até aqui vista como uma rede social usada, sobretudo, pelos mais jovens, para a partilha de danças coreografadas, o TikTok passou a ser encarado como uma autêntica ameaça - não só do ponto de vista da privacidade como também para os internautas mais jovens.
Têm sido vários os governos e instituições ocidentais a mostrarem-se preocupados com a forma como a empresa responsável pelo TikTok, a ByteDance, tem lidado com os dados pessoais dos utilizadores. A suspeita é de que os dados dos utilizadores estejam a ser acedidos indevidamente pela ByteDance na China, com vários políticos a terem já apontado para as ligações entre os executivos e o Partido Comunista Chinês.
Entretanto, a saúde mental também tem sido um tema digno de nota quando se fala no TikTok. O público mais jovem a que a rede social é associada também se torna a vítima da desinformação e conteúdo perigoso que pode ser encontrado na plataforma. Sobretudo, quando os mais jovens conseguem contornar as atuais restrições da plataforma, o que até já levou o Reino Unido a agir a respeito e a tomar a decisão de multar o TikTok.
Estes temas levaram o Notícias ao Minuto a fazer algumas questões sobre o tema à presidente da The Reboot Foundation, Helen Lee Bouygues. A instituição procura investigar o impacto das redes sociais nos mais jovens, seja na forma como estas plataformas prejudicam o pensamento crítico a longo prazo ou como a desinformação afeta a confiança na ciência.
Helen Lee Bouygues© The Reboot Foundation
Enquanto presidente de uma instituição como a The Reboot Foundation, que iniciativas tem a propósito do impacto das redes sociais em crianças mais pequenas?
No que diz respeito a redes sociais, trabalhamos em várias frentes mas o nosso foco está no seu impacto nos adolescentes, particularmente aqueles que estão no ensino preparatório e secundário. As redes sociais estão a ultrapassar a nossa capacidade de gerir a sua influência na sociedade e isto é especialmente verdade para os adolescentes cujas capacidades cognitivas e pensamento crítico ainda não estão completamente desenvolvidos.
Nos EUA, conduzimos a nossa própria pesquisa e inquéritos sobre o impacto das redes sociais em crianças e na sociedade em geral. Publicamos relatórios sobre como as pessoas estão a lidar com notícias falsas, desinformação e teorias da conspiração e intervenções eficazes em pensamento crítico. Em França, conduzimos investigações com base nos resultados para informar os membros do parlamento e do governo sobre as redes sociais podem prejudicar as crianças.
A The Reboot Foundation também desenvolve recursos sobre literacia de media e pensamento crítico sem custos para o público, incluindo guias para pais e professores e lições para professores sobre como ensinar pensamento crítico. Apoiamos investigações de académicos nas áreas de psicologia e ciência cognitiva que estão a estudar como desenvolver capacidades de pensamento crítico em crianças e adultos e apoiamos investigações sobre que tipo de exercícios de pensamento crítico funcionam com crianças e como podem ser usados para encorajar melhores tomadas de decisão.
80% dos adolescentes do TikTok contou à The Reboot Foundation que passa pelo menos uma hora por dia na app, todos os dias
De que forma é que o TikTok é diferentes de outras plataformas de redes sociais como o Facebook, Instagram, YouTube ou Twitter? Porquê este destaque?
O que diferencia o TikTok de outras plataformas é a forma como apela às pessoas mais jovens e a quantidade incrível horas que os adolescentes estão a passar na aplicação.
De acordo, não só com a nossa investigação, mas também de outras partes, o TikTok é a rede social mais popular entre adolescentes e estão a passar várias horas por dia a fazer ‘scroll’. Com base nos nossos inquéritos, quase 30% das jovens raparigas no TikTok usa a app quatro horas ou mais por dia, enquanto quase 50% dos jovens rapazes usa-a pelo menos duas horas por dia. Tudo junto, 80% dos adolescentes do TikTok contou à The Reboot Foundation que passa pelo menos uma hora por dia na app, todos os dias.
É uma quantidade excessiva de tempo numa só rede social. Estão a usar a plataforma como motor de busca para procurar informação numa grande variedade de tópicos e temas. O problema é que o TikTok está pejado de notícias falsas e desinformação, ciência de má qualidade e conteúdo perigoso.
A investigação da The Reboot Foundation encontrou uma correlação entre a utilização do TikTok e se os jovens acreditam ou não em ciência: 58% dos participantes no nosso inquérito em França (com idades entre os 11 e os 24 anos) tinha uma opinião negativa ou neutra sobre a utilidade da ciência na sociedade. Nos EUA foram 42% dos participantes.
Na minha opinião, há uma relação entre o tempo passado na app, a grande quantidade de ciência de má qualidade, as teorias de conspiração na plataforma e os elevados níveis de desconfiança em ciência.
Os adolescentes também estão a sofrer os efeitos negativos das redes sociais na sua saúde mental
Qual é o perfil mais comum de um utilizador do TikTok? Acha que está mais vulnerável a desinformação e desafios perigosos?
Como mencionei, a base de utilizadores do TikTok é muito jovem e é uma plataforma extremamente popular entre adolescentes e pré-adolescentes. Recentemente, a plataforma foi multada em mais de 14,5 milhões de euros no Reino Unido por não conseguir aplicar as restrições de idade e por permitir que crianças com menos de 13 anos tenham acesso à app. A mesma coisa aconteceu nos EUA em 2019.
Crianças tão novas ainda estão em desenvolvimento a nível cognitivo e não estão equipadas para distinguir entre coisas verdadeiras ou informação factual e desinformação. Um recente relatório sobre o TikTok descobriu que 20% dos vídeos resultam de pesquisas na app que contêm desinformação.
Os adolescentes também estão a sofrer os efeitos negativos das redes sociais na sua saúde mental, com pesquisas a mostrarem que estes efeitos são significativos. Estudos no Reino Unido, Escócia e Espanha já ligaram as redes sociais a uma maior agressividade, ansiedade, ‘bullying’, stress psicológico e pensamentos suicidas em adolescentes.
Tudo somado - a desinformação, o impacto na saúde mental e o efeito no pensamento crítico e capacidades de racionalização - os utilizadores adolescentes do TikTok estão muito mais vulneráveis do que os utilizadores mais velhos em outras plataformas.
A grande maioria dos adultos nos EUA e em França apoia reformas como proibir adolescentes de terem contas em redes sociais
O TikTok já tem alguns projetos para construir centros de dados de forma a armazenar dados dos utilizadores ocidentais. Pensa que esta iniciativa será suficiente para garantir o seu futuro fora da China? Deverá ser suficiente para os utilizadores e pais?
A investigação sobre o TikTok na The Reboot Foundation não se aprofundou sobre a forma como os responsáveis pela app armazenam os dados dos utilizadores. O que posso dizer sobre o assunto é que, geralmente, as pessoas tornaram-se muito cautelosas em relação a empresas de redes sociais e à influência que têm na sociedade. Querem que sejam implementados regulamentações e restrições.
De acordo com os nossos inquéritos, a grande maioria dos adultos nos EUA e em França apoia reformas como proibir adolescentes de terem contas em redes sociais. Querem etiquetas de alerta nas apps a avisar os utilizadores de como as redes sociais impactam a saúde mental e não querem ter algoritmos a recolher os seus dados.
Acha que os governos fazem o que podem para controlar este tipo de plataforma? Ou devem ser mais proativos?
Enquanto fundação criada para elevar o pensamento crítico pensamento reflexivo, reconhecimento que há sempre um risco quando se dá aos governos maior controlo no que as pessoas numa sociedade livre podem ver, ouvir e dizer. Mas está claro que as empresas de redes sociais não conseguem - nem querem - policiar-se de forma adequada. Acreditamos que está na altura de os governos intervirem com leis bem pensadas e elaboradas.
A The Reboot Foundation publicou uma lista das reformas e regulamentações que pensamos que servem de bons primeiros passos, incluindo:
- Proibir uso de redes sociais em adolescentes com menos de 16 anos;
- Financiar investigações sobre os efeitos das redes sociais na saúde mental das pessoas;
- Dar aos utilizadores a escolha de serem excluídas dos algoritmos com um único clique;
- Banir os anúncios digitais para todas as pessoas com menos de 16 anos;
- Adicionar etiquetas de alertas nas aplicações de redes sociais;
- Implementar restrições de anunciantes e remover sites verificados que espalhem informações falsas, teorias de conspiração, assédio ou discurso de ódio.
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