Ana Sena. Conheça a portuguesa da Twitch que foi distinguida pela Forbes
O Tech ao Minuto falou com Ana Sena, da Twitch e uma das vencedoras do prémio 30 Under 30 da Forbes, para falar sobre o futuro do entretenimento digital e sobre o percurso que a levou a ser uma referência na área.
© Ana Sena
Tech Entrevista
Do desenvolvimento da área da tecnologia nos últimos anos surgiram algumas histórias de sucesso. Não de gigantes tecnológicas, de empresários multimilionários ou de plataformas com milhares de milhões de utilizadores diários. Falamos, sim, dos criadores de conteúdos, influenciadores e 'streamers', que passaram a fazer parte do nosso quotidiano e que se tornaram em autênticas ‘estrelas’ do entretenimento.
Tão interessante como conhecer uma dessas personalidades digitais é conhecer um dos rostos que tem quota parte de responsabilidade por este sucesso. Chama-se Ana Carolina Sena, tem 30 anos e pode ser vista como sendo (ela própria) uma ‘estrela’ na área do entretenimento digital - afinal, Ana Sena é Senior Strategic Partner Manager na Twitch e já foi distinguida com um prémio 30 Under 30 da Forbes em 2022.
Nasceu em Vila Franca de Xira, foi criada em Alverca e passou até pela Escola Artística António Arroio, que a levou a estudar cinema em Londres, no Reino Unido. Depois decidiu cruzar o Atlântico, para os EUA, onde escolheu Los Angeles como a sua nova casa e começou a trabalhar com talentos do mundo do cinema, antes de migrar para a Twitch pouco antes da pandemia.
A escolha da Twitch acabou por ser certeira. Afinal, esta foi uma das plataformas de eleição dos internautas durante a altura da pandemia de Covid-19 - onde surgiram uma série de novas categorias que ajudaram a diversificar o conteúdo. Este ‘abrir de portas’ foi aproveitado por Ana Sena para procurar trazer novos 'streamers' e ajudá-los a chegar a cada vez mais pessoas. Atualmente, entre os 'streamers' com que trabalha, encontramos nomes conhecidos como Dream, Quackity, Ranboolive, Castro_1021, KaiCenat, AMP, Pokimane, Botezlive, Move_Mind e JOliveira10.
É com o trabalho já reconhecido e distinguido que encontrámos Ana Sena na Nova SBE, em vésperas do começo das Conferências do Estoril onde foi uma das ‘speakers’. Entre a azáfama dos preparativos, encontrámos uma pequena sala na biblioteca da universidade onde tivemos a oportunidade de conversar durante quase uma hora.
Animada por regressar em Portugal, desta vez na qualidade de ‘speaker’ e não apenas de férias, Ana Sena falou sobre a importância do meio do entretenimento digital, detalhando os recursos em que a Twitch se tem mais concentrado nos últimos tempos - não só para crescer a audiência, mas também para melhorar garantir a segurança dos criadores de conteúdos.
Pelo caminho, Ana Sena partilhou ainda o seu percurso, contando mais sobre como a Twitch e os criadores de conteúdos podem ajudar os meios mais tradicionais a chegarem a novas gerações, sobre o lançamento de um livro da sua autoria (com lançamento em dezembro em Portugal) sobre o mundo do 'live streaming' e também como ter crescido com um irmão a dar os primeiros passos no YouTube - Diogo Sena - acabou por a levar pelo caminho onde se encontra.
© Ana Sena
Está em Portugal a propósito das Conferências do Estoril. Em que contexto é que aconteceu este convite e em que âmbito é que vem cá falar? O que é que espera proporcionar a quem vem assistir a estas conferências?
Eu, para ser honesta, não sei como é que fui convidada [risos]. Mas foi interessante, porque aconteceu ao mesmo tempo em que estava em Portugal, em março, para outra conferência. Então, ultimamente, eu costumava vir a Portugal para visitar a família e agora venho às conferências [risos]. Mas fiquei muito entusiasmada porque eu sei que a conferência é gerida em parte pela professora Helena Canhão, que eu conheço, e obviamente assim que vi o evento que era - o prestígio, o tipo de candidatos e ‘speakers’ - fazia sentido.
E também é muito interessante, porque se calhar o foco não é tanto a tecnologia aqui, é mais tentar perceber o sentido humanístico daquilo que eu faço. Acho que vai de encontro ao objetivo da conferência, que também é dar uma impressão, talvez, mais pessoal acerca de trabalhos com os quais não tenhamos tanto conhecimento aqui em Portugal, ou com oportunidades fora das profissões de carreira habitual.
Porque, quando era mais nova, achava muito difícil tentar responder à pergunta 'o que é que queres ser quando fores grande'. E, de facto, quanto mais o tempo passa, mais difícil me é responder à pergunta. Eu acho que ainda tento arranjar a resposta e como a conferência se passava aqui na Nova SBE, também achei que era importante falar do meu percurso para tentar apresentar algumas ideias, como é que eu cheguei à minha profissão e ajudar alguns dos estudantes.
Imagino que para ser convidada para conferências nesta área a Ana seja vista como uma referência, sobretudo dentro da tecnologia onde, como sabemos, ainda há uma desigualdade assinalável entre quem está em posições de liderança. Sendo uma portuguesa no estrangeiro com pouco mais de 30 anos, como é ser vista como uma referência por estudantes e, sobretudo, cá em Portugal?
Sim, já tenho 30 [risos]. É muito recompensador. Começamos pequeninos na escola, tentamos sempre dar o nosso melhor, tentamos perceber para onde é que nos estamos a direcionar e é difícil ter uma ideia do que se está a passar e do desempenho que estamos a ter. Quando chegamos a uma profissão vamos tentando progredir, mas o objetivo nunca é ajudar os outros a fazerem o mesmo.
Quando venho falar a uma conferência vejo isso como uma retribuição à comunidade - à comunidade portuguesa - e foi interessante como um prémio como o da Forbes, da lista dos 30 Under 30, acontece. De facto, é um prémio que foi dado na América do Norte, foi essa a parte da revista que me salientou na área dos videojogos e do ‘live streaming’, mas ter esse prémio dá algum reconhecimento em Portugal para ter a credibilidade necessária para tentar ajudar outros cá que estejam a tentar fazer o mesmo.
Reconheço a dicotomia de receber um prémio no estrangeiro para depois ter sucesso em Portugal, mas acho que se calhar é a melhor forma de ajudar quem cá está a perceber que também podem ter êxito. Não importa o país, não importa a língua, não importa em que cidade é que nasceram, onde é que foram à escola.
Só quando chegou o prémio da Forbes é que percebi que fiz um bom trabalho e que se trabalhamos com empenho e por uma boa razão somos reconhecidos
Ingressou na universidade em Londres e, praticamente, logo a seguir foi para os EUA. Sente que ainda há dificuldades para as pessoas mais novas afirmarem-se em Portugal? Como seria se fosse cá? Sente que temos mais facilidade em reconhecer trabalho diferenciador lá fora do que cá dentro, ou que não há muito espaço para alguém da idade da Ana em Portugal?
Sim, talvez. Também confesso que não tive a experiência de trabalhar cá. Mas do pouco que vejo quando trabalho com criadores cá ou falo com profissionais na área, a reação normalmente é ‘Ok, isso funciona, mas funciona lá’. Já estamos tão globais, tão interconectados…
Talvez as últimas tendências demorem um bocadinho a chegar cá, devido à menor população, então tem de haver, talvez, uma maior facilidade em promover as tendências, mas de qualquer forma Portugal é um país tecnologicamente avançado, tem jovens empreendedores, criativos, que estão inspirados.
Provavelmente, devido à influência dos filmes e das séries americanas, sabemos falar inglês muito bem - não os traduzimos como em Espanha - e se calhar achamos que quem está lá fora e fala inglês desde que nasceu, talvez tenha uma vantagem... A minha experiência foi o contrário, tive a sorte de nunca ter tido uma experiência má, nunca me trataram de forma diferente. Obviamente que, de certeza, entendem o sotaque, que há conceitos diferentes na escola e no trabalho, mas acho que passo a passo, com empenho, fui tentando reduzir o fosso entre as expectativas deles para trabalhadores nas empresas americanas e de onde é que eu estava a vir - da minha região, da minha cultura.
Só quando chegou o prémio da Forbes é que percebi que fiz um bom trabalho e que se trabalhamos com empenho e por uma boa razão somos reconhecidos e penso que isso é um conceito difícil de entender. Porque demora algum tempo para lá chegar. Especialmente para os mais novos, que podem talvez ficar desinteressados ou perder o entusiasmo nas suas paixões e no empreendedorismo à medida que o tempo vai passando e se calhar não vêem o mesmo reconhecimento cá, mas eu não vejo diferenças entre tecnológicas e os mercados.
A Ana foi reconhecida no âmbito do trabalho que tem vindo a fazer na Twitch na área das parcerias. O que é que julga ter feito ou como é que dinamizou o espaço com os criadores de conteúdos da Twitch para ter sido entendido como algo de diferente? Qual é a sua perspetiva dentro desse mundo?
Eu trabalho como gestora de contas dos parceiros de topo da Twitch. Acontece que cada gestor tem o seu portfólio de clientes com quem trabalha e eu foquei-me em trabalhar com mulheres ou criadores de comunidades diversas e menos representadas nos EUA e esse trabalho contribuiu para aumentar a visibilidade dessas comunidades na plataforma, trazer mais variedade de conteúdo, criadores em diferentes categorias, criadores que não estavam só a criar conteúdo de videojogos numa plataforma que era conhecida por videojogos, criadores que já tinham experiência em outras plataformas ou criadores que quisessem experimentar a Twitch. A minha função era ajudá-los com o processo de ‘onboarding’ na plataforma.
Eu fazia a dinamização dos criadores de topo com o objetivo de fazer com que os seus negócios crescessem ainda mais, talvez com algumas promoções, com alguns programas, e o objetivo foi sempre focar-me nesse tipo de criadores, focar-me em programas, em iniciativas de diversidade para tentar aumentar a diversidade na plataforma em todos os âmbitos - seja em pessoas, categorias, jogos, o que fosse possível.
© Ana Sena
Então a escolha de trabalhar diretamente com esses 'streamers' - mulheres e minorias dos EUA - foi da Ana, certo?
Sim, certo. Houve uma combinação de alguns criadores com que trabalhava e outros que eu trazia à plataforma por mim mesma. Contactava e promovia a Twitch como uma forma de amplificar o seu negócio - que já era existente em outras plataformas como Instagram, Youtube - e pensar numa forma criativa de incluir a Twitch no que já estavam a fazer. Eram essas as duas oportunidades para criar a minha carteira de clientes.
É um caso interessante o das mulheres que estão na Twitch, porque nos últimos anos temos visto ‘acusações’ que são feitas a 'streamers', de puxar os limites das regras. Estando dentro da Twitch, como é que vê estas pequenas polémicas, estes pequenos celeumas, que às vezes há entre os 'streamers' em relação ao público feminino?
Eu acho que o nosso foco principal é sempre a educação de todos os criadores e no meu trabalho, como estou a trabalhar com criadoras de conteúdos, é minha responsabilidade educá-las a como se protegerem. Claro que não podemos controlar tudo o que se passa - especialmente se é fora da Twitch, visto que nós só temos controlo durante a sua interação na plataforma - mas a ideia é que enquanto estejam a produzir conteúdo na Twitch que se sintam seguras e que sintam que estão a criar a sua comunidade, a fazê-la crescer e a ter a êxito.
A minha responsabilidade é educá-las em relação às formas de criar moderação, terem segurança no canal e ir sempre ao detalhe sobre as funcionalidades de cada produto para que elas entendam (assim como as suas equipas) como se protegerem. Caso alguém na comunidade não cumpra as regras, quero que percebam que nos podem contactar para que possamos criar um processo de investigação ou o que for necessário para que se sintam seguras.
É talvez a oportunidade mais interessante para os criadores em Portugal agora, antecipar estas tendências que vieram dos EUA com a pandemia
Que tipo de funcionalidades vê como mais valiosas para uma 'streamer' se proteger dentro da Twitch? Há algumas que pensa que poderiam ser úteis se fossem implementadas?
Nós trabalhamos muito para desenvolver várias partes da plataforma e é sempre um trabalho contínuo. Nunca está acabado. A parte principal de proteção e segurança na Twitch para todos, mas essencialmente com foco nas criadoras mulheres, é a moderação automática. São filtros que podem personalizar em diferentes graus, em diferentes temas, e depois, também, a moderação humana. Aí já aconselhamos que contactem moderadores que possam fazer parte das suas equipas de forma a criar uma equipa e com isso amplificar a segurança que lhes é dada.
Um produto novo que lançámos há pouco tempo foi o Shield Mode (modo de escudo, em português) que vai criar uma amplificação das definições de segurança que os 'streamers' já têm. Vai ser uma amplificação diferente, talvez num grau maior, e que podem ativar se virem que há algo que acontece na ‘stream’ que lhes cause algum transtorno, especialmente no chat que tem interação do público e ao qual qualquer um pode aceder.
Ao ter essa definição já pré-definida podem estar no 'stream' e em tempo real adicionar o Shield Mode, aumentando as suas definições de segurança para que alguns desses comentários ou interações menos positivas sejam imediatamente removidas. Fica facilitado, também, o trabalho dos moderadores humanos - as pessoas que fazem parte das suas equipas e que estão a fazer moderação durante a 'stream'.
Esse é um dos produtos e ferramentas para o qual tento chamar a atenção mas, quando estamos a fazer o 'onboarding' e a ensinar como utilizar a Twitch, é muito fácil focarmo-nos nas partes criativas - como é que vai ser a foto de perfil e como é que vão ser as cores do canal. Tudo isso faz sentido e nós também damos conselhos mas, numa primeira fase, estas são as coisas mais importantes: a segurança e a moderação.
A Twitch tem uma grande expressão nos EUA e em outros grandes mercados, como por exemplo o Brasil. A plataforma continua a ter uma presença um pouco tímida em Portugal, pelo menos entre os grandes youtubers e criadores de conteúdos. O que é que acha que estes criadores portugueses podiam aprender lá fora para terem maior sucesso cá?
É engraçado porque escrevi um livro há pouco tempo para ser um guia de como ser 'streamer'. Para explicar as várias categorias (não só de videojogos) e como se desenvolvem na Twitch.
Como se chama o livro, já agora?
'Torna-te Streamer!' [Risos] Vai ser giro, é super direto ao assunto!
Super! [Risos]
Existem várias partes do processo que são importantes, então vai ser um guia super completo, mas mesmo muito direto ao assunto. A ideia é tentar perceber e talvez antecipar algumas dessas tendências, dessas modas, que já existem lá fora mas que foram criadas há pouco tempo e que também podem ampliar-se em Portugal.
Depois da pandemia a maior tendência que vimos foi a categoria Just Chatting, que se tornou a maior categoria na Twitch. A categoria de Just Chatting é uma categoria de conversa. O criador não está a jogar videojogos, está a conversar com o público e o público é quase como um segundo apresentador do programa. O 'stream' não se desenvolve sem a interação do público e, então, esse tipo de categoria é universal, qualquer um pode falar para os seus espectadores e pode abrir muitas portas a criadores diferentes, especialmente de comunidades que não estão tão representadas na plataforma.
Também temos visto tendências como o IRL Streaming, que é quando o criador pega na própria mochila, tem o equipamento - pode ser até com um telemóvel e acesso à internet - e pode filmar fora das quatro paredes, ao ar livre. Também temos visto outras tendências como a cozinha. Há alguns criadores também a fazer podcasts, conteúdo de música.
Essas categorias são talvez das que se têm salientado mais. Já há algum conteúdo parecido em Portugal, mas não vejo tanta consistência de criação de conteúdo nessas categorias.
É talvez a oportunidade mais interessante para os criadores em Portugal agora, antecipar estas tendências que vieram dos EUA com a pandemia, que já cresceram e estão maiores e já trouxeram criadores de outras plataformas como o YouTube e o Instagram para a Twitch. Porque sabem que vão estar conectados mais diretamente com os fãs. E o facto de ser pedido aos fãs para ficarem ligados durante muitas horas à 'stream', faz com que só mesmo os maiores fãs lá estejam e o público mesmo muito fiel. E como esse público fiel se vai cruzar com eles na Twitch (provavelmente não está tão evidenciado em outras plataformas) é talvez o maior ponto, a parte mais importante da nossa interação, do nosso conteúdo. Essas oportunidades são vistas por criadores que não estão na Twitch como algo com o qual não tiveram acesso, que querem experimentar.
Eu entendo que a oportunidade em Portugal passa pelo mesmo: por criadores de outras plataformas perceberem que podem estar conectados com espectadores mais fiéis na Twitch e não importa se estão a jogar. Desde que seja ao vivo, passa pela Twitch.
© Ana Sena
Lembro-me que uma das primeiras vezes que a Twitch fascinou os internautas foi quando os espectadores estavam a jogar a ‘Pokémon’. Quem usava a Twitch, na altura, possivelmente recorda-se que eram milhares (senão mesmo milhões) de pessoas a jogar ‘Pokémon’ em simultâneo. Foi um fenómeno muito interessante, um pouco fugaz até, mas enquanto alguém que olha para este tipo de tendências e tenta aconselhar os 'streamers' a tirarem o maior partido da plataforma, como é que vê este tipo de tendências? Podem ser fabricadas ou é algo que acontece naturalmente no decorrer do 'streaming'? Como combinar as duas coisas?
A resposta é talvez: os dois. Provavelmente, as tendências não podem fabricadas, mas pode-se facilmente dar um empurrão para que faça sentido para o negócio daquele criador com que estamos a falar.
O objetivo principal, mais do que seguir as tendências, é perceber o que é que traz alegria e diversão ao criador. Nós começamos sempre por isso. É o mais importante para o criador, passar um bom tempo na 'stream'. Essa alegria de jogar um videojogo, partilhar um cozinhado ou ir lá fora partilhar uma atividade - é o que vai conectar mais espectadores fiéis a longo prazo e consistência é sempre muito importante.
Às vezes, quando falamos no longo prazo, temos ideia de que para ser bem-sucedido na Twitch temos de estar na 'stream' várias horas, todos os dias, sem parar e não é bem esse o caso. Às vezes é mais acerca de criar um hábito com os espectadores e alinhar expectativas de forma a que os espectadores entendam quando é que podem voltar. É importante criar essa consistência com intervalos entre as 'streams' - porque, obviamente, não somos robôs e temos que conseguir continuar com essa alegria. O espírito de alegria e diversão durante a 'stream' é o que vai agarrar os espectadores fiéis mas, também, quem está à volta desse público-alvo, os espectadores novos que não conhecem o canal, vão surgir espectadores que vêm de outras plataformas porque viram, talvez, uma promoção ou uma colaboração entre criadores. A alegria e a diversão, o estado de espírito do criador de conteúdo é sempre a base para que o canal funcione.
Depois a partir daí podemos criar estratégias dependendo do objetivo de cada criador, em termos de criar tendências. Se forem jogadores de videojogos podemos antecipar tendências nos videojogos ao perceber que títulos é que vão ser lançados. Tal como sabemos datas de lançamentos de filmes ou programas de televisão, podemos antecipar datas de lançamentos de jogos. Se forem jogos em categorias que o criador esteja a jogar faz sentido. Não faz sentido ir para fora do género.
Quando está a sair um jogo, por exemplo um jogo online que sabem que pode ter esse potencial, são vocês que sugerem a determinado 'streamer' que pode ser do interesse do seu público. Fazem esse acompanhamento?
Fazemos, sim. Normalmente os criadores já sabem, eles são especialistas. Nós também somos, mas os criadores fazem o seu conteúdo todos os dias, eles são talvez os maiores especialistas na área. É sempre bom perceber que quando nós damos essa ideia eles já estão a par, talvez estejam hesitantes e nós podemos ajudá-los a criar um horário à volta do novo jogo. Isso faz sentido e quando os dois estão de acordo - o gestor de contas e o criador - então é ótimo. Porque facilmente se pode implementar a nova ideia, implementar as regras no canal para desenvolvê-la e aumentar o sucesso do negócio.
Quanto à parte de fabricar as tendências, é importante perceber que jogos é que vão sair, que jogos é que fazem sentido para aquele canal, para aquele criador. Também pode haver uma mudança de estratégia do criador que esteve a jogar um certo tipo de jogos, mas que agora se quer tornar um criador mais diversificado. Então parte sempre do criador, o que é que ele quer fazer, quais é que são os seus objetivos a longo prazo, onde é que vê o seu canal este ano, no próximo ou daqui a cinco anos. Então, de acordo com a direção dos seus objetivos, tentamos guiá-lo de forma a conseguir acompanhar as tendências.
Fora dos videojogos, quando estamos a falar de tendências de criação de conteúdo, talvez em Just Chatting ou outras categorias, sabemos que, por norma, os coletivos de criadores trazem muito sucesso. Porque enquanto um criador tem o canal desligado, eles podem ir para o canal do amigo enquanto esperam uns pelos outros. Há muita ‘cross-pollination’ entre diversas comunidades. É por isso que já temos visto o sucesso das casas do TikTok. Esses coletivos normalmente funcionam muito bem por essa mesma razão: porque o público nunca está saciado. Querem conteúdo sempre, a toda hora, a cada minuto.
Ao existir um coletivo, há uma forma de planear conteúdo que oferece essa oportunidade aos espectadores de estarem sempre ligados. Usando os Raids, que é muito específico da Twitch, podem fazer quase uma autoajuda a eles próprios e tentarem passar novos espectadores de uma conta para a outra.
Alguns dos coletivos com que trabalho é o Dream SMP, que é um servidor liderado pelo Dream e o Georgenotfound, que foi muito bem sucedido. Agora, a AMP é liderado pelo KaiCenat e tem recebido muitos prémios. O KaiCenat ganhou o Streamer of the Year já há dois anos seguidos. Sobre esses coletivos, temos visto que, de facto, mesmo que algo não seja uma tendência a nível global, podem decidir criar e promover tendências entre as suas comunidades. Também podem trazer convidados, o que normalmente ajuda a ampliar as promoções do canal e aumentar o número de espectadores.
A minha teoria, que não foi confirmada por ninguém, é que o mais importante é sempre a personalidade do criador, a diversão, o estado de espírito e o ato de fazer companhia aos seus espectadores
Falando agora um pouquinho de jogos: desde que está na Twitch, quais são os jogos que saltam à memória e que cativaram as atenções? Que jogos é que a Twitch ajudou a transformar em tendências?
Assim que comecei a trabalhar na Twitch, era a altura da pandemia, ‘Among Us’ era a tendência na altura. Eu até me lembro de chegar um bocadinho tarde a essa tendência e ter de estudar o que é que se estava a passar. Depois houve a tendência do ‘Minecraft’, muito impulsionada por Dream SMP, que fazia a colaboração de criadores na América, na Europa e talvez tenha sido uma das colaborações mais bem sucedidas a nível internacional e não apenas nos EUA. Há pouco tempo tivemos ‘Elden Ring’, que ficou muito conhecido e houve muita gente, talvez até criadores que nunca tivessem jogado nessa categoria e que não sejam os melhores daquele jogo, mas que quiseram juntar-se à comunidade e a quererem participar na tendência.
‘FIFA’ é sazonal, está lá sempre. Há um trabalho de perceber o que é que vem e o que é que é novo, mas também quais é que são, talvez, as épocas do calendário em que temos de nos focar em diferentes categorias.
Até ao final deste ano, quais são os jogos em que depositaria mais confiança para os criadores de conteúdos e que acha que podem criar mais atenção na Twitch?
Estou a avaliar a tendência pelo quão requisitado o jogo é. Há muitos dos meus clientes que pedem a chave de acesso ao jogo e nós, às vezes, podemos entrar em contato e fazer uma colaboração com algumas das editoras para tentar facilitar o acesso dos criadores.
Então, um dos mais requisitados foi o ‘Texas Chainsaw Massacre’. Mas agora também temos um novo que é mais casual, uma área onde sou mais especializada, que se chama ‘Party Animals’. Vamos começar a fazer torneios de ‘ Party Animals’ na Twitch Rivals. Normalmente, esses torneios trazem criadores de várias partes que normalmente não colaboram juntos e nós tentamos fazer com que colaborem. Entretanto, também vemos algum desse crescimento de visualizações, subscrições e de seguidores nos seus canais.
É interessante perceber que alguns dos jogos que citou não são propriamente sucessos de vendas. Podem acabar por ser, mas muitas vezes as pessoas gostam mais de ver do que propriamente de jogar. Trabalhando na Twitch, como é que vê a diferença entre jogar alguma coisa ou ver alguém a jogá-la? O que há de tão atrativo nisso?
A minha teoria, que não foi confirmada por ninguém, é que o mais importante é sempre a personalidade do criador, a diversão, o estado de espírito e o ato de fazer companhia aos seus espectadores.
Parte do que eu vou apresentar nas Conferências do Estoril é esta qualidade de conforto: de que os espectadores estão tão habituados àquele conteúdo, é tão familiar, quase como uma série de ‘Friends’ ou ‘The Office’, mas que nunca acaba e que tem sempre mais temporadas. É o mesmo ‘feeling’. É algo cuja história e enredo não se perde se eu não aparecer naquele dia ou naquela 'stream' e que não tem problema se voltar mais tarde ou noutro dia.
Também é um conteúdo que se pode consumir enquanto fazemos outras coisas. O que nós temos visto é que existe o que se tem chamado de criadores de conforto. Há criadores que estão a ser visualizados por muitas horas simplesmente pela sua personalidade, não importa o jogo, e têm esta qualidade de ajudar os espectadores a escaparem das suas realidades enquanto cozinham ou tentam adormecer. Não é algo a que tenham de dedicar toda a sua atenção. É quase uma amizade que têm com o criador. É quase como passar tempo com um grupo de amigos. Criam uma familiaridade que ajuda os espectadores a escaparem da sua realidade, mas também terem um sentimento de pertença, porque também fazem amizades com os outros membros do chat.
Estes criadores, que têm sido chamados criadores de conforto, são criadores que normalmente não estão a par dos jogos mais vendidos - às vezes nem sequer são os melhores jogadores e talvez nem aprendamos muito sobre determinado jogo. Na minha perspectiva, são criadores que me estão a entreter, aos quais me sinto muito ligada, com os quais eu tenho uma visão comum, com os quais eu consigo fazer uma ponte e criar novas amizades com os outros espectadores daquela comunidade. É a comunidade e a personalidade do criador que vão trazer o entusiasmo dos espectadores, mais do que o título do jogo. Os jogos acabam por ser um mecanismo de entretenimento, tal como os adereços no teatro ou as cores nos cartazes, para contar uma história.
© Ana Sena
Tem sido interessante ver o crescimento de 'streamers' específicos, como é o caso do brasileiro Casimiro, que, apesar de ter um público mais focado sobretudo em desporto, em futebol, tem partido para ‘reacts’ de programas de televisão. Recentemente, até chegou a ser convidado para iniciativas semelhantes por algumas televisões brasileiras, para comentar alguns programas enquanto estes estavam a acontecer com o intuito de promover determinados conteúdos. No entanto, aqui em Portugal, as televisões não parecem muito interessadas em seguir por esta direção, talvez receando perderem público para os 'streamers' e perder relevância no entretenimento. Qual é a opinião de Ana sobre este cruzamento de meios? Acha que as televisões, os meios de comunicação tradicionais e os meios de entretenimento convencionais, podem ganhar com este tipo de colaborações com 'streamers'? Que sugeriria para este tipo de situação?
Sim, sem dúvida. Sempre que há o lançamento de uma nova tecnologia instala-se medo. Quando fomos da rádio para a televisão, talvez tenham tido medo que as pessoas fossem deixar de ouvir rádio e que só iam ver televisão. As redes sociais fizeram o mesmo para a televisão. A meu ver, o 'streaming' é o próximo passo das redes sociais. É uma rede social que fala connosco, é uma televisão que fala connosco e responde às nossas ideias em tempo real.
Na minha perspectiva, não há o risco de perder espectadores. A rádio e o cinema não acabaram porque veio a televisão. Acho que é mais uma reação imediata, um medo em relação às novas tecnologias. Se formos ao passado e à história da arte, o mais importante é perceber qual é o mecanismo que estamos a usar para contar uma história.
O 'stream' é só uma tecnologia nova, mas que continua a ser um mecanismo para contar uma história. Estes criadores com quem trabalho - em Portugal temos os exemplos do Move_Mind e de outros - que contam histórias durante o 'stream' e atraem esses espectadores, talvez sejam exemplos dos melhores contadores de histórias dos tempos modernos, mas também da nova geração.
Então, pergunto-me, porque é que não levamos esses talentos para a televisão? Ou porque é que não há uma colaboração? Porquê é que não pensamos em formas criativas de promover um programa de televisão nos canais da Twitch ou vice-versa? Acho que tal como a colaboração entre 'streamers' é muito benéfica para o crescimento dos dois, a televisão e os criadores de conteúdo também podem beneficiar-se mutuamente. O medo talvez seja uma reação mais instintiva, mas que, na minha opinião, não tem razão de ser. Eu percebo a hesitação, mas o facto é que a Twitch é uma nova tecnologia. Enquanto tal, vão entrar criadores que são contadores de histórias, que são os melhores naquela área, que entendem a tecnologia e que também são talento - tal como atores e realizadores.
Às vezes ficam muito assustados quando eu comparo 'streamers' a artistas [risos], mas se calhar liga-nos um bocadinho ao que já falávamos, que é o escape da realidade. Tal como na pintura, no cinema, na televisão e agora no 'stream', um contador de histórias tem o poder de nos levar para fora da nossa realidade e de entrar num novo mundo - em que nos sentimos incluídos, onde há muitas vozes que falam os mesmos pensamentos que temos, que sentimos que a nossa opinião é válida e temos uma comunidade a ser criada. Mais do que a tecnologia, esses contadores de histórias são o mais importante.
Portanto, não tenham medo [risos]. Acho que os criadores de conteúdos devem ser incluídos na televisão, especialmente em Portugal, se os canais querem atrair audiências de uma nova geração, porque é essa geração que está ligada com este tipo de talentos.
Talvez não se identifiquem tanto com os talentos que a nossa geração viu, mas o importante é tentar perceber como é que podemos comparar 'streamers' a outros contadores de histórias e perceber como é que se podem beneficiar mutuamente em diferentes partes dos seus negócios - seja nos conteúdos, segmentos de televisão, publicidade, etc.
Sempre pensei que as pessoas que são criadores de conteúdos fazem todos os tipos de trabalho porque são os melhores empreendedores da área da arte. Como é que eu posso ajudá-los a serem ainda mais bem-sucedidos, pessoas como o meu irmão?
Achei interessante verificar que, até aqui, teve um percurso bastante diversificado. Passou pelo cinema, pela área dos talentos e agora está na Twitch. Como é que estas oportunidades todas se proporcionaram? Esteve atenta ao que vinha por aí ou foi um percurso consciente e calculado para progredir sempre mais?
Para ser super honesta, talvez não tenha sido completamente consciente [risos]. Talvez ser portuguesa me tenha ajudado muito nisso, porque ajudou-me a procurar oportunidades de trabalho devido ao medo de voltar para casa sem ter tido sucesso na área em que eu esperava. Essa motivação trouxe-me a consciência de tentar perceber o que é que se estava a passar na minha área de negócios.
Talvez também tenha ajudado o facto de ter aprendido sobre arte na Escola Artística António Arroio. Depois especializei-me em cinema em Londres, no Reino Unido. Percebi que se calhar faltavam as qualidades que me faziam perceber o negócio da arte. Foi numa situação de tentar ajudar-me a mim própria a ter empregabilidade e um trabalho no futuro que procurei tentar perceber como fazer dinheiro no negócio da arte. Foi o que me levou a ir estudar para os EUA, para estar fisicamente mais perto da indústria do cinema e do entretenimento - que eu sabia que vinha de Los Angeles.
Acho que foi sempre na luta de tentar conseguir durar o máximo tempo possível lá fora. Ser sempre habilidosa e dar sempre o meu melhor. Quando estive num trabalho estava sempre empenhada a dar o máximo que pudesse. Interagia com todos os tipos de colegas, de todos os níveis. Tentar perceber como é que eu ia ter empregabilidade, mesmo que eu estivesse empregada naquela altura. Pensar a longo prazo levou-me a avaliar as tendências. Se eu quero durar o máximo tempo possível, o que é que eu posso fazer? O que é que está para vir? Quais é que são as tecnologias? E como é que as aptidões que eu já tenho encaixam em servir algumas das empresas que estão a crescer agora e a ajudar a alguns criadores de conteúdo.
O meu irmão, Diogo Sena, começou como criador de conteúdo no YouTube, tornou-se um ‘meme’ do Sporting Clube de Portugal [risos] e agora trabalha na rádio. Acho que observar a criatividade dele na altura, como é que ele produzia os vídeos dele, percebendo que queria trabalhar no entretenimento... Sempre tive um interesse em ajudar pessoas como ele. Lembro-me de ver que ele era o realizador, o ator, o produtor… Ele fazia tudo. Se fosse preciso, ele próprio ia comprar as tintas para pintar a parede.
Sempre pensei que as pessoas que são criadores de conteúdos fazem todos os tipos de trabalhos porque são os melhores empreendedores da área da arte. Como é que eu posso ajudá-los a serem ainda mais bem-sucedidos, pessoas como o meu irmão? Na realidade, começam na sua própria casa. Não têm contatos na indústria, nem com as editoras de videojogos, nem com os estúdios.
Dado que já tinha alguns desses contactos, foi muito fácil perceber que se calhar a minha especialização tinha de ser na área digital. Já não ia para o cinema. Já tinha trabalhado na área do talento com atores na Creative Artists Agency e, se calhar, ia aplicar o que já tinha aprendido na área digital. Depois surgiu a oportunidade da Twitch e, obviamente, percebi o sucesso da criação de conteúdo, especialmente durante a pandemia. Foi fácil, na altura, de perceber. Até então, eu acho que nunca soube o que é que queria ser quando fosse grande [risos].
E daqui para a frente quem sabe o que é que pode surgir, não é?
Eu acho que o mais importante e, talvez, o melhor conselho para aplicar pela comunidade em Portugal pelos estudantes ou recém-licenciados é que é impossível prever os trabalhos do futuro. É impossível prever as tecnologias do futuro.
O melhor que podem fazer é serem curiosos, darem sempre o melhor que têm e perceberem para onde é que as tendências se estão a mover. E não negarem, não dizerem que as coisas vão desaparecer se entra uma coisa nova. As hesitações são talvez fruto de demasiada precaução. Também é necessário ter um bocadinho de sorte.
É de facto interessante ser irmã do Diogo, que fez parte de uma das primeiras vagas de youtubers em Portugal. É justo dizer que, sem um Diogo Sena a inspirá-la, talvez não tivéssemos uma Ana Sena - vencedora de um prémio da Forbes?
Tenho a certeza. Por muitas razões, mas eu não tinha percebido o crescimento das redes sociais ou talvez tivesse percebido mais tarde. Com as tendências também vem a importância de sermos dos primeiros a lá chegar. Há uma urgência. A tecnologia traz uma urgência. Não só para saber usar a tecnologia, mas para saber aconselhar quem usa a tecnologia e quem cria histórias com ela.
A parte da tecnologia, que talvez não tenha sido muito natural para mim, dado que o meu forte veio da escola de artes, foi ampliada quando eu vi o Diogo ser tão bem-sucedido. Ajudou-me a perceber como é que talvez as redes sociais manipulam ou lideram audiências de outra forma que se calhar a televisão não faz. Foi uma surpresa na altura, mas acho que me acompanhou sempre.
Foi uma experiência que muitos dos meus colegas nunca tiveram - que por isso acabaram por ter trabalhos diferentes do meu - e que me levaram onde eu estou.
[Atualizado às 10:56]
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