"Este Orçamento será aprovado. Vamos ver se depois é executado"
Ascenso Simões considera que o OE2019 será aprovado "com a mão de Centeno" mas tem mais reservas quanto à sua execução em ano de legislativas. O deputado socialista aponta o dedo às divisões no interior do Bloco de Esquerda e elogia a diversidade dentro do PS, referindo que "ter gente como o João Galamba é uma grande vantagem para pensarmos à frente, para o confrontarmos".
© Ascenso Simões / D.R
Política Ascenso Simões
Na segunda parte da entrevista ao Notícias ao Minuto, - a primeira pode lê-la aqui - Ascenso Simões dá o Orçamento do Estado para 2019 praticamente aprovado, uma vez que "nenhum partido tem vantagem, nesta fase, em fazer antecipar as eleições legislativas". No entanto, deixa no ar que o documento será aprovado com a marca de Mário Centeno, o que não agradará à Esquerda.
O deputado socialista desvaloriza a polémica em torno da chamada 'taxa Robles' proposta pelo Bloco de Esquerda, e critica o partido por ter um "problema de leitura estratégica", fruto das divisões internas entre os que querem o Bloco num governo com o PS e os que o querem manter como um partido de protesto.
Figura marcada do PS ao Centro, o deputado eleito pelo círculo de Vila Real congratula-se com o rejuvenescimento nos socialistas, considerando normal que as figuras emergentes, como Pedro Nuno Santos ou João Galamba, se posicionem mais à Esquerda, dando o exemplo da ideia do não pagamento da dívida que chegou a ser referida pelo agora secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares. "São coisas que se dizem e que depois o tempo se encarregará de resolver".
Ascenso Simões, apesar de gostar da diversidade de opiniões no partido - "o PS sempre teve esses espaços dentro de si" -, não deixa de notar que a "novidade dentro do PS é haver dirigentes, e até militantes, que têm uma maior proximidade ao Bloco de Esquerda do que alguma vez se viu". Por isso, aponta a João Galamba, a quem já acusou de "radicalismo barato", sublinhando a importância de encontrar "antídotos para as propostas que ele e as pessoas que andam à volta dele apresentam".
Quer o Orçamento saia esquinado, redondo ou quadrado, vai ter sempre a mão de Mário Centeno, no sentido de ficar direitinho e de 2019 ser a confirmação da boa execução orçamentalAproxima-se a data da entrega do Orçamento do Estado (OE). Acha que podemos dar a aprovação do documento como garantida?
Depois de aprovados dois orçamentos, a garantia de aprovação dos outros dois estava muito próxima dos 100%. Nenhum partido tem vantagem, nesta fase, em fazer antecipar as eleições legislativas. Este Orçamento será aprovado. Vamos ver se depois é executado ou se tem condições para ser executado. Agora, há uma coisa que eu sei: quer o Orçamento saia esquinado, redondo ou quadrado, vai ter sempre a mão de Mário Centeno, no sentido de ficar direitinho e de 2019 ser a confirmação da boa execução orçamental.
Apesar de a aprovação parecer garantida, há temas quentes entre a Esquerda, como a questão dos professores ou o debate em torno da polémica sobre a chamada ‘Taxa Robles’…
… isso não é nenhuma polémica, não existe.
Neste momento nem sequer entendo quais são as propostas estratégias do Bloco para o Orçamento do EstadoMas o PS sabia ou não que esta taxa estava a ser negociada entre o Bloco e o Governo?
Não sei. Não integro o Governo, nem a direção do grupo parlamentar, não faço parte das negociações e tenho, às vezes, posições que não são muito condizentes com o próprio Governo. Não me parece é que essa ‘taxa Robles’ seja inteligente para o Bloco de Esquerda. O Bloco tem um problema e em vez de o resolver e esquecer, continua a escavar.
Qual é esse problema?
Chama-se [Ricardo] Robles. É o ‘somos tão puros, tão puros, que na calada da noite continuamos a fazer os mesmos erros dos outros’. E depois de toda a gente saber isto, o Bloco em vez de se calar e ir à procura de outra vida continua a escavacar na ‘taxa Robles’. Isso não lhe faz ganhar votos, faz perder! Aliás, eu neste momento nem sequer entendo quais são as propostas estratégias do Bloco para o Orçamento do Estado.
Parece-me que, neste momento, o Bloco tem um problema de leitura estratégica mais profundo. Tem um problema de saber se é maioritária, dentro do partido, a corrente que defende uma ida para o Governo em coligação com o PS ou a corrente que defende que o Bloco deve continuar a ser oposição, um partido de rua e de protesto, das bandeiras cor de rosa, vermelhas, ou do que for. Este confronto dentro do Bloco está a limitar a capacidade tática do partido. Mas, perante a aprovação do OE, se houvesse algum sinal de instabilidade, já tínhamos manifestações pela avenida abaixo, greves significativas…
… temos a dos professores, por exemplo.
O PCP e o Bloco já disseram que não eram organizações sindicais e que o problema dos professores não era um problema de negociação orçamental. Portanto, já se colocaram na posição certa que é ‘não vamos dar para este peditório, não vamos fazer com que esta questão seja a questão determinante do Orçamento’. Se fosse, a movimentação que estaria a existir, o radicalismo negocial público seria completamente diferente.
A vantagem de ter gente como o João Galamba no PS é que ele nos irrita e isso é uma grande vantagem para pensarmos à frente, para o confrontarmos, para encontrarmos os antídotos para as propostas que ele e as pessoas que andam à volta dele apresentamHá pouco falava das divisões no Bloco. Dentro do PS existe uma divisão entre os que apoiam a solução governativa à Esquerda e os que querem um regresso do PS ao Centro? Estou a pensar, por exemplo, na questão do vídeo de Mário Centeno sobre a Grécia, em que o deputado Ascenso Simões defende o ministro e critica João Galamba.
O PS sempre teve esses espaços dentro de si. A novidade dentro do PS é haver dirigentes, e até militantes, que têm uma maior proximidade ao Bloco de Esquerda do que alguma vez se viu. Mas isso é uma coisa com que temos de conviver. Provavelmente, há cada vez menos pessoas ao Centro e mais pessoas à Esquerda, porque isso também quer dizer que o PS se rejuvenesceu muito, e quando os partidos se rejuvenescem é natural que se encostem mais à Esquerda. À medida que estes quadros políticos vão avançando no tempo, o partido regressa, normalmente, ao seu sítio, que é o da centralidade política. As coisas fazem o seu caminho. Nunca mais ouviu, por exemplo, o doutor Pedro Nuno Santos a reclamar o não pagamento da dívida. Isso são coisas que se dizem numa determinada altura e que depois o tempo se encarregará de resolver.
Pedro Nuno Santos tem sido, precisamente, um dos principais defensores de uma linha mais à Esquerda no PS. Acha que ele poderá ser o rosto do PS após António Costa?
Ao contrário do que acontece em quase todos os outros partidos, o PS, depois do doutor António Costa, tem muitas soluções para liderança no partido. Tem para a liderança e para estruturar a liderança. Esta é uma nova realidade, há aqui uma transição que se verificou neste Governo, e, na minha intuição, o próximo Governo de António Costa será a libertação para a fase seguinte do PS.
E gosta do que vê nesta nova geração do PS?
Os partidos têm de ter diversidade. A vantagem de ter gente como o João Galamba no PS é que ele nos irrita e isso é uma grande vantagem para pensarmos à frente, para o confrontarmos, para encontrarmos os antídotos para as propostas que ele e as pessoas que andam à volta dele apresentam. É muito importante que assim seja, como foi no final da década de 1970, a entrada de uma leva muito significativa de ex-militantes vindos do Movimento Esquerda Socialista (MES) que introduziram no PS uma visão diferente, mais à Esquerda, urbana e elitista, diferente daquela que existia com Mário Soares. Isto é o que vai fazendo o PS um partido muito atraente no sistema partidário.
Quando pagam a um deputado 60 e poucos por dia para o seu alojamento e alimentação, em Lisboa, neste tempo, eu gostaria de saber quem é que consegue alojar-se e comer três ou quatro refeições com 60 eurosO PS português é uma exceção, comparado com outros partidos sociais-democratas na Europa, porque se soube rejuvenescer?
O PS não nasceu dos sindicatos, nasceu das elites rurais republicanas. Como não nasceu dos sindicatos tem uma visão diferente da sociedade, por vezes vantajosa, por vezes limitadora para a ação política. Os partidos portugueses, integrando ou não famílias europeias, têm muitas especificidades e, portanto, têm outra resiliência e outra capacidade de poder agir dentro da política nacional e europeia.
Em abril, publicou nas suas redes sociais os seus recibos de vencimento enquanto deputado na Assembleia da República. Acha que, em Portugal, os deputados são mal pagos?
Não acho que sejam mal pagos, tendo em conta a média dos salários pagos aos portugueses. Aquilo que eu quis fazer - correndo muitos riscos, como o de ser mal interpretado, mas a minha vida política foi feita assim - foi dizer às pessoas ‘olhe, verdadeiramente o que dizem é isto, o que um deputado eleito por um círculo distante recebe é isto’. Não me queixo. Como tenho uma forma de estar na vida que é não gastar mais do que aquilo que recebo, não acho que os deputados sejam mal pagos. Contudo, acho que sobre os deputados de Lisboa, fruto das circunstâncias em que se verifica a remuneração e os complementos, neste momento, devíamos ponderar essa remuneração.
Quando pagam a um deputado 60 e poucos euros por dia para o seu alojamento e alimentação, em Lisboa, neste tempo, gostaria de saber quem é que consegue alojar-se e comer três ou quatro refeições com 60 euros. Mas ninguém me pediu para vir para aqui, eu é que quis vir, e, portanto, enquanto aqui estiver não tenho de me queixar e não acho que no global das remunerações os deputados sejam mal pagos.
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