"A avalanche Trump legitima quem mente e sabe que está a mentir", alerta Gustavo Cardoso, investigador e professor de Ciências de Comunicação do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e Empresas (ISCTE), que coordena um projeto do MediaLab do ISCTE, em parceria com a Comissão Nacional de Eleições (CNE) e a agência Lusa, para aferir a desinformação e os conteúdos a circular nas redes sociais e meio 'on-line' no período pré-eleitoral.
A vitória de Trump e da direita mais radical nos Estados Unidos foi, a par da evolução e aperfeiçoamento das ferramentas do IA, uma das mudanças no panorama mediático e político no último ano desde as últimas eleições legislativas e europeias de 2024, e que podem ter consequências em Portugal, acrescentou Gustavo Cardoso, em entrevista à Lusa.
O sociólogo e coordenador do instituto de estudo de ciências da comunicação integrado no ISCTE, MediaLab, explicou que o que Trump fez - e isso pode ter consequências em eleições noutros países - "é dar um argumento a quem mente e sabe mentir", com a justificação de que "está a ser colocada em causa" a liberdade de expressão, "porque eu posso mentir".
Realidade já existente noutros países, este é um fenómeno que "se pode manifestar claramente" neste período eleitoral, admitiu o investigador da MediaLab.
O que existe e está cada vez mais disseminado é a utilização da IA na produção de 'fake news' porque, explicou, "a desinformação sempre existiu enquanto dimensão da propaganda, mas ela muda conforme as tecnologias vão mudando".
"É verificável", afirmou, que a IA é usada "na criação de imagens e de textos" por parte de quem faz desinformação: "Se a inteligência artificial é utilizada como ferramenta de trabalho de toda a gente, porque é que não haveria de ser utilizada também por quem faz desinformação?"
Em eleições mais recentes, recordou, já houve algumas experiências de utilização da IA em anúncios nas redes sociais, que envolveram os líderes do Chega, André Ventura, do PSD, Luís Montenegro, e do PS, Pedro Nuno Santos, e que ofereciam "uma possibilidade de enriquecer".
"É produção artesanal, mas com inteligência artificial. Não são coisas muito perfeitas, mas já suficientemente perfeitas para tentar enganar alguém", exemplificou.
O paradoxo aqui, afirmou, é que "em Portugal diz-se mal dos políticos, que os políticos são isto, aquilo e aquele outro, mas depois associa-se a sua credibilidade a campanhas de enriquecimento".
E são campanhas que utilizam "narrativas que os políticos usam para denegrir os outros políticos" e "alimentam depois campanhas de enriquecimento ilícito que burlões tentam fazer usando a imagem" dos políticos.
Gustavo Cardoso é, com José Moreno, também investigador do MediaLab, responsável pelo projeto com CNE para aferir a desinformação e os conteúdos a circular nas redes sociais e meio 'on-line' no período pré-eleitoral, a exemplo do que aconteceu nas duas eleições de 2024, e que produzirá relatórios semanais que serão tratados jornalisticamente pela agência Lusa. Da equipa MediaLab também fazem parte Inês Narciso e Paulo Couraceiro.
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